CAMPANHA DA FOLHA CONTRA COTAS REVOLTA BLOGUEIRA
Peças publicitárias integram série "O que a Folha pensa", na qual o jornal se posiciona sobre temas polêmicos como cotas, aborto, casamento gay, voto obrigatório e pena de morte. Letícia Peçanha, em artigo para o Blogueiras Negras, questiona: "Nós estamos aqui falando de séculos de exclusão e marginalização da população NEGRA. (...) Estamos falando de mais da metade da população desse país sendo excluída da universidade e ainda ousam questionar a injustiça que é alguns dos brancos não terem acesso à universidade?"
12 DE AGOSTO DE 2014 ÀS 15:01
Favela 247 – A campanha “O que a Folha pensa”, lançada na última semana pelo jornal Folha de S.Paulo, na qual assume posicionamento sobre diversos temas polêmicos (como aborto, casamento gay, voto obrigatório e pena de morte), revoltou a estudante de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Letícia Peçanha, devido à peça que trata do tema “Sistema de cotas”. No vídeo publicitário, uma modelo negra, representando a publicação, diz que “não deve haver reserva de vagas a partir de critérios raciais. (...) Mas são bem-vindas experiências baseadas em critérios raciais objetivos, como renda ou escola de origem. A Folha é contra as cotas raciais”. Em artigo publicado pelo site Blogueiras Negras, Letícia Peçanha desabafa contra a posição do veículo: “Estamos falando de mais da metade da população desse país sendo excluída da universidade e ainda ousam questionar a injustiça que é alguns dos brancos não terem acesso à universidade? Nós somos maioria na população e minoria na universidade e ainda temos que ficar pedindo licença pra entrar? Chega! Já deu!”. Como o vídeo deixa claro que a posição contrária à reserva de vagas também é extensiva ao serviço público, a blogueira firma posição. “Sou a favor de cotas não só na universidade, como no serviço público”.
Por Letícia Peçanha, para o Blogueiras Negras
Folha, eu discordo de você e não te sigo! Cotas sim!
É de uma desonestidade intelectual tremenda querer discutir cientificamente sobre as cotas e a existência das raças, como se uma porcentagem de genes definisse quem é negro. Uma pessoa que tem mais da metade de genes de origem caucasiana-européia, mas, ainda sim, manifesta fenótipos negros, terá sobre si o peso do racismo. Ninguém precisa fazer um exame de DNA em mim pra saber que eu sou negra. Esse papo de herança genética, de não existência de raças, é, pra mim, enfurecedor. Tamanha falácia.
Acho engraçado também quando eu escuto a imensa preocupação com possíveis fraudes na autodeclaração. Para negar direitos ao povo negro, a autodeclaração é tornada um óbice… Mas ser declarado negro por essa sociedade, ser marginalizado, preso, exterminado, não é problema nenhum. As cotas nas penitenciárias andam a pleno vapor e ninguém se importa com a fraude que é esse sistema perverso e racista. Quanta hipocrisia.
Ah, mas e as cotas sociais e os brancos pobres? Nós estamos aqui falando de séculos de exclusão e marginalização da população NEGRA. Chega de falar de branco! Estamos falando de mais da metade da população desse país sendo excluída da universidade e ainda ousam questionar a injustiça que é alguns dos brancos não terem acesso à universidade? Nós somos maioria na população e minoria na universidade e ainda temos que ficar pedindo licença pra entrar? Chega! Já deu!
Estamos falando de uma meritocracia fajuta, que exclui mais sistematicamente pessoas negras da universidade. Não há que se falar em mérito quando as oportunidades são desiguais. Você, branco, com seu pré-vestibular maravilhoso, com curso de inglês, francês, intercâmbio, competindo com um cara que mal tinha uma carteira pra sentar, que dirá um professor. Covardia, né, campeão?
EU estou falando de reconhecimento. EU estou falando de andar nos corredores da faculdade de Direito da UERJ e olhar os quadros com as fotos dos formandos antes das cotas e ver, no máximo, um negro pingado nas fotos. EU estou falando de nunca ter tido uma professora negra. Estou falando de andar no fórum onde trabalho e só encontrar meus iguais com o uniforme de terceirizado, trabalhando na limpeza, no elevador ou de segurança. Aliás, por isso, sou a favor de cotas não só na universidade, como no serviço público.
Já perdi a conta das vezes que debati essa questão. E já vi que vou passar muitos anos da minha vida ainda tendo que debater, rs… paciência!
“Acima de tudo, não iremos nos calar diante de qualquer ataque aos nossos direitos.”
Folha, eu discordo de você e não te sigo! Cotas sim!
Assista abaixo ao vídeo da campanha: