CHEGA AO FIM O MARTÍRIO DE JOSÉ GENOINO: LIBERDADE
O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, autorizou o ex-deputado federal José Genoino, condenado na Ação Penal 470, a progredir para o regime aberto; com a decisão, Genoino cumprirá o restante de sua pena em casa; ex-presidente do PT, ele foi condenado por ter sido avalista de empréstimos tomados pelo partido junto aos bancos envolvidos no chamado "mensalão"
7 DE AGOSTO DE 2014 ÀS 21:20
247 - O ex-deputado federal José Genoino, uma das principais lideranças da esquerda brasileira, está prestes a retomar sua liberdade. Nesta noite, o ministro Luis Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, autorizou sua progressão para o regime aberto e ele poderá cumprir em casa o restante da sua pena na Ação Penal 470.
Genoino foi condenado por ter sido avalista de empréstimos tomados pelo PT junto aos bancos Rural e BMG no processo que ficou conhecido como "mensalão". Ex-guerrilheiro do Araguaia, ele foi um dos parlamentares mais atuantes desde a redemocratização, mas renunciou ao mandato no auge da disputa política em torno da AP 470.
Cardiopata, ele protagonizou um embate particular com o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, que decidiu confiná-lo na Papuda, a despeito dos riscos alegados pela defesa à sua saúde. Agora, o pesadelo de Genoino chega ao fim.
Leia, abaixo, notícia da Agência Brasil a respeito:
André Richter - Repórter da Agência Brasil
O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), autorizou hoje (7) o ex-deputado federal José Genoino, condenado na Ação Penal 470, o processo do mensalão, a progredir para o regime aberto. Com a decisão, Genoino cumprirá o restante de sua pena em casa, onde terá que seguir regras estabelecidas pela Vara de Execuções Penais do Distrito Federal, que vai efetivar a decisão.
Segundo Barroso, Genoino cumpriu um sexto da pena de quatro anos e oito meses de prisão no regime semiaberto, requisito para a passagem ao aberto. “Tendo em vista a documentação que instrui o pedido, considero atendido o requisito objetivo para a progressão de regime na data de 21 de julho de 2014. Da mesma forma, tenho por satisfeito o requisito subjetivo exigido pelo Artigo 112 da Lei de Execuções Penais, na medida em que, conforme já referido, há nos autos o atestado de bom comportamento carcerário e inexistem anotações de prática de infrações disciplinares pelo condenado”, decidiu o ministro.
De acordo com o Código Penal, o regime aberto deve ser cumprido nas chamadas casas do albergado, para onde os presos voltam somente para dormir. Em muitos casos, diante da inexistência desse tipo de estabelecimento nos sistemas prisionais estaduais, os juízes determinam que o preso fique em casa e cumpra algumas regras, como horário para chegar, não sair da cidade sem autorização da Justiça e manter endereço fixo.
Genoino teve prisão decretada no dia 15 de novembro do ano passado e chegou a ser levado para o Presídio da Papuda, no Distrito Federal. Mas, por determinação do presidente do STF, Joaquim Barbosa, ganhou o direito de cumprir prisão domiciliar temporária uma semana após a decretação da prisão. Em abril, o ex-parlamentar voltou a cumprir pena no presídio.
MIRUNA AO 247: SENTIMENTO DE INJUSTIÇA NÃO PASSARÁ
Filha do ex-deputado José Genoino relata, em entrevista ao 247, a felicidade com que recebeu a notícia de que seu pai sairia da prisão; pouco depois, a frustração em saber que ele não passaria o Dia dos Pais junto da família, neste domingo; "Exclusivamente por burocracia", diz, em referência ao Judiciário; a audiência que permitirá a ida do ex-deputado para casa foi marcada para terça-feira 12; ela compara a "rapidez" de sua prisão, em novembro de 2013, com a "demora" para deixá-lo ir para casa; e lamenta a cobertura da imprensa: "divulgam o fato como se ele estivesse dando um jeitinho para se livrar [da pena], não como se tivesse direito"
9 DE AGOSTO DE 2014 ÀS 07:19
Gisele Federicce, 247 – A notícia de que o ex-deputado José Genoino deixaria a penitenciária da Papuda, em Brasília, para cumprir a pena em casa foi recebida com "muita felicidade" pela família, relata a filha mais velha, Miruna Genoino. A imensa frustração, porém, em saber que Genoino não passaria o Dia dos Pais junto da família, neste domingo 10, tomou conta de todos pouco depois.
"Única e exclusivamente por burocracia", revolta-se Miruna, em conversa com o 247 na noite de sexta-feira. "Ontem a gente tava super feliz, mas agora estamos no fundo do poço", descreve. Ela lamenta o fato de que esse tipo de data "nunca vai voltar". "Nunca vamos ter esse dia de volta, são muitas datas que estamos perdendo", diz. E conta que, por isso, a esperança é um sentimento difícil. "Não sabemos mais de nada".
O petista cumpriu no último dia 21 de julho um sexto da pena de 4 anos e 8 meses pela condenação por corrupção ativa na Ação Penal 470, requisito exigido por lei para a progressão do regime semiaberto para o aberto, que em Brasília é convertido automaticamente para o domiciliar. A Justiça marcou para terça-feira 12 a audiência que irá formalizar a progressão do regime e, assim, autorizar Genoino a ir para casa.
Para Miruna, "o sentimento de injustiça nunca vai passar". "Ele é inocente, não fez nada", defende. "Nunca vamos reparar a injustiça, vamos igualar", acrescenta, sobre os mais de oito meses que seu pai já passou na prisão. Um ambiente, como ela descreve, nada apropriado para um paciente cardíaco.
"Ele é um homem forte, é um homem guerreiro, mas o problema é a saúde, principalmente o problema da coagulação, porque a pressão a gente consegue controlar. A coagulação é mais chata, envolve a alimentação, e lá não tem nada disso", lembra. Genoino, que já passou mal na prisão e chegou a ser levado para o hospital, sofre de dissecação da aorta, doença que exige uma série de cuidados específicos.
Outro problema lembrado pela filha do ex-parlamentar é a dificuldade em estar nas visitas. "As visitas são de quarta-feira, dia de trabalho, nós todos, eu e meus irmãos, necessitamos muito do nosso salário. Vai ver quanto é que o filho desses outros ganham", afirma, sem citar nomes. Miruna lembra ainda que a família mora em São Paulo, o que exige mais custos, como passagem aérea, para chegar até a prisão. O contato fica por meio das cartas, que ela escreve diariamente. A mãe, Rioko Kayano, é quem consegue visitá-lo todas as semanas.
Agora, com a saída de José Genoino da penitenciária, o passo é "procurar um lugar para que possamos cuidar dele", diz Miruna. "Cuidados físicos e emocionais", detalha. E tentar retomar, talvez, a rotina que a família perdeu. "Viemos de um desgaste", recorda, citando a imprensa. "Eles noticiam o fato [da progressão para o regime domiciliar] como se dizendo 'ele vai se livrar', como se estivesse dando um jeitinho. Não como se ele tivesse direito. Para começar, não era nem para ele estar lá. Ele é inocente, todo mundo sabe disso".
O TRIBUNAL DE EXCEÇÃO E SUAS CONSEQUÊNCIAS
WANDERLEY GUILHERME DOS SANTOS
O STF ficará marcado pelo período de amnésia do bom senso judicativo e em que prevaleceram a face congestionada e o salivar da exaltação enraivecida
(originalmente publicado na Carta Maior)
O embargo sobre importações de discursos de ódio foi suspenso por ministros do Supremo Tribunal Federal no processamento da Ação Penal 470. Se não forem suspeitamente destruídos, os vídeos das sessões têm registrado ao vivo o que não foi transcrito nos assépticos e desidratados votos por escrito. Nem todos os membros do STF aderiram à liberalidade em favor do mal, mas a instituição ficará marcada pelo período de amnésia do bom senso judicativo e em que prevaleceram a face congestionada e o salivar da exaltação enraivecida. Rituais de degradação, expressamente vedada em tribunais de estado de direito, sucederam-se diariamente, especialmente em relação aos réus ligados ao Partido dos Trabalhadores – Delúbio Soares, José Genuíno e José Dirceu, este acusado de chefiar uma quadrilha depois reconhecida pelo mesmo Tribunal como inexistente.
O empresário Marcus Valério, entre os acusados não políticos, foi retoricamente incendiado como Judas cerca uma centena de vezes. O julgamento da Ação Penal 470 foi o evento que plantou mais dúvidas jurídicas na história recente: da comprovação dos crimes imputados aos procedimentos processuais e destes às penas impostas. Está arquivado em atas e filmes.
Leis e julgamentos são episódios humanos que, ao contrário das causas físicas, não cessam de produzir efeitos, alguns deles irreversíveis, mesmo quando interrompidos em sua operação. Creio ser razoável atribuir a violência proporcionada pelas manifestações de junho de 2013, e a instauração da cultura do terror lecionada em universidades, a parcela não desprezível do paradigma estabelecido pela Ação Penal 470. A essência do exemplo é evidente: quando as instituições existentes não contemplam o que a alguns aparece como apropriada dose de justiça, passam a ser justificáveis todas as arbitrariedades, amparadas em uma ideologia grupal, não pública.
Por certo referências a movimentos de revolta no exterior serviram para colorir de modernidade os quebra-quebras internos. Primeiro foi a evocação da primavera árabe, obviamente equivocada, pois lá se tratava de uma rebelião contra sistemas ditatoriais, alias substituídos por outros do mesmo naipe. Depois, alguns analistas importaram os “precariados” da Espanha, Grécia e Portugal. Todos esses países com enormes índices de desemprego e sem perspectiva de futuro, sobretudo com a difusão de governos de direita ou, no melhor dos mundos, liberais conservadores. Levou algum tempo de quebra-quebras e pancadaria para que se reconhecesse o ululante: o sistema brasileiro não é ditatorial nem a taxa de desemprego preocupa. Ao contrário, faz parte do receituário liberal brasileiro justamente provocar maior taxa de desemprego, o que certamente viria acompanhado de endurecimento do fator repressivo inerente a todo Estado.
A mídia desesperou de direcionar as ações trânsfugas e niilistas para objetivos políticos da oposição. Nem o tratamento dos ativistas como desbotar da juventude obteve sucesso. Não são desempregados, não estão lutando contra uma ditadura inexistente, mas precisamente contra as instituições democráticas em funcionamento. E são adultos o suficiente para desdenharem sonhos românticos ao sucumbirem à atração da força bruta pela força bruta. Os depredadores eventualmente aprisionados não são rapazes e moças nos seus primeiros anos de universidade ou operários sacrificados pela acumulação capitalista. São membros bem grandinhos da classe média, empregados e com poder aquisitivo suficiente para passar horas usando equipamento caro para fins de propaganda. Viajando para a promoção de distúrbios fora de casa quando assim planejam.
Ainda está por surgir uma boa hipótese sobre o aparecimento dessas explosões sociais de rápida expansão, recebimento de apoio e posterior transformação em seita fundamentalista. Mas não acredito que a violência impune da Ação Penal 470 seja inocente na inauguração do clima em que parece ser possível a co-existência de um estado selvagem à sombra protetora das instituições democráticas. Está aí a propaganda eleitoral dos conservadores, com sua retórica vulgarmente agressiva e propósitos confusos quanto às políticas sociais em curso e o projeto de construção de uma sociedade economicamente forte. Herdeiros do Supremo Tribunal Federal da exceção e dos depredadores do patrimônio público.
O empresário Marcus Valério, entre os acusados não políticos, foi retoricamente incendiado como Judas cerca uma centena de vezes. O julgamento da Ação Penal 470 foi o evento que plantou mais dúvidas jurídicas na história recente: da comprovação dos crimes imputados aos procedimentos processuais e destes às penas impostas. Está arquivado em atas e filmes.
Leis e julgamentos são episódios humanos que, ao contrário das causas físicas, não cessam de produzir efeitos, alguns deles irreversíveis, mesmo quando interrompidos em sua operação. Creio ser razoável atribuir a violência proporcionada pelas manifestações de junho de 2013, e a instauração da cultura do terror lecionada em universidades, a parcela não desprezível do paradigma estabelecido pela Ação Penal 470. A essência do exemplo é evidente: quando as instituições existentes não contemplam o que a alguns aparece como apropriada dose de justiça, passam a ser justificáveis todas as arbitrariedades, amparadas em uma ideologia grupal, não pública.
Por certo referências a movimentos de revolta no exterior serviram para colorir de modernidade os quebra-quebras internos. Primeiro foi a evocação da primavera árabe, obviamente equivocada, pois lá se tratava de uma rebelião contra sistemas ditatoriais, alias substituídos por outros do mesmo naipe. Depois, alguns analistas importaram os “precariados” da Espanha, Grécia e Portugal. Todos esses países com enormes índices de desemprego e sem perspectiva de futuro, sobretudo com a difusão de governos de direita ou, no melhor dos mundos, liberais conservadores. Levou algum tempo de quebra-quebras e pancadaria para que se reconhecesse o ululante: o sistema brasileiro não é ditatorial nem a taxa de desemprego preocupa. Ao contrário, faz parte do receituário liberal brasileiro justamente provocar maior taxa de desemprego, o que certamente viria acompanhado de endurecimento do fator repressivo inerente a todo Estado.
A mídia desesperou de direcionar as ações trânsfugas e niilistas para objetivos políticos da oposição. Nem o tratamento dos ativistas como desbotar da juventude obteve sucesso. Não são desempregados, não estão lutando contra uma ditadura inexistente, mas precisamente contra as instituições democráticas em funcionamento. E são adultos o suficiente para desdenharem sonhos românticos ao sucumbirem à atração da força bruta pela força bruta. Os depredadores eventualmente aprisionados não são rapazes e moças nos seus primeiros anos de universidade ou operários sacrificados pela acumulação capitalista. São membros bem grandinhos da classe média, empregados e com poder aquisitivo suficiente para passar horas usando equipamento caro para fins de propaganda. Viajando para a promoção de distúrbios fora de casa quando assim planejam.
Ainda está por surgir uma boa hipótese sobre o aparecimento dessas explosões sociais de rápida expansão, recebimento de apoio e posterior transformação em seita fundamentalista. Mas não acredito que a violência impune da Ação Penal 470 seja inocente na inauguração do clima em que parece ser possível a co-existência de um estado selvagem à sombra protetora das instituições democráticas. Está aí a propaganda eleitoral dos conservadores, com sua retórica vulgarmente agressiva e propósitos confusos quanto às políticas sociais em curso e o projeto de construção de uma sociedade economicamente forte. Herdeiros do Supremo Tribunal Federal da exceção e dos depredadores do patrimônio público.