Ministra do Comércio Exterior da França fala sobre trem Rio-SP, etanol e a Rodada de Doha
Cristine Gerk
No Ano da França no Brasil, as trocas culturais e políticas viraram apenas o pano de fundo das comemorações. Em visita ao Rio de Janeiro ontem, a ministra do Comércio Exterior da França, Anne-Marie Idrac, frisou que o país latino-americano é agora prioridade econômica para a Europa. O estoque francês de investimentos no país é de 10 bilhões de euros, enquanto para a China, por exemplo, o valor é de 4 bilhões. "O Brasil é muito mais importante que a China", justifica. Para a ministra, nós seremos um dos primeiros a sair da crise mundial.
– O Brasil, por questões industriais e graças ao PAC, é um dos países que vai sofrer os impactos mais tarde e de forma mais fraca – avalia Anne-Marie.
Em 2008, o fluxo de investimentos franceses no Brasil foi de US$ 3 bilhões, o que torna o país o quarto maior investidor local em meio aos 45 bilhões de euros injetados por países estrangeiros anualmente. Fora a União Europeia – que arrebata 2/3 das exportações francesas – o Brasil é o nono destino de exportações. No lado oposto, o latino está só na 21ª posição da lista de clientes na França, e na 22ª entre os fornecedores.
– As trocas comerciais são menos satisfatórias, na faixa de 7 bilhões de euros. A participação do Brasil no mercado francês é da ordem de 4%, um dado que considero ruim. Gostaríamos que empresas brasileiras também investissem mais na França, já que somos o segundo país em investimento internacional no mundo – ponderou Anne-Marie.
A verba direcionada pela França ao país é o dobro do que a dirigida aos demais países da América Latina. Segundo a ministra, o Brasil é prioridade "pelo tamanho, dinâmica e maturidade, além da base excelente no campo político e econômico". São 400 empresas francesas no Brasil, que geram 400 mil empregos, com foco na transferência de tecnologia.
– Queremos aumentar a participação no mercado local de vinhos em 10% – projeta Anne-Marie.
Atualmente, a menina dos olhos para os franceses na região é o setor de transportes ferroviários de grande velocidade (TGV). De acordo com a ministra, há grande interesse brasileiro pela escolha da França no projeto de TGV entre Rio e São Paulo. Se o país for o escolhido na licitação em outubro, o trem pode estar pronto já para a próxima Copa do Mundo, em 2014.
– A capacidade francesa foi bem recebida. Se escolhidos, seremos precisos na transferência de tecnologia. As autoridades federais e os bancos franceses vão se mobilizar em torno do financiamento desse projeto – detalha Anne-Marie.
O investimento sairia da Reserva para Países Emergentes da França, que oferece doações para contribuir em planos de financiamento para esses países, sobretudo nos setores de transportes coletivos e satélites. A Agência Francesa de Desenvolvimento também faz doações e empréstimos para desenvolvimentos conjuntos de transportes limpos. Ela investiu 100 milhões de euros no sistema de bonde de Brasília.
– Nosso plano é gastar US$ 15 bilhões com o TGV, que é um projeto importante de engenharia civil pelas questões geográficas complexas. O trem da Coreia, que compete com o nosso, tem tecnologia do século passado. A França é a única que tem todas as cadeias e competências para o nível de exigência desse projeto – defende.
Há perspectivas ainda para um contrato de dois submarinos, aviões, sem falar na comunhão de opiniões na luta contra o protecionismo e nas ideias para a Rodada de Doha. Segundo a ministra, as divergências entre os dois países em relação a protecionismo agrícola deixaram de existir.
– Se a Rodada de Doha fracassou no ano passado, não foi pela UE, mas pelas diferenças entre Estados Unidos e a Índia. Vamos reduzir em 64% nossas tarifas agrícolas. O (ministro Celso) Amorim nunca mencionou isso, essa questão foi ultrapassada – garante.
A ministra conta que todas as empresas francesas com quem conversou recentemente destacam o Brasil como garantia de resultados econômicos e financeiros que se situam entre os melhores do mundo. Alguns desafios ainda encontrados incluem as tarifas alfandegárias, como as aplicadas ao vinho e aos produtos cosméticos, que precisam ser discutidas, segundo Anne-Marie.
Uma questão nova na pauta bilateral é o etanol. Após satisfazer o mercado interno, o Brasil vai passar a exportar o produto, que encontra certas barreiras comerciais na União Europeia. Na França, por exemplo, o produto é enquadrado como agrícola, contrariando a definição escolhida pelos demais europeus.
– Isso tem de ser discutido em Doha, mas isso é secundário em relação à expectativa de quanto Obama vai apoiar a Rodada. A questão da entrada do etanol brasileira na França ainda está em debate.