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2. O PT faz alianças, quem diria?
3. Collor: uma estratégia de combate
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Índice
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WLADIMIR POMAR
QUASE LÁ
Lula, o susto das elites
Em memória de Maurício Nabor Meirelles,
companheiro generoso que contribuiu
com a sua garra e seu talento
para a beleza da campanha.
3a edição
São Paulo, 2009
Copyright©
Wladimir Ventura Torres Pomar
Produção e revisão dos originais da 1a edição
Marcos Soares
Coordenação editorial
Valter Pomar
Capa
Isabel Carballo
Projeto gráfico
Cláudio Gonzalez
Diagramação
Sandra Luiz Alves
1a edição: junho de 1990
2a edição: junho de 1990
3a edição: novembro de 2009
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro pode ser
reproduzida, sob qualquer forma, sem prévia autorização.
Em primeiro lugar, dedico este livro ao
companheiro Lula, responsável maior pela
oportunidade de escrevê-lo. Mas quero dedicá-lo
também aos milhares e milhares de
companheiros anônimos, inclusive àqueles que
trabalharam no comitê nacional e nos comitês
estaduais e municipais da campanha, que
deram o melhor do que tinham para
transformá-la na maior mobilização popular
que o Brasil já conheceu. Eles não deram
entrevistas, em geral não foram notícia, nem
tiveram sua imagem transmitida pela tevê. Sem
eles, porém, não teríamos chegado quase lá.
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Justificando a
aventura de contar
Como coordenador nacional da campanha Lula
Presidente, tive a oportunidade de participar da mais
séria e prolongada batalha que as classes trabalhadoras
brasileiras já tiveram condições de travar pela
conquista do poder.
É muito provável que, passado bastante tempo dos
resultados finais das eleições de 1989, grande parte
dos que se empenharam para que Lula fosse vitorioso
não se tenha dado conta das implicações da campanha
e de suas conseqüências para a sociedade em
que vivemos. Nem sempre é possível perceber as dimensões
do que estava em disputa, ou o verdadeiro
pânico que tomou conta das elites ao entenderem,
subitamente, que o metalúrgico barbudo poderia
tornar-se Presidente. E, embora haja uma certa consciência
da desigualdade das forças empenhadas no
combate, nem os melhores analistas conseguem
chegar perto da verdadeira desproporção de recursos
e meios entre as duas principais candidaturas.
Apesar de tudo, porém, Lula quase chegou lá.
Fazendo das fraquezas força e potenciando ao máxi
mo seus pontos fortes, desmentiu as previsões de
cientistas e analistas políticos, rompeu a barreira
histórica dos 10% do eleitorado a que tradicionalmente
estava confinada a esquerda brasileira em
seus melhores momentos e, pela primeira vez em
toda a história deste país, ameaçou o secular domínio
exercido sobre a vida do Brasil pelos donos do
dinheiro, das terras, da produção e do saber.
Vivi cada minuto dessa batalha de uma posição
relativamente privilegiada. É por isso que me aventuro
a contar um pouco do que presenciei, para que
muitas das experiências das quais participamos no
curso da campanha, positivas ou negativas, não se
percam no tempo. Mesmo porque essa não foi a primeira,
nem será a última luta em que os trabalhadores
se empenham para conquistar uma nova sociedade.
Assim, algumas das coisas que aqui vão escritas
podem ser úteis para o futuro.
Para facilitar a leitura, adoto neste texto o método da transcrição
livre, sem aspas (a não ser em casos polêmicos), dos
trechos utilizados, indicando sempre a fonte e a data.
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Um frio na espinha
1. Um sonho irreal
O Brasil é dominado, há séculos, por um Império
de potentados. Com o passar do tempo, mudaram
as vestimentas e os paramentos, modificaram-se as
formas de dominação. Mas a dominação mesma, essa
se manteve intocada e jamais ameaçada seriamente.
Talvez por isso tenha se sedimentado nesse Império
a arrogância dos que sempre vencem. Acostumaram-
se a desprezar os dominados e os vencidos,
subestimando suas lutas e projetos.
Talvez também por isso, ainda por cima respaldado
nas análises de renomados analistas políticos, o
Império nunca tenha levado a sério a possibilidade
de o metalúrgico Luiz Inácio, o Lula, chegar ao segundo
turno das eleições presidenciais e ameaçar, o
que é pior, o candidato que se tornou o preferido do
Império.
Em março de 1989, a revista Veja vaticinava que,
mesmo nas eleições de 1988 – quando o PT e o PDT
confeccionaram a mais larga votação que qualquer
A eleição é um longo e doloroso
aprendizado, aprendizado para a
democracia, caminho também, nessa
nossa América invertebrada, para o
purgatório. Houve também casos
em que ela levou ao inferno.
Raymundo Faoro, IstoÉ Senhor,
27 de dezembro de 1989
sigla de esquerda jamais obteve na história das eleições
brasileiras –, a maior parte do eleitorado foi às
urnas dar seu apoio a candidatos conservadores.
Dessa maneira, no momento em que Lula aparecia
bem nas pesquisas de preferência eleitoral, Veja procurava
tranqüilizar o governador Newton Cardoso
(PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível
vitória do líder do PT causaria o caos a ser evitado a
qualquer custo.
Na mesma linha raciocinava Armando Falcão, o
antigo serviçal do regime militar, ex-ministro da
Justiça de Geisel, que costumeiramente nada tinha
a declarar quando os jornalistas lhe perguntavam
alguma coisa. Para ele, a nação não iria optar por
um analfabeto, do mesmo modo que a Folha de
S.Paulo, em novembro de 1988, considerava que ao
candidato a Presidente pelo PT faltava expressão
nacional. Carlos Castello Branco, em sua tradicional
coluna no Jornal do Brasil, apontava em março
que a eleição de Lula continuava a ser uma previsão
precipitada, enquanto Ricardo Fiúza, líder do PFL,
augurava que Collor poderia levar já no primeiro
turno.
E Julio Cesar Ribeiro, da Talent, uma empresa de
marketing, lembrava na Folha de S.Paulo, em abril,
que Lula não tinha chances por ter contra si o fato
de ser de esquerda e lutar contra o conservadorismo
do Brasil. Assim, com raras exceções, os cientistas
e analistas políticos supunham que o candidato
da Frente Brasil Popular jamais ultrapassaria generosos
12% das preferências e votos. Praticamente
toda a imprensa alimentava seu fracasso e, ao emba
lo das pesquisas de opinião, afundava no sonho de
ver Lula eliminado na primeira rodada eleitoral.
Esse sonho virou quase certeza entre maio e setembro
de 1989, período em que o candidato petista
alcançou os mais baixos índices de preferência eleitoral.
Mesmo durante a fase dos grandes comícios,
em outubro, os jornalistas que cobriam a campanha
da Frente Brasil Popular ouviam com um toque de
descrença as previsões que fazíamos sobre seu crescimento.
A revista Veja de 22 de novembro relembra
que os pronunciamentos de Lula aos repórteres que
o acompanhavam pelo país, confiante de que estaria
no segundo turno, chegavam a provocar risadas na
maioria deles.
Entretanto, ao contrário de todas as descrenças,
o operário venceu inimigos e aliados bons de voto e
mostrou que era irreal o sonho de vê-lo batido desde
o início. Abriu um horizonte novo para sua classe
aos transformar-se no primeiro trabalhador com possibilidades
de chegar a Presidente da República do
Brasil.
2. O susto dos raivosos
É verdade que alguns analistas mais sensatos haviam
avisado ao Império os perigos que corria. Ney
Lima Figueiredo, expert em marketing político e
conhecido consultor da Febraban, sinalizava, no O
Estado de S.Paulo, que a disputa presidencial iria
ser uma leitura do estado de espírito do povo. Avisara
que se a inflação explodisse, se a corrupção continuasse
grassando, se os empresários continuassem
sem entender a gravidade da situação, a autoridade
pública ficasse comprometida e os políticos do centro
não abrissem mão de seus projetos pessoais, seria
certo dar Lula ou Brizola na cabeça.
O doutor Roberto Marinho, o todo-poderoso dono
da Rede Globo, também não nutrira qualquer ilusão.
Desde abril empenhara sua palavra numa grave
convocação às elites, achando que ainda havia tempo
para reverter o quadro a favor do Império. Em
nome do que chamou de maioria da população não
representada na arena política, cobrou dos líderes
do PMDB e do PFL, isto é, dos responsáveis pela Nova
República e pela transição conservadora, uma proposta
séria e consistente que se materializasse numa
candidatura de consenso, intérprete da vontade daquela
chamada maioria. O doutor Marinho, como
todo bom burguês, gostaria de falar por toda sociedade.
Porém, diante da realidade, contentava-se em
chamar às falas os principais representantes políticos
de sua classe em nome de uma suposta maioria.
O poderoso chefão da Globo exigia, em editorial,
um candidato de renovação, que não se enredasse
em manchas e combinações inaceitáveis, que não fugisse
dos temas controversos nem usasse de subterfúgios
como sabedoria política e que possuísse uma
abordagem moderna e otimista dos problemas brasileiros,
devolvendo à nação o direito de sonhar com o
futuro. Mais do que tudo, o doutor Marinho queria
que esse candidato evitasse ao povo brasileiro a obrigação
de escolher entre o que chamava de projeto
caudilhesco-populista (leia-se Brizola) e um outro
sectário e meramente contestatório (leia-se Lula).
Na época em que publicou esse editorial em O
Globo, o doutor Marinho sonhava com a candidatura
de Quércia. Mas independentemente disso, tinha
claro que o centro de seu ataque deveriam ser as
candidaturas de esquerda. Seu susto era tão vero
que enviou ordens à sucursal da Rede Globo em Nova
Iorque para não cobrir a visita de Lula aos Estados
Unidos. Onde, porém, o susto dos raivosos se mostrou
com maior desfaçatez, ainda nesse período de
descrenças, foi em Paulo Francis. Para ele, verborrágico
articulista da Folha de S.Paulo e comentarista
da Rede Globo, Lula não seria eleito simplesmente
por ser pobre, já que pobre em geral não vota em
pobre. Não deixava por menos: se essa sua previsão
sociológica de botequim furasse e Lula fosse eleito,
então haveria golpe militar. Finalmente, como jogador
de bicho que cerca o peru por todos os lados,
vaticinava que se não houvesse golpe militar, então
haveria guerra civil após a posse (Folha de S.Paulo, 6
de maio).
Isso que era susto vira paranóia com os resultados
do primeiro turno. Formam-se três grandes grupos
assustados e raivosos nas hostes do Império. Primeiro,
o dos apavorados, que consideravam a vitória
de Lula a completa quebra de autoridade, a porta
aberta para invasões e desapropriações arbitrárias,
o fim da democracia (da sua, é claro!) e a marcha
batida para a posse coletiva das propriedades. Nesse
grupo despontam Mário Amato, presidente da Fiesp,
que ameaça abandonar o Brasil juntamente com 800
mil empresários, levando suas fortunas e capitais, e
o tristemente famoso general Newton Cruz (aquele
do caso Baumgarten), que abre o jogo e afirma já
estar conspirando para desestabilizar o governo, caso
Lula vença.
O segundo grupo foi o dos atacados da síndrome
do populismo, que previam na eleição de Lula aumentos
salariais por decreto, congelamento de preços e
cadeia para empresários a título de exemplo. Ironia
ou não, com o governo Collor devem ter se submetido
a tratamento intensivo para entender de onde veio
o plano de estabilização econômica. O terceiro grupo
era dos que sofriam da síndrome de obscurantismo,
esperando da vitória lulista o confronto e não a negociação
externa, a renegociação compulsória da dívida
interna, a manutenção das reservas de mercado
cartoriais, o acobertamento do inchaço de pessoal do
governo, o choque heterodoxo com descaso pelo déficit
público e o fim das privatizações com o alargamento
das vantagens para as estatais.
Um metalúrgico na Presidência da República,
como indicavam as tendências eleitorais, era uma
perspectiva além de todas as contas e paranóias. O
Conselho Superior de Orientação Política da Fiesp,
outros agrupamentos de empresários, os mais altos
e os mais baixos escalões do Império e a imprensa,
que a todos representa, abriram as baterias, sem piedade,
na mais estridente, facciosa, suja e caluniosa
campanha a que já se assistiu na história dos meios
de comunicação no Brasil.
Paulo Francis novamente deu o tom, chamando Lula
de “besta quadrada” na edição da Folha de S.Paulo de
23 de novembro. Na mesma data, O Estado de S.Paulo,
tão cioso em buscar qualquer desvio legal nos desafe
tos, não faz qualquer comentário sobre crime eleitoral
ao noticiar uma campanha de 27 grandes empresas
comerciais contra Lula e seu programa de governo.
O PT é acusado de pretender submeter a economia
aos ditames da ideologia, de causar a explosão
do dólar, dos juros e da inflação, assim como a queda
das bolsas de valores. Os grandes jornais se lançam
numa cruzada para demonstrar que Lula é um lobo
em pele de cordeiro, um extremista, retrógrado, o
caos, que tem ódio do Brasil e fome de poder. O manifesto
da seita Tradição, Família e Propriedade (TFP),
publicado na Folha de S.Paulo de 29 de novembro,
parece coisa de criança se comparado ao terrorismo
psicológico montado pelos meios de comunicação
sobre os riscos de Lula tornar-se presidente desta terra
descoberta por Cabral.
A histeria tomou conta do Império. Do sonho irreal
da descrença nas possibilidades de Lula passam
para o pesadelo e começam a acreditar nas próprias
alucinações. As invenções assacadas contra Lula pelo
medíocre candidato do PTB, Affonso Camargo, ainda
em maio, acusando-o de partir para a radicalização,
a violência e o quebra-quebra, ganham foros de
veracidade, são repetidas sem parar por todos os que
se agregaram, na sombra ou abertamente, à candidatura
do Império no segundo turno. A opinião pública
foi intoxicada por uma ofensiva permanente
de intrigas e mentiras que jogaram no monturo qualquer
veleidade ética.
O susto dos raivosos fez com que perdessem qualquer
escrúpulo. A partir daí, Collor transformou-se
no candidato ideal do Império.
3. O susto dos nossos
Mas não foram só os raivosos que se assustaram
com a possibilidade de Lula chegar à Presidência.
Os nossos também, quando simplesmente não descriam
de que ele pudesse ter chances de ser eleito.
Caetano Veloso, na revista IstoÉ Senhor de 28 de
junho, acreditava difícil a vitória de Lula, enquanto
o deputado Maurílio Ferreira Lima, do PMDB pernambucano,
que teve uma participação vigorosa na
campanha da Frente Brasil Popular, dizia ao Jornal
de Brasília, em maio, que o candidato do PT não
teria mais do que 10% a 11% do eleitorado nacional.
Esse tipo de descrença influenciou, durante a campanha,
muita gente boa. Mas não foi, sem dúvida, o
que assustou aos nossos.
Estes perguntavam aos íntimos: e se Lula ganhar,
como vai ser? Partiam do pressuposto de que o PT
não sabia fazer aliança (apesar da existência da Frente
Brasil Popular). E de que, no fundo, o PT era sectário
e exclusivista (apesar do vice de outro partido),
não tendo jogo de cintura nem gente competente
em quantidade para governar. Apesar dos técnicos
e intelectuais de primeiro time que estavam
nos grupos de trabalho, tinham medo de que o governo
Lula não fosse capaz de resolver o problema
da governabilidade. Muito chegavam a exprimir abertamente
a idéia de que o PT era muito bom na oposição,
mas tinham dúvidas quanto a ter a mesma
performance no governo.
É engraçado como os argumentos dos representantes
letrados e iletrados das elites penetram fun
do. Como se pode acreditar, depois de tantos governos
calamitosos dirigidos pelos potentados do Império,
que estes têm capacidade para governar e os
trabalhadores não? Sem querer, esses argumentos
são assimilados a tal ponto que muitos daqueles que
apoiavam Lula acreditaram nas jogadas armadas
contra o candidato do PT e da Frente Brasil Popular
e se assustaram com a possibilidade de serem verdadeiras
as acusações.
Quantos não acreditaram que a subida do dólar e
dos juros se devia realmente ao crescimento de Lula
nas pesquisas? Quantos não se convenceram de que
Lula no governo iria mesmo estatizar tudo? E quantos
não desistiram de votar no candidato-trabalhador por
crer que ele iria dar o calote na poupança ou tirar a
terra dos pequenos proprietários?
Não foram poucos os que se deixaram abalar pelas
acusações levianas de que o senador Bisol, vice
da chapa de Lula, seria corrupto. E uma faixa considerável
da classe média acabou aceitando a acusação
de que o PT era composto por um bando de
patrulheiros que não dava liberdade a ninguém. O
incidente com a atriz Marília Pêra, ocorrido no dia
12 de setembro, durante a passeata que se deslocou
da Praça da Sé para a Avenida Paulista, em São Paulo,
talvez seja o que melhor ilustra essa situação. Ao
passar em frente ao teatro em que aquela atriz representava
uma peça, na Avenida Brigadeiro Luís
Antônio, a multidão vaiou e expressou em palavras
sua discordância com a escolha eleitoral feita por
ela. Isso serviu para uma campanha orquestrada, em
que aquela multidão foi acusada de agredir a atriz e
de realizar patrulhamento ideológico e político contra
os adversários.
Inúmeros editoriais, matérias pagas e noticiários
alimentaram durante dias e dias a onda de solidariedade
à artista. Mesmo alguns intelectuais e artistas
comprometidos com a candidatura Lula sentiramse
na obrigação de vir a público condenar a “violência”
contra Marília Pêra e exigir que os petistas se
comportassem com civilidade. Nem se deram conta
de que o incidente servira somente como pretexto
para introduzir uma cunha no setor artístico e intelectual,
sem dúvida onde a candidatura Lula estava
solidamente enraizada, pelas propostas democráticas
e participativas que apresentava para a cultura. E,
bem vistas as coisas, foram justamente os artistas e
intelectuais que apoiavam Lula que passaram a ser
patrulhados pela maciça campanha na imprensa.
O que aconteceu na realidade? Todos sabem que
Marília Pêra fazia propaganda aberta de Collor em
seu espetáculo teatral. Esse era um direito seu, democrático,
e ninguém podia impedir que ela o fizesse.
Entretanto, por que a multidão não tinha o mesmo
direito democrático de se manifestar contra a
opção dela e a favor de outra alternativa? Por que é
patrulhamento manifestar desagrado a alguém e não
é patrulhamento a enxurrada de matérias contra os
intelectuais e artistas petistas? Infelizmente, para
alguns a democracia só é boa quando lhes serve, mas
não aos outros.
O susto dos nossos, mais do que o dos raivosos, é
a prova provada do doloroso aprendizado da democracia.
4. Vontade e realidade
O nosso aprendizado da eleição presidencial começou
no final de 1987, durante o 5o Encontro Nacional
do PT, em Brasília. Hoje, relendo os documentos
sobre a candidatura Lula e a linha geral das alianças,
discutidos e aprovados naquele Encontro, nos
espantamos de que nossas previsões estivessem relativamente
corretas. Mas também constatamos que
nossa compreensão sobre o caráter da disputa que
iríamos travar, sobre a natureza do governo que pretendíamos
e sobre as possibilidades de nossa vitória
sofria de lacunas sérias.
Sobre as possibilidades de vitória, em especial,
nossa descrença era considerável. Na primeira reunião
da direção nacional, no início de 1988, convocada
para estudar a estratégia da campanha, Djalma
Bom (então um dos coordenadores da campanha) e
eu apresentamos um texto no qual dizíamos explicitamente
que havia condições reais para ganhar e
que este deveria ser o objetivo fundamental de nossa
campanha. Argumentamos que não se tratava
apenas de marcar posição através de uma candidatura
própria ou de aproveitar as eleições para difundir
o programa partidário, realizar a denúncia da
situação social e econômica vivida pelo país e acumular
algumas forças para embates futuros. O momento
era favorável para fazer tudo isso na perspectiva
de vencer e assumir o governo, definição que
tinha implicações importantes nos demais dispositivos
de nossa estratégia eleitoral, no programa de
governo e nas táticas que deveríamos adotar.
A maioria dos presentes foi muito educada
conosco, mas deu a entender que éramos triunfalistas
e tínhamos objetivos ambiciosos demais para
nossas forças. Reiterou que deveríamos evitar a tendência
de apresentar nosso desejo como se fosse a
realidade e nos lembrou que o inimigo jamais permitiria
que chegássemos tão longe. Outros argumentos
foram alinhados e alinhavados, com origens e
fundamentos distintos, mas todos para concluir que
não estavam dadas as condições para uma vitória
eleitoral do Lula.
Na ocasião fiquei teimosamente entre a minoria
que acreditava nas condições favoráveis para um êxito
eleitoral. Mas confesso que alguns indicadores não
batiam muito com essa análise. A candidatura Lula
não funcionou como instrumento de mobilização
para a conquista das diretas em 1988, como pensávamos.
A indiferença da população era angustiante
e só mudou em novembro, no final da campanha
eleitoral municipal. Porém, mesmo nossas vitórias
nessas eleições, confirmando a tendência de crescimento
da esquerda, não puderam ser consideradas
como testes decisivos para nossa hipótese, já que
não contavam com a aferição do fator principal: a
preferência pelo próprio Lula.
Por tudo isso, quando voltamos a discutir a campanha
Lula Presidente em dezembro de 1988, evitamos
colocar expressamente o objetivo ganhar no novo
documento sobre a nossa estratégia eleitoral. É verdade
que essa perspectiva esta implícita no espírito
do texto. Afinal, os resultados das urnas haviam sinalizado
mais claramente que o PT e as forças de es21
QUASE LÁ
querda estavam num momento favorável de sua trajetória.
Mas é possível que tenhamos cometido um
erro ao não haver dado maior transparência àquele
objetivo, embora nossa estratégia fosse para ganhar.
No curso da campanha, a dúvida na vitória influiu
negativamente na vontade de vários militantes e dirigentes.
A ação para mudar a realidade só funciona
com destemor quando existe clareza de qual é o objetivo
e confiança na viabilidade alcançá-lo. É provável
que agíssemos com mais afinco para resolver alguns
de nossos problemas estruturais se estivéssemos
mais convencidos de nossas possibilidades.
É verdade que quando as possibilidades não existem,
nossa simples vontade e determinação transformam-
se em voluntarismo. Mas quando as condições
estão dadas, a vontade é instrumento fundamental
para transformar a realidade. Apesar de tudo
o que realizamos, talvez tenha faltado uma pitada
maior dessa vontade em nossa ação. A tradição de
descrença na força dos trabalhadores e na sua capacidade
ainda pesa consideravelmente nas mentes e
nos corações de muitos de nós.
Apesar disso e do fato de que o Império das elites
mais uma vez saiu vencedor, pela primeira vez na
história do Brasil ele teve que se confrontar diretamente
com a esquerda unida e conquistou a vitória
por uma reles diferença de 5%, ou quatro milhões
de votos num total de 82 milhões. Convenhamos,
um grave motivo para dores de cabeça generalizadas.
Ou para um bom frio na espinha.
23
QUASE LÁ
Descrenças e fatos
Ainda hoje há aqueles que ousam
duvidar da capacidade de organização
política dos trabalhadores.
Lula, 1a Convenção Nacional do PT, 1981
1. Uma longa história
As descrenças que cercaram a candidatura Lula à
Presidência da República, mesmo aquelas deliberadamente
induzidas para impedir que ampliasse sua
base de sustentação, têm uma longa história. De pelo
menos 10 anos, para não ir muito longe. Elas revelam
o desprezo com que as elites do Império, as elites
proprietárias, dominantes e pensantes deste país,
sempre encararam a capacidade dos trabalhadores.
Vale a pena relembrá-las, mesmo de forma sucinta.
Quando a classe trabalhadora voltou a ocupar
seu espaço na vida social, no final da década de
70, e destacou Lula como liderança, poucos acreditaram
que ela fosse capaz de enfrentar o embate
com a ditadura. Afinal, após o golpe militar de 1964
os trabalhadores pareciam haver se conformado
com a realidade do Brasil Potência dos militares e
desistido de lutar. Excetuando-se as escaramuças
de Osasco e Contagem, em 1968, os assalariados
industriais não tiveram destaque nessa luta por um
24
QUASE LÁ
longo período. As autoridades militares conseguiram
impingir dirigentes pelegos à maioria dos sindicatos
e o Império parecia tranqüilo com seu flanco
trabalhista.
Assim, quando pipocaram as operações tartarugas
e, depois, as greves sob a liderança daquele torneiro-
mecânico barbudo que presidia o Sindicato dos
Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, os donos
do dinheiro se assustaram um pouco, mas pensaram
superar as dificuldades e evitar outros desdobramentos.
Acostumados a tratar com os pelegos
de plantão, não supunham estar tratando com um
novo tipo de sindicalista, nem que ele pudesse resistir
a bons restaurantes, presentes e salões acarpetados.
Numa cuidadosa operação de marketing, elogiaram
o quanto puderam o espírito sindicalista e o
apoliticismo do metalúrgico e tudo fizeram para
ganhar as suas boas graças.
Também jamais acreditaram que a luta sindical
fizesse despertar a consciência política. Conformavam-
se em aceitar, pelo menos por algum tempo,
lideranças sindicais autênticas e independentes,
desde que ficassem longe da política, essa coisa suja
que só eles, os barões do Império, consideravam-se
capazes de manipular sem perder a honra. Por isso,
sentiram-se traídos quando o metalúrgico Lula, que
não queria nada com política, descobriu que sem
fazer política os trabalhadores jamais conseguiriam
algo consistente – e resolveu fundar um partido, ainda
mais um partido de trabalhadores.
O sentimento da confiança traída transformou-se
depois na esperança de que os trabalhadores, os sin25
QUASE LÁ
dicalistas e os intelectuais que haviam se jogado na
empreitada de fundar o Partido dos Trabalhadores
não conseguissem atender às exigências da legislação
para legalizar o partido. Descrentes eles próprios
e conhecedores da força da descrença, espalharam
a idéia de que o PT não conseguiria implantar-se
nacionalmente, pois era um fenômeno eminentemente
paulista e, pior, da região ao ABCD.
Mais tarde patrocinaram a idéia de que o partido
implodiria em virtude das disputas internas. Acostumados
a assistir e estimular as divisões na esquerda,
consideravam impossível que o novo partido, formado
por sindicalistas sem experiência política e
militantes oriundos das mais diferentes experiências
derrotadas de luta contra a ditadura militar, além
de ativistas religiosos, pudesse se sustentar nas pernas.
Por isso, difundir de forma amplificada qualquer
pendência interna do PT passou a ser um dos
pontos de pauta mais importantes da imprensa burguesa
em todo o país. Alguns jornais, como o Jornal
da Tarde, de São Paulo, e O Globo, especializaramse
em criar e difundir boatos a respeito de brigas
intestinas do PT.
No episódio da escolha, pelo Congresso, de Tancredo
Neves para Presidente da República, previram
o fim do PT por sua posição intransigente contra a
ida ao Colégio Eleitoral. O partido parecia remar
contra a corrente da enchente popular, que via em
Tancredo a solução de seus problemas e do país. Três
deputados negaram-se a cumprir a determinação do
PT e foram expulsos. Outros filiados abandonaram o
partido em solidariedade aos três. Parecia não haver
26
QUASE LÁ
quem pudesse impedir a desagregação do Partido
dos Trabalhadores.
Esse tipo de crença ou descrença repetiu-se nas
eleições de 1986. O Plano Cruzado fora preparado e
alongado, entre outras coisas, para permitir uma
vitória avassaladora dos partidos do governo, o PMDB
e o PFL, esses partidos que se parecem cada vez mais
com o PDS da Velha República, sempre por cima e
nas tetas do poder. Não era possível que o partido de
Lula, declaradamente contra o Plano Cruzado, pudesse
eleger bancadas consistentes para a Constituinte
e as assembléias estaduais.
E nas eleições municipais de 1988 não davam
qualquer crédito à possibilidade de o Partido dos
Trabalhadores reconquistar sequer a Prefeitura de
Diadema. Eleger prefeitos em algumas capitais e cidades
importantes não passava, para a maioria dos
analistas políticos do Império, de um delírio petista.
Não é estranho, pois, que durante um largo período
as elites do Império tenham continuado a imbuir-
se de suas descrenças em relação à capacidade
dos trabalhadores e se enganado quanto às potencialidades
da candidatura presidencial de Lula.
2. Desmentidos pelos fatos
Já faz parte da história o fato de que as greves dos
trabalhadores do ABCD paulista colocaram a ditadura
contra a parede e aceleraram o processo de
abertura política do regime militar. Aos trabalhadores,
fundamentalmente a eles, se deve a desmontagem
dos planos de distensão lenta e gradual da dita27
QUASE LÁ
dura, planos que pretendiam manter intocados os
privilégios e os mesmos grupos no poder.
É verdade que Lula não via inicialmente a relação
entre a luta dos trabalhadores por melhores condições
de vida e trabalho e a luta política, do mesmo
modo que não relacionava a participação política
desses trabalhadores com a criação de um partido
que fosse sua expressão de classe e os representasse
na disputa política. Em 1979 ele reconheceu que até
1977 era um dirigente apolítico e só com as greves
pôde sentir a necessidade de participação política.
Percebeu que os dois campos estavam muito ligados
e, por isso, passou a considerar importante criar
talvez não um, mas vários partidos políticos. E decidiu
participar de forma mais ativa no projeto de construção
de um partido dos trabalhadores.
O processo de construção do PT não foi fácil, mas
os fatos também desmentiram todas as previsões e
todos os descrentes. Fundado oficialmente em 1980
e com registro provisório, o PT enfrentou em 1982
seu primeiro teste eleitoral. Apostando na perspectiva
de que trabalhador deveria votar em trabalhador,
pretendia conseguir a porcentagem nacional dos votos
(5%) que lhe permitiria o registro definitivo. Obteve
3,1% dos votos e um perfil eleitoral muito desequilibrado:
88,8% dos seus eleitores na região Sudeste;
2,0% na região Norte; 1,0% na região Centro-Oeste;
4,2% no Sul; e 4,0% no Nordeste. Isso parecia validar
a incredulidade da burguesia. No entanto, o PT
elegera o prefeito de Diadema e só não elegera o de
São Bernardo do Campo porque a sublegenda deu
maior quociente eleitoral do PMDB. Ainda colocando
28
QUASE LÁ
num plano muito secundário sua atuação parlamentar
e com quase nenhuma experiência eleitoral, o PT
demonstrava potencialidade inesperada.
Evidentemente o PT enfrentava o problema da
fusão, num único partido, de correntes de oposição
com experiências políticas muito variadas. Todas elas
possuíam, e em alguma medida ainda possuem, vícios
de origem, concepções ideológicas e políticas e
práticas diferentes. Vistas as coisas somente por esse
ângulo, muito dificilmente elas conseguiriam unificar-
se de forma mais consistente. Entretanto, em
sua maioria, elas tinham em comum alguns pontos
importantes. Haviam enfrentado um mesmo inimigo
nas duras condições da ditadura militar e haviam
sido derrotadas por ele de diferentes formas. Além
disso, foram atraídas positivamente pelo despertar
da luta dos trabalhadores e pela fundação do PT e se
dispuseram a reavaliar sua experiência histórica a
partir de suas derrotas e das novas condições enfrentadas
pela classe trabalhadora brasileira.
Mais do que tudo, a presença no PT de um contingente
maior de militantes oriundos dos movimentos
sindical e popular fez com que grande parte dessas
correntes se desse conta de que as questões políticas
não poderiam ser revolvidas por métodos administrativos.
Seria necessária uma longa convivência
democrática, marcada por experimentações práticas
no movimento social e político, para superar
vícios e concepções atrasadas e unificar posições que
correspondessem às características do PT como partido
de massas. Esse leito de vida democrática, ao
qual a burguesia brasileira não se adapta, embora
29
QUASE LÁ
viva enchendo a boca com a palavra democracia, tem
sido o fator determinante que permite ao PT um
processo permanente e cada vez mais avançado de
unificação política, convivendo ao mesmo tempo com
uma constante luta interna de opiniões. No dia em
que não existirem, dentro do PT, divergências de
opinião e as condições para debatê-las, ele será um
partido morto. Este é mais um fato.
O PT também não acabou quando decidiu não
comparecer ao Colégio Eleitoral e colocar-se contra
o Plano Cruzado. É verdade que o plano do ministro
Funaro reacendeu as esperanças da população e fez
com que grande parte do eleitorado acreditasse no
que o governo e seus partidos de sustentação afirmavam.
Mesmo assim, o PT elegeu uma bancada de
16 deputados constituintes e 39 deputados estaduais,
dobrando a sua votação em relação a 1982: 6,2%
dos votos válidos de todo o país.
Deve-se lembrar que, em 1986, o Partido dos Trabalhadores
foi obrigado a enfrentar, além do engodo
do Plano Cruzado, uma série de provocações que
visavam desestabilizá-lo e prejudicar seu desempenho
nas urnas. Em abril, tentaram implicar o partido
no assalto a uma agência bancária em Salvador;
em julho, a Polícia Militar de São Paulo matou dois
jovens trabalhadores em Leme e procurou incriminar
deputados do PT como autores do assassinato; e,
durante todo o ano, moveram uma campanha sem
trégua contra a prefeitura petista de Fortaleza, eleita
em 1985.
Mas foi nas eleições municipais de 1988 que o
Partido dos Trabalhadores contrariou todas as previ30
QUASE LÁ
sões e confirmou sua tendência de crescimento como
partido nacional de massas. Elegeu 36 prefeitos, incluindo
os de capitais tão importantes como São Paulo,
Porto Alegre e Vitória, e 1.050 vereadores. Teve
votação em mais de 80% dos municípios brasileiros e
conquistou 28,8% dos votos das 100 maiores cidades
do Brasil. Comparativamente às eleições municipais
de 1985, o PT voltou a dobrar sua votação.
Esses fatos não só jogavam por terra o descrédito
em relação ao PT. Mostravam que o Império burguês,
ao desprezar os trabalhadores e o partido que mais se
esforça em representar seus interesses, desconhecia
a evolução interna da política petista, seu avanço em
relação a programas de governo e política de alianças.
Desconhecia tanto o crescimento que pode ser
medido pelo desempenho eleitoral, quanto aquele
relacionado com a integração nas lutas sociais e políticas
dos trabalhadores e do povo brasileiro.
No seu preconceito míope, o Império não mediu
o significado real da participação do PT no processo
de unificação do movimento sindical através da fundação
da CUT, em 1983, na luta pelas diretas, em
1984, em todas as lutas reivindicatórias, democráticas
e progressistas dos trabalhadores e demais camadas
da população. Nem chegou a vislumbrar que
todos esses fatos representavam a demonstração real
do crescimento do Partido dos Trabalhadores, um
partido que, como dizia Lula em 1981, era “um menino
que nasceu contra a descrença, a desesperança
e o medo”.
31
QUASE LÁ
3. Esmagando as esperanças
As elites do Império têm, em parte, razão em suas
descrenças. Durante quase 500 anos elas se acostumaram
a esmagar qualquer esperança de ascensão
dos oprimidos.
Para implantar-se no Brasil, os conquistadores portugueses
escravizaram e mataram milhões de índios.
Alguns jesuítas, como o padre Antonio Vieira, denunciaram
o massacre levado a cabo pelas festejadas entradas
e bandeiras e calcularam em mais de 4 milhões
de nativos mortos de diferentes maneiras pelos
colonizadores. Depois, para fazer funcionar seus engenhos
de cana-de-açúcar e suas criações de gado, os
senhores da terra importaram escravos africanos que
eram dizimados no trabalho brutal dos eitos e fornalhas.
Quantos milhões de negros africanos adubaram
o solo fértil do Brasil, assassinados no trabalho ou no
pelourinho por um regime que durou quase quatro
séculos, indo quase ao limiar deste século XX?
Mais tarde, já na República, os sentimentos pelo
direito à terra e à vida dos lavradores pobres foi constantemente
esmagado pelos latifundiários. Canudos,
a cidadela camponesa governada por Antonio Conselheiro,
na Bahia, no fim do século passado, não teve
sobreviventes, não é mesmo? Quantos trabalhadores
rurais morreram assassinados por jagunços e pela
polícia em 100 anos de República? Quem se preocupou
em contá-los, já que sempre valeram tão pouco
para os poderosos?
Quem não se lembra como as reivindicações operárias
por melhores salários e condições de vida eram
32
QUASE LÁ
tratadas como crimes e casos de polícia ainda há
tão pouco tempo? Cada direito, cada reivindicação,
cada avanço nas condições de trabalho e vida dos
trabalhadores brasileiros foi arrancado com esforço,
suor e sangue. As elites do Império jamais concederam
nada de bom grado, jamais fizeram qualquer
concessão, por menos que fosse, sem apelar
para a mentira, para o engodo e para a força bruta.
Mesmo quando brigaram entre si para viabilizar
um ou outro projeto político de suas diferentes alas,
como em 1891 (Floriano Peixoto), 1930 (Insurreição
Liberal), 1954 (Juscelino Kubitschek) ou em 1964
(golpe militar), as elites sempre fizeram com que as
classes subalternas pagassem a conta por apoiar um
dos lados. Elas, ao contrário se reconciliavam e continuavam
dividindo entre si os frutos da riqueza produzida
pelos trabalhadores. Em particular após 1964,
desenvolveram o mais persistente e torpe projeto de
espoliação da terra e do homem brasileiros.
O processo iniciado com o golpe militar de 1964
gerou profundas transformações na sociedade brasileira.
Os governos militares abriram ainda mais as
portas do Brasil ao capital estrangeiro. Garantiram
aos empresários daqui e de fora as condições para
auferirem grandes lucros, arrochando os salários,
mantendo baratas as matérias primas e construindo
com o dinheiro público a infra-estrutura de energia,
transportes e comunicações. Transformaram o Brasil
num paraíso para as multinacionais que aqui se
instalaram.
O país se industrializou, dando ensejo à formação
de uma vasta classe trabalhadora que passou a se
33
QUASE LÁ
concentrar nos grandes centros. Milhões de pequenos
produtores rurais foram forçados a abandonar
suas terras próprias ou arrendadas e migrar para as
cidades, tornando-se operários industriais ou bóiasfrias.
O campo também se modernizou. Máquinas
agrícolas e novas culturas devoraram as pequenas
propriedades e fizeram crescer ainda mais o já imenso
latifúndio.
O Brasil hoje se orgulha de produzir quase tudo
que a indústria pode fazer: carros, navios, aviões,
foguetes... Orgulha-se também de possuir uma das
elites mais ricas do mundo, ao lado dos donos das
multinacionais. Antonio Ermírio de Moraes, da Votorantim,
Amador Aguiar, do Bradesco, Sebastião
Camargo, da Camargo Correa, Roberto Marinho, da
Rede Globo, Olacyr de Moraes, da fazenda e banco
Itamaraty e outros que nem gostam de aparecer são
donos de fortunas de bilhões de dólares e vivem uma
vida que os mortais comuns não conseguem nem
sonhar.
Mas os brasileiros se envergonham da miséria em
que vive a maior parte de sua população. Oitenta
milhões ou mais passam fome permanentemente,
não têm moradia decente, não podem comprar quase
nada porque não possuem poder aquisitivo. Os
trabalhadores que constróem e operam as fábricas,
os navios, as máquinas, que produzem bens e alimentos,
não têm chances de possuir quase nada do
que produzem.
O Brasil Potência que os militares e seus tecnocratas
haviam prometido com seu projeto de modernização
do país, fazendo o bolo da riqueza crescer
34
QUASE LÁ
para depois dividí-lo entre todos, só trouxe sofrimentos
à maioria. Para implantá-lo, acabaram com a
democracia, que já era pouca, impuseram a ditadura,
prenderam, torturaram e mataram opositores,
proibiram greves, alastraram a corrupção e garantiram
sua própria impunidade. O bolo cresceu, e muito,
mas só uma minoria pôde comer dele, a minoria
das elites – a de sempre.
Para a maioria, nem migalhas sobravam. Na região
do ABCD paulista, por exemplo, onde se concentraram
as principais indústrias de automóveis, implantou-
se também uma das maiores concentrações de
favelas do país. Mais de 40% da população local vegeta
nesses aglomerados, onde a violência urbana causa
dois homicídios diários, em média, mostrando um
dos aspectos mais dolorosos da face podre do Brasil
Potência legado pela ditadura militar.
4. Falência de um projeto
Diante dos resultados desastrosos da construção
do Brasil Potência, o descontentamento se alastrou,
apesar da repressão militar e policial. No início silenciosamente,
procurando as brechas e recuos do próprio
regime. Embora tivesse derrotado todas as tentativas
de resistência armada, o sistema implantado
pelos militares e pelo grande capital esgotava-se. As
eleições de 1974 foram a primeira grande oportunidade
para que a crescente oposição popular e democrática
impusesse uma derrota ao Império.
É preciso reconhecer que as elites tudo fizeram
para montar um novo projeto que lhes permitisse
35
QUASE LÁ
manter a situação que desfrutavam. Procuravam
ganhar tempo, conseguiram bilhões de dólares emprestados
para continuar expandindo a economia e
tentaram promover uma abertura política a mais
lenta, gradual e controlada possível, usando e abusando
dos casuísmos. Mas só conseguiram aprofundar
ainda mais a crise estrutural do país.
O indicador mais palpável do fracasso dessas elites
e de seu Império, com todos os empresários,
militares e cientistas sociais que fazem parte dele,
foi justamente a vitalidade com que os trabalhadores
voltaram à cena. Entre 1974 e 1976 eles haviam
ensaiado sua força nas operações tartarugas, exigindo
reposição salarial e negociando diretamente com
os empresários. Em maio de 1978, 50 mil metalúrgicos
da indústria automobilística desafiaram abertamente
a proibição ditatorial e o medo conformista
e entraram em greve. Conquistaram não apenas
aumentos salariais, mas também a diminuição da
jornada de trabalho para 44 horas semanais e o direito
de constituir comissões de fábrica.
A partir daí o movimento dos trabalhadores ganhou
novo alento e ultrapassou os limites das greves econômicas
por aumentos salariais. Exigiu liberdade e
autonomia sindical e liberdades políticas, resistiu às
intervenções do governo militar em seus sindicatos e
enfrentou a repressão aberta das forças políticas. E
foi mais longe, articulando uma participação política
mais ativa através da formação do Partido os Trabalhadores
e de sua ação para dar fim ao regime militar,
conquistar eleições diretas para a Presidência da
República e eleger uma Constituinte.
36
QUASE LÁ
O império, porém, não só fracassou em seu projeto
Brasil Potência como acumulou uma série de desatinos
na condução da transição para um novo projeto.
Não permitiu as eleições diretas e impôs ao
povo a conciliação de cúpula, a “transição transada”
do Colégio Eleitoral; montou o grande engodo
do Plano Cruzado para vencer as eleições constituintes
de 1986 e impingiu um mandato de cinco anos
para Sarney em troca de favores mesquinhos; sustentou
o Centrão parlamentar como tropa de choque
conservadora para impedir conquistas democráticas
e populares na Constituição; chegou a chamar
até o moderado senador Covas de incendiário vermelho,
por ter sido um dos que se opuseram ao aventureiro
despreparado e reacionário Caiado, e impediu
a reforma agrária, levando o país a um retrocesso
em matéria de direito e política agrária.
Nessas condições, com um Império refratário a
mudanças, aos trabalhadores só restava o caminho
de reconquistar, além do direito de greve e de manifestação,
o direito à cidadania. Cada vez mais ocuparam
as ruas, as praças e os estádios. E fizeram
brilhar com intensidade as estrelas que atestavam,
mais do que tudo, o fracasso do Império e sua própria
força de classe: a liderança operária de massas
Lula e o Partido dos Trabalhadores.
5. As estrelas contestadoras
Filósofos antigos já haviam notado que a história
cria suas próprias necessidades e problemas e os
personagens e instrumentos que devem suprí-los e
37
QUASE LÁ
resolvê-los a favor de um ou outro segmento social.
Às vezes destaca personalidades medíocres, em qualquer
dos lados, se não encontra alguém à altura.
Lembremos do exemplo recente de Sarney, como
representante do Império, para levar a cabo a transição
do regime militar para o civil. Outras vezes,
porém, a história encontra alguém talhado para enfrentar
os desafios postos pela vida social. Assim foi
com Winston Churchill, para a burguesia inglesa,
ou com Ho Chi Min, para os trabalhadores vietnamitas,
durante a 2a Guerra Mundial.
Esse também é o caso de Lula, a quem coube desempenhar
o papel maior de liderança de classe dos
trabalhadores brasileiros neste momento histórico.
Ele é fruto do processo de industrialização sofrido
pelo Brasil durante o período militar, processo que
concentrou na região Sudeste, em particular em São
Paulo, mais da metade do produto industrial do país.
Milhões de trabalhadores rurais foram expulsos de
suas terras desde a década de 50, deslocando-se para
as cidades do Sul-Sudeste para atender a demanda
de mão-de-obra das empresas nacionais e estrangeiras
que se instalavam, beneficiadas por incentivos
fiscais, creditícios e cambiais.
Esse processo subverteu completamente a relação
entre a população rural e a urbana. Na década
de 50, apenas 36% dos brasileiros viviam nos centros
urbanos. Em 1980, 70% encontravam-se nas cidades,
contra 30% nas zonas rurais. E da população
economicamente ativa das cidades, mais de 15% trabalhavam
nas indústrias, como Lula nos anos 60.
A classe trabalhadora sofreu, assim, uma profun38
QUASE LÁ
da transformação. Grande parte dela, a maioria, jamais
tivera contato com a vida fabril e com o movimento
operário. Antes de meados dos anos 70 nunca
passara pela experiência da greve e do enfrentamento
com a repressão direta do poder de Estado.
Assim, era baixo o seu nível médio de consciência
de classe. Seu despertar dependia da passagem por
uma série de experiências de lutas imediatas.
Por outro lado, com as organizações políticas que
procuraram expressar seus interesses completamente
destruídas pela repressão ditatorial, a classe trabalhadora
possuía como maior referência os sindicatos.
Nessas condições, a probabilidade maior era
que justamente daí surgisse uma nova liderança, uma
liderança que tivesse, ao mesmo tempo, sensibilidade
para captar e entender os sentimentos desse trabalhador
urbano de perfil semi-rural, sabendo falar
ao seu coração, e dirigir a transformação objetiva da
luta econômica dos trabalhadores em luta política,
colocada na ordem do dia pela situação brasileira.
Não é estranho, assim, que Lula surja primeiro
como sindicalista avesso à política, expressando fielmente
o sentimento e a mentalidade predominantes
em sua classe. Ao projetar-se à frente das greves
do ABCD, Lula é a demonstração viva da ruptura
com o arrocho salarial e com o servilismo sindical,
mas também com a oposição frouxa dos políticos
consentidos que diziam não concordar com o regime
militar, mas se submetiam a seus planos e
cronogramas. As lutas operárias e populares, as greves
e os confrontos com o regime, politizaram os
trabalhadores e conduziram Lula e parte conside39
QUASE LÁ
rável da nova safra de sindicalistas a entender, rapidamente,
que política não é igual a politicagem.
Daí a enfrentar o desafio de fundar e construir um
partido de trabalhadores foi um passo. Porque o Lula
necessário para a história de luta de libertação dos
trabalhadores brasileiros é o Lula político-partidário,
o Lula que supõe a existência de um partido
dos trabalhadores.
Evidentemente, Lula continuou mantendo suas
características pessoais básicas, especialmente sua
sensibilidade para sintonizar-se com os sentimentos,
os humores, as aspirações e a disposição dos trabalhadores.
Mas, com o anúncio da criação do Partido
dos Trabalhadores, em comício no Rio de Janeiro,
em outubro de 1979, a estrela do Lula passa a confundir-
se cada vez mais com a estrela do PT.
O Partido dos Trabalhadores é outro instrumento
talhado pela história para enfrentar os desafios colocados
ante os trabalhadores brasileiros. Ele surge
tanto do fracasso do projeto Brasil Potência idealizado
pelas elites, quanto do fracasso das diferentes
resistências ao regime militar, armadas e não-armadas,
empreendidas na segunda metade dos anos 60
e no início da década de 70. E surge, também, das
novas formas de resistência democrática, popular e
operária que se forjam no período.
Aproveitando as brechas legais abertas pelo próprio
regime militar, as lideranças sindicais e populares,
que tinham consciência de que era preciso criar
um partido de trabalhadores, agem com audácia
quando a ditadura se vê obrigada a realizar a reformulação
partidária de 1979, na pretensão de dividir
40
QUASE LÁ
a oposição em virtude dos resultados eleitorais de
1974 em diante. É interessante notar como a manutenção
do calendário eleitoral pelo regime militar,
objetivando dar-lhe uma aparência democrática (incrível
como a burguesia “acredita” que eleição é igual
a democracia), volta-se contra ele à medida que a
oposição cresce. Nessas condições, a tentativa de
dividir a oposição, até então aglutinada artificialmente
no Movimento Democrático Brasileiro (MDB), na
verdade mais parece um tiro pela culatra: acelera a
desagregação do regime, coloca na ordem do dia o
direito à livre organização partidária e apressa a democracia.
A formação do PT, assim como a do PDT em represália
ao PTB fisiológico de Ivete Vargas, é uma
cunha na reformulação partidária pretendida pelos
militares e representa de imediato um embaraço nos
planos de distensão e abertura do regime. Algo começava
a fugir-lhes do controle. Pior, não era algo
dentro de seu campo, como o Partido Popular (PP)
de Tancredo Neves. Em particular no caso do PT, era
algo incontrolável, que parecia não dar bola para o
fato de que a ditadura ainda estava viva e que, desde
o seu nascimento, já afirmara abertamente, para
quem quisesse ouvir, que pretendia construir uma
nova sociedade, contra o capitalismo implantado pelo
regime dos militares.
O PT já nascia contestador e só poderia ter, em
contrapartida, má vontade, boicote e sabotagem. Em
novembro de 1981 o governo Figueiredo impõe um
conjunto de novas regras eleitorais que determina o
voto vinculado em todos os níveis nas eleições de
41
QUASE LÁ
1982. O mecanismo do voto vinculado tornava nulos
os votos dados a legendas diferentes, obrigando os
eleitores a votar para vereador, deputado estadual,
deputado federal, senador e governador em candidatos
de um único partido. Com isso, o governo pretendia
evitar a vitória da oposição, então formada
por mais de um partido, e inviabilizar a agremiação
partidária que estava fora das previsões dos estrategistas
do Planalto, o PT.
Da esquerda tradicional e dos progressistas também
surgiam restrições ao PT, acusando-o de divisionista
e desmerecendo suas possibilidades de legalização.
Não acreditavam que o partido fosse capaz de
implantar-se no número mínimo de nove estados
exigido pela legislação do regime, nem que pudesse
conquistar a votação porcentual imposta. A cada
passo em sua consolidação o PT vê recrudescerem
os ataques; a cada dificuldade, a cada derrota temporária,
a cada erro, vê crescerem as vozes da descrença
e a difusão da idéia de que não teria futuro.
O PT atrai o ódio e o rancor das elites do Império
e de seus representantes na imprensa, no parlamento,
no Judiciário e no governo. Não por acaso, é lógico.
Ao construir-se como partido e apresentar um
projeto alternativo de sociedade, socialista e democrático,
o PT desfere um golpe de morte nas formas
tradicionais através das quais as elites mantinham
seu domínio. Já não lhes é possível obrigar os trabalhadores
e o povo a escolher entre dois projetos de
alas diferentes do próprio Império: os oprimidos
passam a ter a oportunidade de optar por um projeto
que represente verdadeiramente seus interesses.
42
QUASE LÁ
A enganosa conciliação nacional tradicionalmente
promovida pelas elites dominantes está em perigo.
Os trabalhadores possuem um partido seu, formado
por centenas de milhares de Lulas, além do
Lula que sobressaiu ofuscando aos demais, mas fazendo
renascer a esperança num projeto de sociedade
antagônico ao projeto capitalista. Esta é uma força
que tem raízes profundas nos interesses e aspirações
populares e nacionais.
43
QUASE LÁ
Estratégia para ganhar
A partir de um programa da classe
trabalhadora para conquistar o poder,
dirigir o país e iniciar a construção do
socialismo, o PT tem então que assumir uma
política de alianças para o Brasil de hoje.
PT, 5o Encontro Nacional, dezembro de 1987
1. Momento favorável
O Partido dos Trabalhadores, em pouco menos de
10 anos, passou por inúmeros testes. Sofreu derrotas,
superou adversidades, obteve vitórias e acumulou
experiências e forças. Em 1988, com sua participação
decisiva na Constituinte e as vitórias nas eleições
municipais, sentiu ter chegado o momento de
disputar para valer o governo da República.
Havia motivos para pensar assim. O sentimento e
a vontade de mudanças estavam arraigados na população.
As forças de esquerda aumentavam sua capacidade
de captar esse sentimento e essa vontade
de traduzi-los em programas de transformação social.
Capitalizaram a simpatia e o apoio populares
através de sua ação de combate à ditadura, da luta
pelas eleições diretas e da denúncia das políticas
econômicas que penalizavam somente aos trabalhadores
e ao povo.
O PT, em particular, consolidava-se como partido
nacional e como pólo à esquerda no movimento de
44
QUASE LÁ
polarização política do país. Sua imagem de coerência,
combatividade, defensor dos interesses populares,
socialista e democrático permitia-lhe não somente
aprofundar sua integração com os setores populares
e democráticos organizados da sociedade, como
também ampliar sua representação institucional,
conquistando espaços cada vez maiores nos parlamentos
e nos governos municipais.
Em 1988 o PT estava implantado em cerca de três
mil municípios do país, possuía mais de 600 mil
filiados e um número de simpatizantes bem superior.
Com algumas centenas de milhares de militantes,
estava estreitamente vinculado ao movimento sindical
e participava ativamente dos mais importantes
movimentos populares. Em 13 estados da federação
sustentava atividade parlamentar nas assembléias
legislativas e conquistara três prefeituras (Diadema,
Fortaleza e Vila Velha) com sua própria legenda, além
de mais um prefeito eleito pela legenda do PMDB
que depois se filiou ao PT (Icapuí-CE).
Para contrapor-se a essa tendência de crescimento
do PT e da esquerda, que vinha se configurando
cada vez mais nitidamente desde as eleições de 1985,
as elites apresentavam-se sem um projeto unificado.
A Nova República projetada por Tancredo se enredara
nos compromissos com os setores conservadores
e reacionários e na inépcia de Sarney, mergulhando
o Império em conturbada crise econômica
aparentemente sem solução. Mais grave ainda: os
diferentes setores do poder econômico não conseguiam
juntar-se em torno de políticas capazes de
superar suas dificuldades, nem achar um candidato
45
QUASE LÁ
que expressasse sua vontade coletiva. Nem as vitórias
petistas em São Paulo, Porto Alegre, Vitória, Campinas
e uma série de outras cidades importantes levaram
as hostes do Império a unificar-se.
A perspectiva de uma vitória das esquerdas nas
eleições presidenciais, é verdade, fazia crescer o
medo das elites e, em alguns casos, esse medo transformava-
se em pânico. Para superar isso, o Império
buscou desesperadamente um candidato salvador.
Os estrategistas do presidente Sarney, entre outros,
chegaram a empenhar-se para que o decrépito Jânio
Quadros fosse viabilizado como a solução procurada.
No entanto, nem Jânio foi o jeito. Como se viu
no primeiro turno, as representações políticas dos
potentados burgueses marcharam desunidas, com
candidatos diferentes, apesar de unificarem suas forças
toda vez que foi preciso atacar as candidaturas
de esquerda.
A tendência ascendente do PT e da esquerda, as
divisões internas do Império, os sentimentos e aspirações
das grandes massas populares por mudanças
– essas eram as condições objetivas que se apresentavam
de modo mais geral para a disputa presidencial
de 1989. Se ressaltarmos, ainda por cima, a figura
do Lula, com sua sinceridade, combatividade,
comprometimento com sua classe e o poder de comunicação
que firmou durante sua vida, concluímos
que o momento era muito favorável para traçar uma
estratégia de vitória.
46
QUASE LÁ
2. O PT faz alianças, quem diria?
Mas não bastavam condições favoráveis. Embora
existentes, sozinhas eles não garantiam nada. As
esquerdas e as forças progressistas mantinham-se
divididas entre diversos candidatos e seu projeto de
mudanças também não estava unificado. O PT, isolado,
não tinha forças para vencer, por mais esforços
que fizesse para captar os sentimentos, aspirações
e tendências eleitorais dos trabalhadores, da
população desorganizada de baixa renda e das classes
médias.
Como agravante das dificuldades, os possíveis aliados
também não acreditavam na força e nas possibilidades
do PT. Os partidos socialistas e comunistas,
que muitas vezes concorriam na mesma faixa política,
além disso possuíam uma postura de oposição ao
PT no movimento sindical e popular e nutriam diferentes
percepções sobre a vontade e a capacidade do
PT em unir-se a outras correntes partidárias. O PSB,
por exemplo, criticava o PT por resistir a uma política
de frente, priorizando seu fortalecimento partidário
ou, no caso de fazer coligações, impor a estas um
relacionamento autocrático e hegemônico.
O PCdoB e o PV mantinham reservas do mesmo
tipo, fora as rixas antigas que minavam o campo do
entendimento, enquanto o PCB simplesmente não
aceitava tratar de uma frente ou coligação que não
incluísse o PDT, PSDB e PMDB e não deixasse em
aberto o nome a ser escolhido para a cabeça da chapa.
O PDT e Brizola, por seu turno, reclamavam que
as elites estavam enchendo o balão do PT e festejan47
QUASE LÁ
do-o mais do que os próprios petistas, de modo a
desmerecer os pedetistas de forma deprimente. Essa
situação, segundo declarações de Brizola no Jornal
do Brasil de 14 de dezembro de 1988, os obrigaria a
questionar Lula duramente durante a campanha, o
que aliás fez no curso de quase todo o primeiro turno.
Em 5 de abril de 1989, na Folha de S.Paulo,
Brizola deu o mote dos ataques que desfecharia contra
Lula, qualificando-o de ponta de um enorme
iceberg, um novo Jânio Quadros que não seria bom
para o país. Nessa mesma entrevista, atirou contra o
PT, comparando-o aos nazistas, que eram muito radicais
na exploração do grevismo, no assembleísmo
e nas vaias, mas eram da direita em guerra contra a
democracia.
Para o presidente do PDT, o PT não havia lançado
Lula para vencer, mas fundamentalmente para derrotar
o próprio Brizola e abrir campo para a vitória
das elites. Embora o tom das críticas de Lula e do
PT a Brizola, durante a campanha, tenha-se mantido
em geral em nível bem mais ameno, somente no
segundo turno Brizola se deu conta de que o verdadeiro
inimigo era outro.
Se com o PDT e Brizola a situação era essa, com o
PSDB o quadro não era menos sombrio. Partido de
centro, debatendo-se entre alas opostas, o PSDB não
admitia sequer conversar sobre a unificação em torno
de Lula. A imagem que seus líderes tinham do PT
sempre foi a pior possível. Radical, extremado, estreito,
sectário, atrasado, xiita – estes eram alguns
dos adjetivos que mais circulavam entre os tucanos
a respeito do PT.
48
QUASE LÁ
No entanto, embora recebendo pedradas de todos
os lados e enfrentando resistências internas de
variados graus, o PT havia estabelecido, quem diria,
uma política de alianças e já a tinha experimentado
com sucesso em algumas eleições municipais. Mais
do que isso, por considerar que havia condições favoráveis
para vencer e de que não poderia fazê-lo
sozinho, estava disposto a aplicar essa política de
modo mais profundo nas eleições presidenciais.
Desde seu 5o Encontro Nacional, em dezembro
de 1987, o PT não somente vinha reiterando sua
crítica às experiências negativas da esquerda brasileira,
ao atrelar os trabalhadores a diferentes setores
da burguesia e descambar sua política de alianças
para a colaboração de classes, como também empenhava-
se para superar o sectarismo e a intolerância,
que em nome do sentimento de independência
de classe e de oposição ao reformismo, impediam
tanto a aplicação de uma política de alianças quanto
a discussão mesma do assunto.
Com base em sua próprias experiências na luta
pelas diretas-já, nas táticas eleitorais de 1985 e 1986
e em outras alianças pontuais estabelecidas em vários
momentos, o PT amadureceu a idéia de que alianças
não são uma questão de princípio, mas que só
deveria fazê-las sustentado em princípios. Em outras
palavras, o PT não faz alianças com qualquer
um tendo em vista objetivos imediatistas ou personalistas.
A linha geral de sua política de alianças
repousa na unidade com setores sociais que se contrapõem
de diferentes maneiras à dominação do capital
e têm como perspectiva a transformação socialista
da sociedade brasileira.
49
QUASE LÁ
Evidentemente, uma política desse tipo é de longo
prazo e demanda um complexo processo de alianças,
acordos e coligações parciais com as forças políticas
que, embora tenham divergências numa gama
razoável de questões, atuam no sentido daquela perspectiva
geral (anticapitalista, socialista). Por isso é
essencial para o PT e sua militância que as alianças
estejam sempre embasadas em programas de ação
transparentes, que exprimam a unidade concreta
alcançada em cada momento da luta contra os inimigos
comuns.
Foi assim que, em 1988, o PT conseguiu estabelecer
coligações com outros partidos de esquerda e
progressistas em pelo menos dez capitais: com PCB
em Rio Branco, Fortaleza, Vitória, Porto Alegre e
São Paulo; com o PCdoB em Vitória, Cuiabá, Natal e
São Paulo; com o PSB em Fortaleza, Vitória, Cuiabá,
João Pessoa e Natal; com o PV em Rio Branco, Fortaleza,
Vitória e João Pessoa; com o PH em Vitória e
Natal; com o PSDB em Vitória; e com o PDT em
Goiânia e São Paulo (onde retirou a candidatura a
favor da candidata do PT). Em Camboriú (SC), Americana
(SP) e Baturité (CE), o PT indicou os vices da
chapa, conjunta com o PDT.
De um modo ou de outro, todos os partidos de
esquerda e progressistas realizaram experiências de
coligação com o PT em algum lugar do país. O PT,
por seu lado, avançou mais em sua compreensão quanto
à necessidade das alianças para vencer adversários
tão poderosos como as tradicionais elites do Império,
sem que isso o coagisse a abrir mão de seus compromissos
fundamentais com os trabalhadores.
50
QUASE LÁ
Nas eleições presidenciais de 1989 o PT trabalhou,
desde o início, para formar uma aliança em
torno de Lula, englobando PV, PSB, PCdoB, PCB,
PDT, PSDB e setores progressistas do PMDB. Ao contrário
do que afirmaram os mais diferentes analistas
políticos, em geral desconhecedores das políticas
do PT, este se empenhou para que tal aliança ou
coligação se materializasse desde o primeiro turno.
O que não foi possível porque alguns desses partidos,
com todo o direito, lançaram candidatos para
disputar seriamente o governo – casos do PDT e
PSDB – ou para afirmar sua proposta própria para a
sociedade – caso do PCB.
A formação da Frente Brasil Popular, em aliança
com o PSB, PCdoB e PV (que depois a abandonou e
lançou candidato próprio por discordar da escolha do
candidato a vice), constituiu porém o patamar inicial
para a política de frente da campanha presidencial. A
elaboração de um programa de governo, contemplando
as aspirações da maioria da população e coincidindo
com os principais pontos programáticos das outras
forças de esquerda, completou o arcabouço necessário
para vencer no primeiro turno, ampliar as
alianças e disputas para vencer no segundo.
3. Um programa das maiorias
Outra novidade positiva da campanha presidencial
brasileira de 1989 foi a inusitada importância ganha
pelos programas de governo dos candidatos. As
pesquisas indicavam tanto o fato de o eleitorado votar
preferencialmente em nomes, não em partidos,
51
QUASE LÁ
quanto o de exigir que o perfil do candidato ideal
contemplasse suas propostas em relação aos principais
problemas percebidos pela população. Em geral,
mais de 30% dos entrevistados apontavam a necessidade
de os candidatos explicarem melhor seus
programas de governo, detalhando seus planos para
dar solução àqueles problemas.
No caso do programa de ação do governo Lula, a
atitude dos adversários e da imprensa do Império
variou. Até meados do ano, acusavam o PT e Lula de
não possuírem um programa, mas tão somente uma
plataforma de propostas genéricas. Ou, quando reconheciam
que o programa estava sendo elaborado,
apontavam então para possíveis divergências que
impossibilitariam que ele fosse dado a público.
O PT, entretanto, desde cedo preocupou-se com
que Lula apresentasse um programa de governo que
contemplasse as aspirações e os sonhos da maioria
da população brasileira. Por isso mesmo, deveria ser
resultado de um amplo processo de discussão no PT,
nos diversos partidos aliados à candidatura Lula e
na sociedade. O método de elaboração do programa
estava, portanto, associado a seu conteúdo democratizante.
Seria uma incoerência propor a democratização
da sociedade, de sua vida econômica e
social, do Estado e da riqueza, acabando com a miséria
e as desigualdades mais gritantes, sem contar
com um mínimo de participação popular e debate
democrático em torno das medidas que deveriam
ser adotadas como plano de governo.
A relativa morosidade com que operamos a preparação
do programa de governo do Lula tem, assim,
52
QUASE LÁ
uma justificativa. Envolvemos algumas centenas de
especialistas e militantes na preparação do programa.
E, através de grupos de trabalho, seminários, plenárias
e da difusão massiva dos textos preliminares, incorporamos
milhares de pessoas ao seu processo de elaboração
final. Mesmo assim, achamos que o tempo foi
curto demais, não permitindo envolver maiores parcelas
do povo no debate dos planos e medidas que deveriam
decidir seu futuro por vários anos.
Quando ficou evidente que a Frente possuía um
programa de ação para o governo, explicitado nas
diretrizes para sua elaboração, nas bases do programa
e nos 13 pontos do programa democrático e popular,
difundido em algumas centenas de milhares
de publicações e explicado didaticamente nos fascículos
Brasil Urgente, tudo isso a partir de julho, o
Império, seus candidatos e seus meios de comunicação
mudaram de atitude. A linha básica adotada,
então, foi a da desqualificação. Na passagem do primeiro
para o segundo turno, em particular, os 13
pontos do programa de governo da Frente Brasil
Popular sofreram um bombardeio constante.
O procedimento inicialmente adotado foi demonstrar
que o programa de governo de Lula era “arcaico”,
estribado nas velhas fórmulas do estatismo, do
conflito de classes e do calote seletivo. Faltava-lhe,
conforme mais tarde declinou o editorialista de IstoÉ
Senhor, “modernidade”, uma perspectiva social-democrática
que não considerasse o Brasil uma imensa
Nicarágua. Já que nesse ponto o editorialista concordava
com o senador Roberto Campos – o mesmo
economista que no início do regime militar, em 1964,
53
QUASE LÁ
plantou as sementes dos frutos amargos que ainda
hoje estamos colhendo –, é bom recordar as receitas
de modernidade que o senador sugeria para o
Brasil na IstoÉ Senhor de 6 de dezembro de 1989:
desestatização, capitalismo do povo e integração no
mercado internacional.
Mas, afinal, essas não foram as mesmas receitas
que o ilustre senador aplicou em 1964 e que, com
as variações de praxe, vigiram durante os quase 20
de militarismo? Se os mandatários do Império eram
contra a estatização, por que deixaram que a economia
fosse estatizada ainda mais? Seria bom que explicassem
ao povo que o fizeram para garantir a instalação
e o funcionamento lucrativo das multinacionais
e das empresas capitalistas brasileiras; que confessassem
haver transformado o povo brasileiro no
grande financiador da industrialização que tornou o
Brasil a oitava economia do mundo capitalista, através
da aplicação dos recursos públicos nas obras de
infraestrutura; que reconhecessem que muitas das
estatizações praticadas pelos governos militares serviram,
na realidade, para transferir dinheiro público
para proprietários de empresas particulares falidas.
Todas essas operações colocavam o Estado e suas
empresas a serviço do setor privado, consistiam na
privatização do Estado, na sua transformação em
serviçal exclusivo dos interesses do poder econômico
do Império. Por isso, a discussão em torno da desestatização,
nos termos colocados pelo Império, não
passa de escamoteação, embora não seja uma piada
tão ridícula quanto a que se refere à modernidade
do seu capitalismo do povo.
54
QUASE LÁ
Vivem na pobreza absoluta 80 milhões de brasileiros.
Eles são a mercadoria mais típica desse capitalismo
que o senador Campos diz ser do povo, talvez
porque os obrigue a conviver compulsoriamente com
suas mazelas do dia a dia, não os abandonando para
nada, nem mesmo quando os impede de trabalhar,
colocando-os no desemprego e repetindo sem cessar
que a miséria só existe porque eles não trabalham.
Esse tipo de “modernidade” realmente o PT e os
demais partidos da Frente Brasil Popular não se dispunham
a assumir. É certo que, ao contrário das
mentiras espalhadas, Lula não pretendia estatizar a
economia além do que já estava. Em alguns casos,
até, seria possível privatizar empresas estatais que
não se enquadravam na categoria de estratégicas
para o desenvolvimento nacional. Mas isso realmente
não era o cerne da questão. Para nós, o essencial
mesmo era, como ainda é, a reforma democrática
das estatais, colocando-as sob o controle da sociedade,
tanto na definição de suas metas quanto na
verificação de seu funcionamento. Tratava-se de
medida consistente para proteger o patrimônio público,
mesmo no caso de privatização, liquidar com
os excessos e as distorções existentes e colocar as
empresas estatais realmente a serviço da sociedade
e não de poderosos grupos econômicos. Com isso,
seria revertido todo o mecanismo de privatização
das estatais, num processo que chamamos de desprivatização
do Estado.
Por outro lado, em certo sentido o programa de
governo de Lula trazia implícita a proposta de um
capitalismo do povo antagônico ao do senador Cam55
QUASE LÁ
pos. Enquanto neste o capitalismo democratiza, ou
socializa, a miséria, a fome, o desemprego, o salário,
concentrando a riqueza nas mãos da minoria, no capitalismo
reformado do governo Lula o que se pretendia
era democratizar o capital através de uma profunda
redistribuição da renda. O novo modelo econômico
projetado no programa da Frente Brasil Popular
definia mudanças no papel do Estado na economia, a
reforma do sistema financeiro, novas políticas reguladoras
do funcionamento do capital nacional e estrangeiro,
tratamento diferenciado da dívida externa
e da dívida interna e reforma agrária. Tudo em função
de descentralizar o capital, criando uma nova lógica
de funcionamento cujo parâmetro principal passaria
a ser o benefício do conjunto dos membros da
sociedade, suas maiorias. Em outras palavras, a democratização
da propriedade e a socialização de seus
benefícios, rumando para uma sociedade bem diferente
da atual, uma sociedade socialista.
Também ao contrário do que se propalava, o governo
Lula não pensava em expulsar as empresas de
capital estrangeiro, ou impedir sua entrada no país.
O programa da Frente simplesmente não aceitava o
modernismo, a bem da verdade já predominante nas
hostes do Império antes da implantação do regime
militar, de abertura desregrada das portas do país
ao capital estrangeiro. Embora já tenha amadurecido
entre nós a idéia de que não é possível fugir do
processo de internacionalização crescente da economia,
isso não significa que não se estabeleçam
normas de relacionamento com o capital estrangeiro
que garantam a soberania nacional e tragam al56
QUASE LÁ
gum tipo de benefício para o conjunto da sociedade.
Do jeito que está, o modernismo da integração ao
mercado internacional transforma o Brasil numa casa
da mãe Joana onde só lucram as multinacionais.
De qualquer modo, alguns se preocupavam com as
acusações e sempre cobravam que fôssemos ainda
mais modernos, o que nos levava a desconfiar de possíveis
arcaísmos escondidos num ou noutro ponto do
programa, o que afinal de contas seria até natural.
Assim, ficamos aliviados quando o professor Bresser
Pereira, em sucessivos artigos na revista IstoÉ Senhor,
apontou que aqueles pontos atrasados situavam-se no
radicalismo da retórica do PT e no apoio de setores
de trabalhadores que não tiveram condições de se
integrar nos ramos modernos da economia.
O ex-ministro Bresser afirmava não ter diferenças
tão grandes com o conteúdo do programa de governo
de Lula, considerando-o moderno em muitos pontos,
mas estimava não passarem de retórica radical
as propostas de rompimento com o FMI, manutenção
integral do setor produtivo estatal e as ameaças
de estatização dos bancos privados. É lógico que não
concordamos com a parte final dessa avaliação. O
professor Bresser não se deu conta de quão distorcida
era essa visão do radicalismo retórico do PT, nem
mesmo quando confirma não haver, nos 13 pontos do
programa democrático e popular, nada que se assemelhe
a qualquer proposta de implantação de uma
república sindicalista. O contrário, aliás, do que bradava
nas mesmas páginas da IstoÉ Senhor de 6 de
dezembro o antigo serviçal do general Figueiredo, Sãid
Farhat, acusando Lula de pretender que tal república
57
QUASE LÁ
sindicalista fosse dirigida pela “pelegada desvairada”
que iria virar o país pelo avesso.
Felizmente, o jurista Raymundo Faoro estava atento,
e na edição seguinte mostrou que essa interpretação
parva do programa do PT, transformada numa
interrogação torta e demagógica, queria enxergar
na participação ativa da sociedade civil, organizada,
a democracia direta, hostil a todos os mecanismos
representativos. Com sua costumeira erudição histórica,
o professor Faoro pôs em evidência o absurdo
e a ignorância desse ataque à participação da sociedade
civil na função política de corrigir, emendar
e fiscalizar o Congresso, a burocracia civil e militar,
o Judiciário, enfim, as instituições. E mostrou que,
afinal, é nessa participação que consiste a efetividade
plena da democracia. Para completar, o professor
Faoro indicava que essa tese do programa da Frente
Brasil Popular nada tinha de novo, sendo antiga de
mais de dois séculos, como parte da doutrina de
Montesquieu e Tocqueville.
Estes dois velhos liberais, como disse o professor,
são muito radicais para o Império dos potentados
brasileiro. O conceito de democracia diz que todos
têm as mesmas possibilidades, acesso à informação
e igualdade de oportunidades. Mas esse tipo de democracia
não existe no Brasil. Nestas condições,
Bresser Pereira há de convir, qualquer retórica que
reiterasse o compromisso de construir uma democracia
efetiva da maioria, que garantisse a mais ampla
participação popular nas decisões do governo e
desse origem a um poder que fosse expressão da
vontade dos trabalhadores e do povo, haveria sem58
QUASE LÁ
pre de soar como o grito radical mais lancinante aos
ouvidos moucos dessa minoria que se acostumou a
tudo ter e a nada ceder.
Passada a campanha, é justo reconhecer que fizemos
um programa das maiorias. Mas talvez não tenhamos
sido tão radicais quanto essas maiorias e
seus ouvidos abertos esperavam que fossemos. Fomos
radicais no conteúdo de nosso programa de
governo, mas tímidos e elitistas na forma de apresentá-
lo. Se há alguma lição que Collor possa nos
ter dado, é essa: possuía o apoio dos setores arcaicos,
tinha um programa de conteúdo conservador e
retrógrado, mas pareceu moderno porque utilizou
uma retórica populista que soou radical. Com isso
ganhou parte das maiorias que contemplávamos no
nosso programa de governo.
59
QUASE LÁ
O Império não perdoa
O fúrher é o executor da vontade do
povo, daquela vontade imanente
de auto-afirmação que
é inerente a cada povo.
Otto Dietrich, chefe de imprensa
da Alemanha nazista
1. Interesses divididos
No início de 1989, Brizola e Lula encontravam-se
numa posição privilegiada nas primeiras pesquisas
de preferência eleitoral. Em janeiro, a pesquisa
Gallup feita para a revista IstoÉ Senhor apresentava
Brizola com 12,3%, Lula com 12,1% e Sílvio Santos
com 10,8%. Collor aparecia então com 6,5% das preferências,
na frente de Quércia com 2,8% e Covas
com 2,5%. Na pesquisa Ibope de março, Collor despontou
com 10%, em terceiro lugar, precedido de
Brizola com 17% e Lula com 16%.
Nessa ocasião, apenas Brizola, Lula e Collor tinham
suas candidaturas definidas, mas poucos acreditavam
na seriedade da candidatura Collor e muitos, como
vimos, duvidavam das possibilidades de Lula. Brizola
era o fantasma que atormentava o sono das elites,
particularmente porque surgiam especulações de que
poderia unir suas forças às do metalúrgico, criando o
que alguns chamavam de monstro Brizula. Esta perspectiva
levou as hostes do Império a viverem um medo
60
QUASE LÁ
permanente, o pesadelo constante de uma possível
vitória da esquerda. Em alguns momentos, esse medo
fez aumentar na mesma intensidade a angustiante
procura de alguém de confiança que pudesse unificálas
e livrá-las daquele pesadelo.
Enquanto, no Planalto, Jânio era visto como a
salvação, outros setores imperiais definiam o perfil
ideal a buscar: uma pessoa de passado limpo, de cara
nova e preferentemente de fora do quadro político,
oposicionista ferrenho, com experiência administrativa,
se possível da região Sudeste... com não mais
do que 60 anos para evitar a síndrome de Tancredo.
Este é, aliás, o perfil que a maioria dos eleitores procurava,
conforme indicavam praticamente todas as
pesquisas de opinião.
O problema é que todos os partidos pensavam
possuir em seus quadros lideranças que se amoldavam
àquele perfil. O PMDB com 17 mil vereadores,
dois mil prefeitos, 443 deputados estaduais, 199
deputados federais, 34 senadores, 15 governadores,
seis ministros, 2,8 milhões de funcionários públicos
sob sua gestão e administrando verbas públicas na
ordem de 43 bilhões de cruzados novos, possuía gente
como Quércia, Arraes, Waldir Pires e outros a escolher,
considerando-se invencível, apesar do desgaste
de sua presença no governo Sarney. Mas havia
também o doutor Ulysses, com mais de 70 anos, que
pensava ter demonstrado sua vitalidade na condução
da Constituinte e, com isso, superado na opinião
pública a síndrome de Tancredo.
Bem que se fizeram esforços para levar o doutor
Ulysses a perceber que o seu perfil não casava com o
61
QUASE LÁ
perfil ideal. Até mesmo o poderoso doutor Marinho,
da Globo, investiu na candidatura Quércia como alternativa
de unificação das principais hostes do Império.
Mas o tríplice presidente (do PMDB, da Câmara
e da Constituinte), Ulysses, não quis abrir mão
de seu direito, talvez o último de sua vida, de
candidatar-se à quarta Presidência, a da República.
O PFL, por seu lado, considerava-se com cacife
idêntico. Dono de uma das maiores bancadas do
Congresso, administrando inúmeros municípios,
com vários ministros no governo Sarney e homens
públicos de projeção como Marco Maciel, Aureliano
Chaves, Hugo Napoleão, Jorge Bornhausen e outros
mais (até Sílvio Santos), via qualquer um desses enquadrado
facilmente no perfil de candidato ideal, a
seu ver um centrista. Porém, como cada um supunha
que o terno lhe caía melhor, a pendência foi
para disputa na convenção e as chamadas bases do
partido decidiram que aquele perfil havia sido traçado
à imagem e semelhança do engenheiro Aureliano
Chaves. As bases também erram, que se há de fazer?
Tirando a enxurrada dos pequenos partidos de
aluguel que lançaram nomes sem expressão real,
havia ainda o PDS e o PTB no espectro conservador,
apresentando os casos patológicos de Paulo Maluf e
Affonso Camargo, sempre dispostos a sacrificar-se à
moldura de qualquer perfil.
E para não cometer uma completa injustiça, não
devemos esquecer do homem que, à espera de que
juntos chegássemos lá, ameaçou atropelar na corrida,
mas não tinha estofo nem estrutura para o embate
– Afif Domingos, do PL.
62
QUASE LÁ
O fato é que, com todos esses candidatos, as forças
conservadoras do Império (PFL, PDS, PTB, PDC,
PL e parte majoritária do PMDB), que administram
ainda hoje cidades onde residem mais de 50% dos
brasileiros, (a população das cidades administradas
pela esquerda – PT, PDT e PSB – compreende somente
27% do total), não conseguiram acertar seus
ponteiros para a unidade. Com certa razão, cada
hoste raciocinava que as eleições em dois turnos
haviam sido pactuadas justamente para isso: definir
o melhor de voto entre eles, na primeira rodada,
para que na segunda se compusessem.
Mesmo com os indícios do crescimento da esquerda,
decidiram correr o risco. Afinal, Brizola era somente
uma hipótese, mesmo assim longínqüa. Lula
e Brizola concorrendo entre si, o mais provável era
dar Covas se a esquerda chegasse lá. Isso, mais interesses
personalistas e projetos políticos e econômicos
diferenciados, mantiveram as elites do Império
divididas durante todo o curso da primeira rodada.
O processo de transição, afundando na crise e
na desmoralização a maioria dos líderes e ideólogos
do Império deixou-lhes esse legado.
Mas deve-se reconhecer competência no Império
ao conseguir preservar da degradação os esteios ou
trincheiras fundamentais de seu sistema de dominação:
os meios de coerção e os meios de comunicação,
informação e reprodução ideológica. Foi o que
permitiu às elites, desunidas quanto ao melhor nome
para disputar e vencer o governo, não titubear em
unir-se para atacar seus inimigos comuns.
63
QUASE LÁ
2. O fim da trégua
Os meses imediatamente posteriores a novembro
de 1988 permitiram uma certa trégua ao PT. As vitórias
eleitorais do partido em grandes capitais como
São Paulo, Porto Alegre e Vitória foram impactantes.
Embora alguns falem da tática maquiavélica de destacar
o alvo para melhor metralhá-lo, até a TV Globo
chegou ao ineditismo de preparar um programa
Globo Repórter simpático ao PT. Entretanto, já em
fevereiro, a persistência de Lula em bons índices de
preferência eleitoral mudou completamente o humor
do Império.
Fim da trégua. Lula e o PT passaram a ser bombardeados
diariamente, de todos os lados e por todos
os motivos. Em fevereiro mesmo O Globo “denunciou”
a existência no PT de um Projeto Impacto,
que serviria como senha básica para tentar levar Lula
à Presidência da República. Tal projeto, tão bem sucedido
às vésperas do 15 de novembro de 1988, segundo
o escriba do doutor Roberto Marinho, consistiria
em provocar novamente, no mês anterior às
eleições (outubro de 1989), algo de grande intensidade
dramática, como os incidentes em Volta Redonda
ou uma greve geral com objetivos de extenso
impacto popular.
Nossa desconfiança de que esse projeto realmente
existia, não no PT, mas sim no quartel-general
paralelo do Império, montado no escritório do advogado
Jorge Serpa, no Rio, confirmou-se na última
quinzena da campanha com a guerra suja, de profunda
intensidade dramática, lançada contra Lula.
64
QUASE LÁ
Na primeira fase, porém, de fim de trégua e reinício
das hostilidades, os ataques se voltaram primeiro
para desenvolver a guerra de nervos e demonstrar
que Lula e o PT eram financiados do exterior. O Estado
de S.Paulo de 26 de fevereiro de 1989, por exemplo,
ao noticiar uma das viagens de Lula ao exterior,
estampa a manchete “Lula está na Europa, atrás de
dinheiro”.
Dois dias depois, O Globo tenta o golpe de misericórdia,
acusando os dirigentes petistas de darem
tratos à bola para fazer entrar no país os recursos
obtidos no exterior e explicar à Justiça Eleitoral sua
origem. O periódico do doutor Marinho chega à sofisticação
de calcular, não se sabe como, que a nova
previsão de gastos da campanha Lula seria de US$
25 milhões, contra a estimativa anterior de US$ 6
milhões. Obter a diferença, segundo a notícia, não
seria o problema dos dirigentes do PT, mas sim como
trazê-la.
Esse tipo de guerra difamatória alcançou um de
seus momentos mais grotescos com a nota que a
colunista Joyce Pascowitch publicou na Folha de
S.Paulo em 31 de março. Ela simplesmente contou
que, logo após aterrissar em São Paulo, voltando do
exterior, Lula teria sido convocado para uma reunião
com empresários que coletam o lixo da cidade.
Eles teriam pedido ao presidenciável que
agilizasse o pagamento dos US$ 30 milhões devidos
pela Prefeitura ao setor; em troca, dariam uma contribuição
de US$ 3 milhões para sua campanha.
Uma semana após, sob a ameaça da direção da
campanha de Lula de processá-la por calúnia e difa65
QUASE LÁ
mação, a colunista viu-se na constrangedora situação
de escrever: “Erramos. O presidenciável Luiz
Inácio Lula da Silva não participou da reunião em
que quatro empreiteiros do lixo em São Paulo decidiram
pedir seu auxílio para obter o pagamento da
dívida que têm com a Prefeitura. A reunião, na primeira
quinzena de março, decidiu enviar um emissário
a Lula, ao contrário do que deu a entender a
nota ‘Coleta de luxo’ publicada quinta-feira passada
nesta coluna”.
Esse foi o jornalismo que, como regra, tivemos de
enfrentar durante toda a campanha. Mesmo quando
nossa pressão conseguia fazer com que retificassem
uma ou outra informação distorcida, sempre havia
um meio de ainda deixar ambigüidades, como a nota
acima. Basta repassar a imprensa desse período, que
foi o inicial, para reunir um extenso dossiê de reportagens
insinuando a descoberta de ações ilegais,
documentos e apostilas sobre adestramento armado,
danificação de equipamentos, falta de atendimento
emergencial à população nos serviços chamados
essenciais em greve, atentados à bomba, ameaça de
atentados, tudo imputado ao PT e à CUT.
Havia ainda o registro de boatos, dando conta de
conversas conspiratórias na área da direita para deixar
Lula ganhar e depois desestabilizá-lo. Ou as desinformações
deliberadas em torno do programa de
governo de Lula, ora taxando-o de liberal, supostamente
objetivando não assustar ao centro, ora qualificando-
o de estatizante ou como algo demagógico,
para ganhar apoio mas não ser aplicado caso a
eleição de Lula se concretizasse.
66
QUASE LÁ
Os ataques mais potentes dessa fase, porém, foram
desfechados contra o apoio às greves de trabalhadores.
Entre março e maio de 1989 foram publicadas
reportagens sucessivas contra o movimento
sindical, Lula e o PT. Primeiro, Lula foi acusado de
fugir da greve geral ao cumprir o roteiro de viagem
ao exterior, há muito planejado. É provável, naquelas
circunstâncias, se houvesse adiado os compromissos
de viagem, que fosse acusado de ter permanecido
no Brasil para estimular a baderna. Aliás, é
o que fez a revista Veja de 29 de março, quando
insinuou que Lula não tinha noção do que estava
dizendo ao considerar as ocupações de empresa boa
forma de os operários conseguirem aumento de ordenados.
Para ela, isso feria o direito de propriedade,
um dos direito constitucionais elementares.
Veja chamava de baderneiras as greves da Mannesmann,
Belgo-Minera e Mafersa, onde os operários
ocuparam as instalações. Porém, viu-se obrigada
a reconhecer que naquelas empresas não foram
danificados quaisquer equipamentos. Assim, em lugar
de ressaltar o fato de que as ocupações visavam
justamente evitar depredação do patrimônio, num
momento em que os patrões endureciam as negociações
e a direta realizava provocações e atentados, a
imprensa, a exemplo de Veja, carregava no tom para
demonstrar a existência de um pretenso clima de
guerrilha.
A maior parte da imprensa usava termos idênticos
para caracterizar a responsabilidade de Lula e
do PT nos movimentos grevistas: “Lula voltou ao ABC
e radicaliza discurso” (Jornal da Tarde, 26 de abril);
67
QUASE LÁ
“nas greves mais importantes desde janeiro, o tom
tem sido dado pelo setores mais radicais do PT” (O
Globo, 7 de maio); “ Lula quer greve longa, de mais
de 60 dias” (Jornal da Tarde, 10 de maio); “escalada
violenta das greves”, “depredações e vandalismo
na Volkswagen apontam para o perigo da radicalização
na onda grevista que percorre todo o país” (Veja,
17 de maio).
A explosão de uma bomba de São João, mais conhecida
como cabeça de negro, nas mãos do bancário
Antonio José dos Santos, em Recife, aumentou a
histeria contra Lula. Tudo era motivo para socavar
sua candidatura. O governo editou a Medida Provisória
no 50, propôs a regulamentação do Estado de
Defesa e autorizou o Estado-Maior do Exército a convocar
as Polícias Militares, alegando a produção de
um oceano de greves, ao ritmo de uma a cada duas
horas. Uma bomba de alto teor explosivo derrubou,
em Volta Redonda, o monumento em homenagem
aos operários mortos durante a invasão da CSN por
tropas do Exército, em novembro de 1988, e Sarney
foi para a sua Conversa ao Pé do Rádio alertar o
país contra o terrorismo.
Parece piada, mas ele considerou que não era possível
que acontecesse “o que aconteceu no Recife,
quando um ativista sindical colocou uma bomba em
um banco particular, o que podia ter causado a morte
de várias pessoas”, o que, aliás, foi considerado
improcedente pela Justiça, que absolveu o bancário.
Quanto aos episódios de Volta Redonda achou,
compungido, serem “lamentáveis”. Ou seja, uma
cabeça de negro era alto terrorismo que podia ma68
QUASE LÁ
tar várias pessoas, mas os 30 kg de explosivos colocados
pela direita no atentado de Volta Redonda – capazes
de não deixar “sequer um vestígio do automóvel
usado no Riocentro”, conforme declaração do perito
Carlos Alberto Maulaz de Sã, da Polícia do Rio de Janeiro
– não passariam de um ato lamentável.
A desproporção entre os casos é evidente para
qualquer leigo. Mesmo assim, isso não impediu que
Gilberto Dimenstein, na Folha de S.Paulo de 16 de
maio, desenvolvesse o mesmo raciocínio absurdo de
que “a bomba do PT é pior do que a do Riocentro”.
Tudo porque o importante para o Império era jogar
sujo e pesado para demonstrar que o PT era o partido
da subversão revolucionária, responsável pelas
greves e atentados e valhacouto de minorias impatrióticas
que, conforme disse a Ordem do Dia dos
ministros militares da época do Dia da Vitória, em 8
de maio, “enganam a classe operária, utilizando o
sagrado direito social – a greve – para intimidar a
sociedade e desarticular os meios de produção, quase
sempre contra a vontade dos trabalhadores que
desejam manter as suas organizações em funcionamento”.
Entretanto, os mesmos órgão de imprensa que
transcreveram as palavras duras dos ministros militares
noticiaram que Vicentinho, presidente do Sindicato
dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo
e militante do PT, fora derrotado na assembléia da
categoria ao defender a aceitação da proposta de aumento
de 45%. Aí, não se viu nem ouviu dos meios
de comunicação nenhuma palavra, nenhum comentário,
nenhuma comparação entre a realidade da
69
QUASE LÁ
insatisfação da esmagadora maioria dos trabalhadores
com a intransigência patronal e a política econômica
do governo, de um lado, e as calúnias, interpretações
mentirosas e distorcidas dos altos escalões
governamentais sobre a ação de Lula e do PT
nas greves, de outro lado.
O que realmente valia era o plano de desestabilização
da candidatura Lula, a pretexto de manter a liberdade
e a ordem. A Folha de S.Paulo de 27 de março,
em editorial, chegou ao cúmulo de cobrar do PT
sua opção pública: ou democracia ou política que
conduz à destruição da democracia. Que moral têm
a Folha de S.Paulo, qualquer órgão de imprensa e a
maioria dos partidos políticos para cobrar do PT uma
opção desse tipo? Por acaso, em algum momento de
sua história de 10 anos, o PT deixou de sustentar
com firmeza a defesa intransigente da democracia?
Ao contrário das diversas hostes do Império, que
exigem democracia nos países socialistas mas não a
praticam no Brasil, o PT tem sido coerente na cobrança
de democracia nos outros países, em particular
nos socialistas, e na sociedade brasileira. Mais
do que isso, o PT é o único partido que não só cobra
dos outros, mas pratica a democracia internamente,
mesmo que isso sirva como pretexto para a tentativa
de ridicularizá-lo como partido de muitas reuniões
e poucas decisões.
Por tudo isso, os ataques à posição do PT e de
Lula diante das greves de trabalhadores foram uma
demonstração cabal de que em nenhum momento
Lula e o PT vacilaram no compromisso democrático
dos trabalhadores de lutarem livremente por suas
70
QUASE LÁ
reivindicações, não só na Polônia, na União Soviética,
na China, mas aqui também. Diante dos ataques
ao movimento sindical, o PT adotou a linha do apoio
irrestrito às greves decididas legitimamente, de denúncia
das provocações e de repúdio às aventuras e
métodos de luta isolados.
O PT não se deixou levar pelas propostas do chamado
pacto anti-terror, patrocinado pela Rede Globo,
em maio, com o apoio de Sarney e Roberto Freire,
por considerar que era um pacto com os próprios
terroristas, que impediria a opinião pública de diferenciar
os verdadeiros responsáveis pela onda de
intranqüilidade que impuseram ao país. Preferiu, ao
contrário, concentrar esforços na denúncia firme dos
atentados terroristas e na articulação de uma campanha
em defesa dos direitos e liberdades políticas,
ao mesmo tempo mobilizando os trabalhadores e o
povo para derrotar a Medida Provisória no 50 e outras
que visavam golpear a democracia.
O Império, porém, não descansava na busca de
novos alvos no PT. Talvez, por essa razão, lendo os
jornais do período de março a junho de 1989, qualquer
leitor medianamente atento terá a impressão
de que praticamente todas as prefeituras brasileiras
– mais de quatro mil – eram governadas por prefeitos
do PT. Nos jornais, nas rádios e nas tevês só apareciam
notícias das prefeituras petistas, na maioria das
vezes induzindo a população a pensar que nessas cidades,
como dizia O Globo de 8 de março, ia-se cumprindo
o temeroso vaticínio de que se transformariam
num espetáculo anti-turístico de imensas cavernas
e túneis inacabados, a exemplo de São Paulo.
71
QUASE LÁ
Nesse mesmo período, o Império dá um exemplo
transparente de sua disposição de utilizar os golpes
mais baixos e sujos, mesmo em grande escala se isso
fosse necessário, para destruir a candidatura Lula e
abrir espaço para que o candidato das elites com
maior chance pudesse se projetar para vencer. No
início de maio, a imprensa deu destaque ao fato de
que Lula tinha uma filha, Lurian, fruto de um romance
com a enfermeira Miriam Cordeiro anterior
a seu casamento atual.
Embora o nome de Lurian constasse das biografias
de Lula, nisso incluída a existente no Congresso
e a publicada pela coordenação da campanha, a maior
parte da imprensa simplesmente ignorou esse fato
e procurou de todas as formas criar a impressão sensacionalista
de que Lula havia se negado a reconhecer
a filha por longo tempo. O candidato Paulo Maluf
– como na Máfia, há sempre alguém do Império encarregado
de fazer algum tipo de trabalho sujo –
por diversas vezes durante a campanha repetiu a
versão caluniosa, apesar de o deputado Roberto Freire,
candidato do PCB, afirmar para quem quisesse
ouvir que mais de dois anos antes sabia publicamente
da existência de Lurian. O problema é que os órgãos
de comunicação do Império não tinham interesse
em ouvir isso. O que importava eram as declarações
de Miriam Cordeiro acusando Lula de “não
dar à filha uma pensão mensal à altura dos rendimentos
que recebe”, mais uma vez apesar das declarações
em contrário da mãe e da irmã da própria
Miriam, as pessoas que realmente criaram Lurian.
Tal insistência dos grandes meios de comunica72
QUASE LÁ
ção nesse assunto, às vezes fazendo-os descambar
para um tipo de imprensa que normalmente chamamos
de marrom (por coincidência o ex-candidato
Marronzinho é o tipo mais característico dessa linha
de imprensa), não passou despercebida a José
Cavalcanti Filho, articulista da Folha de S.Paulo, que
em sua matéria de 4 de maio lamentou que Lula tivesse
se tornado vítima desse “sensacionalismo que
em nome da liberdade de imprensa espalha ao vento
sentimentos, relacionamentos afetivos, questões que
sequer remotamente se referem a sua ação política”.
Porém, nem de longe essas tramas e golpes sujos
se comparam aos empregados no final da campanha.
Foram somente os primeiros indícios das “baixarias”
que se tornaram marca registrada do Império
e do candidato que se credenciou a representálo
no segundo turno, marca que colocou à mostra a
verdadeira natureza da candidatura Collor e o que o
Brasil deveria esperar dele caso fosse eleito.
3. Collor: uma estratégia de combate
A ofensiva de desestabilização do Império contra
a candidatura Lula coincide, no tempo, com a definição
das demais candidaturas. Os violentos ataques
contra o PT e seu candidato o empurraram para o
fundo do poço das preferências eleitorais, abriram
espaço para que outros candidatos das elites despontassem
e alimentaram a esperança de que a disputa
final ocorresse entre dois candidatos das próprias
elites, enterrando as possibilidades de uma
alternativa de esquerda.
73
QUASE LÁ
Entretanto, com mais rapidez do que a queda de
Lula, Fernando Collor de Mello dava um salto espetacular
nas preferências eleitorais. No início de fevereiro
ainda aparecia com 5% das intenções de voto.
No fim de março passou para 9%, no final de abril
estava com 20% e a 2 de maio pulou para 32%. Em
junho alcançava mais de 40% e em agosto o Instituto
Gallup divulgou que o candidato do PRN tinha
45% das preferências. A impressão de que poderia
vencer com mais de 50% dos votos no primeiro turno
parecia próxima de concretizar-se.
Collor aparecia, assim, como uma verdadeira nave
de combate do Império, credenciando-se para enfrentar
e derrotar em grande estilo as candidaturas
de esquerda. Mas a aceitação desse fato não foi tranqüila,
nem à direita nem à esquerda.
Embora Collor pertencesse a uma antiga família
das elites, proprietária, em Alagoas, da TV Gazeta
(associada da Rede Globo), de 13 emissoras de rádio
e do jornal Gazeta de Alagoas, a direita não o
levava a sério e desconfiava dele. Em grande medida
Collor alimentava essa desconfiança ao recusar,
embora apenas de público, o apoio dos empresários
e dos militares, ao chamar o general Ivan de Souza,
chefe do SNI, de “generaleco de um serviço falido”
e ao condenar as elites pela situação em que estava
mergulhado o país.
Quando afirmava que sua candidatura aterrorizava
tanto a direita, por ser independente em relação
aos segmentos conservadores, quanto a esquerda,
por praticar o discurso dela, ele estava exercitando
aspectos importantes de sua estratégia diversionista,
74
QUASE LÁ
na qual a negação do apoio dos empresários e dos
militares, o moralismo, a caça aos marajás e corruptos
e o combate aos políticos e a Sarney constituíam
as vigas mestras.
Somente atacando os empresários e Sarney poderia
Collor encarnar o sentimento de indignação da
população brasileira, que deveria ver nele, conforme
declarou ao Jornal do Brasil de 14 de maio, alguém
que vai em seu nome à desforra, que vai restaurar
a dignidade e resgatar a honradez, o caráter
e a vergonha. Contraditoriamente, para sustentar
sua campanha de estilo empresarial, Collor precisava
do suporte dessas elites que atacava e repudiava.
A costura desses apoios, em especial dos poderosos
grupos econômicos formados por banqueiros, latifundiários,
grupos agroindustriais e grandes empresários
do setor de comunicação de massa, que preferiam
ficar na sombra, foi fundamental para que
pudesse manter-se à frente da disputa eleitoral a partir
do momento em que o quadro das candidaturas
se definiu.
À esquerda, a maioria dos petistas e demais militantes
da Frente Brasil Popular esperava que Collor
despencasse nas pesquisas na medida em que fosse
obrigado a participar dos debates e a verdadeira natureza
de sua candidatura viesse à luz. Ainda em
setembro, na reunião do Diretório Nacional do PT,
os companheiros do Rio Grande do Sul destacavam
a necessidade do combate intransigente a Brizola.
Achavam que Collor estava em queda livre, abrindo
novos horizontes na campanha e uma tendência à
redistribuição dos votos. Pensavam que o Império
75
QUASE LÁ
procurava um candidato mais confiável e que o PT
deveria ter postura clara de ataque a Brizola.
Como os companheiros de Minas Gerais estavam
meio alarmados com a subida de Afif e o deslocamento
para ele dos votos de Collor, a onda para bater
em Brizola como adversário principal subiu muito
e até ameaçou inundar a campanha. No final,
porém, prevaleceu a opinião de que Collor, apesar
da queda que experimentava então, ainda era o adversário
contra quem o PT deveria polarizar prioritariamente.
Essas dificuldades foram, de certo modo, compreensíveis.
Realmente, em setembro, Collor entrou em
queda acentuada, voltando aos 32% das preferências
que havia alcançado em maio. Isso levou muita gente
que havia collorido a debandar. Na ocasião, o próprio
Collor revelou haver sido vítima de pelo menos
seis manobras destinadas a prejudicar sua campanha.
Duas sob responsabilidade do doutor Roberto
Marinho (será verdade?) e de Jorge Serpa (outra vez
o estado-maior paralelo!), que tentaram promover
Covas após o discurso propondo o choque de capitalismo
e estavam por trás da ascensão de Afif; três
sob a batuta do incompetente Sarney, que tentara
transformar Jânio Quadros, Oscar Dias Corrêa e
Antonio Ermírio de Moraes em candidatos; e uma
por conta da FIESP, que teria direcionado os recursos
do empresariado paulista para Maluf.
Era natural, assim, com o Império tentando jogar
com mais de um candidato, que tivéssemos dificuldades
em detectar com mais clareza o peso e a força
de cada um dos grupos econômicos e sociais que
76
QUASE LÁ
estavam por trás dos candidatos. No caso de Collor,
para piorar, nós o desprezamos por um longo tempo,
considerando-o simples marionete da Rede Globo, e
desprezamos também a necessidade de analisar com
mais acuidade os grupos que o sustentavam, a força
que representavam e sua estratégia geral.
Apesar disso, havia clareza de que Collor tinha
como público alvo de sua ação eleitoral as camadas
de baixa renda, sem instrução, desempregadas ou
semi-empregadas, socialmente desorganizada, assim
como as classes médias baixas, todas moradoras nas
periferias dos centros urbanos e nas pequenas cidades
do interior, englobando mais de 70% do eleitorado
brasileiro. Collor jogava com o imaginário despolitizado
dessa população, que procurava um herói
que encarnasse a oposição a tudo que a irritava:
marajás, funcionários públicos, Sarney, “classe política”,
partidos, ricos, elites.
Muito acertadamente ele não se preocupava em
ganhar o apoio dos ricos e da classe média abastada
e se jogava contra todas as manobras que significassem
liquidar a possibilidade de uma disputa polarizada
no turno final. Ainda a 27 de março, no Diário
Popular, apostava numa polarização entre ele e Lula,
quando esperava sair vitorioso porque as mudanças
no Brasil não poderiam, segundo ele, ser feitas com
os “métodos violentos” propostos pelo candidato do
PT. A polarização e o medo desses métodos violentos
que Lula nunca sugeriu eram as armas com que
Collor contava para fazer com que os setores das
elites, que não confiavam ou não simpatizavam com
sua candidatura, votassem nele no segundo turno
77
QUASE LÁ
em oposição à esquerda, por falta de alternativas.
Para alcançar esse objetivo, a estratégia de Collor
sofreu quatro inflexões durante toda a campanha.
No período anterior ao programa gratuito de tevê e
rádio, sempre embasado nas constantes pesquisas
do Instituto Vox Populi, seu discurso enfatizou o combate
aos marajás, aos políticos e a Sarney. Dissimulava
com maestria a natureza marajá e política de sua
candidatura e procurava tornar-se intérprete do ressentimento
dos marginalizados e desfavorecidos, indignados
com a situação vigente, com as impunidades
e as injustiças. Como apontou o professor Faoro,
ele construía uma polaridade o povo e eu, eu e o povo,
para negar os desacreditados partidos. E, como conseqüência,
encarnar o herói nacional. Essa opção
estratégica levou-o a uma subida consistente nas
pesquisas eleitorais.
Ao ter início o horário gratuito, Collor aplicou
uma outra variante, com o objetivo de ganhar as classes
médias intelectualizadas. Procurou acentuar suas
propostas de governo, mas a inconsistência delas e
sua falsa embalagem – hoje se sabe que essa percepção
era verdadeira – fez com que iniciasse um processo
de descenso, seja porque os setores médios
visados não acreditavam nele, seja porque à população
despolitizada não interessam propostas daquele
tipo, a maioria incompreensível. Ou, ainda, porque
a população começou a ver velhos caciques apoiando
o candidato que afirmava desprezá-los.
Só com a manobra envolvendo a candidatura Sílvio
Santos, que parecia devastadora para Collor, ele
retoma sua variante inicial de ataques. Desanca
78
QUASE LÁ
Sarney e parte para o confronto com seus concorrentes
na faixa da direita, em especial com Afif, para
estancar a sangria que estava sofrendo e parar a queda,
o que finalmente conseguiu, chegando à apuração
do primeiro turno com 20 milhões de votos, ou
29% do total.
No segundo turno, para colocar-se à altura do programa
da Frente Brasil Popular, Collor tentou retornar
à estratégia das propostas e promessas aparentemente
viáveis e passar a imagem de estadista e
vencedor, o candidato dos 20 milhões de votos (qualquer
semelhança com Cyborg, o homem de US$ 6
milhões, é mera coincidência). Ao mesmo tempo,
mantém o sistema de comícios simbólicos que lhe
propiciava visitas rápidas a grande número de pequenas
cidades. Essa estratégia, porém, deixa-o na
defensiva, tendo em vista a maior consistência do
programa e das propostas de governo de Lula, o crescimento
dos comícios da Frente e a aglutinação de
inúmeras forças progressistas em torno da candidatura
Lula. Isso se reflete no primeiro debate em que
se vê frente a frente com Lula e no estancamento de
seus índices de preferência eleitoral.
Collor se vê, além disso, confrontado com a subida
de Lula, que o ameaça seriamente. Nesse momento,
ele é obrigado, mais uma vez, a realizar uma
inflexão estratégica, numa das operações mais obscuras
de sua campanha. Tudo indica que o quartel
general paralelo do Império, montado no escritório
da Candelária do advogado Jorge Serpa, no Rio de
Janeiro, que já vinha realizando uma série considerável
de operações sujas, impõe ao comando oficial,
79
QUASE LÁ
como principal, a linha dos boatos, mentiras e intrigas,
identificando Lula e o PT com greve, baderna,
luta armada, comunismo, estatização e calote, enquanto
identificava a Collor como o combatente da
resistência a tudo isso.
Qualquer que tenha sido o estado-maior a tomar
essa decisão, não há dúvida de que o ex-governador
de Alagoas a aplicou com afinco, explorando os medos
que as classes médias e os setores despolitizados
de baixa renda nutriam em relação aqueles símbolos.
Já então com o apoio explícito de todos os principais
segmentos do Império, ele armou em seqüência
as principais armadilhas para vencer o adversário
à custa de qualquer coisa que fosse necessária.
O suborno e a utilização de Miriam Cordeiro, a entrevista
no Programa Ferreira Neto e sua utilização
no horário gratuito, a estratégia da repetição cínica
de mentiras, mentiras e mais mentiras, a montagem
que a TV Globo fez dos piores momentos de
Lula e melhores momentos de Collor no segundo
debate e a utilização, mesmo parcial, do seqüestro
do empresário Abílio Diniz – tudo isso, e muito mais,
fez parte do arsenal utilizado pelo Império e por
Collor para derrubar o adversário Lula.
Está mais uma vez certo o professor Faoro quando
diz que o povo de Collor não é o povo organizado,
mas o povo como agregado ocasional que lhe permita
construir uma autocracia eletiva. Acrescente-se a
isso o terrorismo psicológico, a mentira, a violência e
o marketing político e teremos as características inerentes
a Collor e ao grupo que o sustenta. Qualquer
semelhança com a história da década de 30 e primei80
QUASE LÁ
ra metade da década de 40 na Alemanha e Itália é,
mais uma vez, espera-se, mera coincidência.
4. No fundo do poço
Em maio, a sorte da candidatura Lula parecia selada.
Depois de haver alcançado os 16% das preferências
eleitorais nas pesquisas do início do ano, em
maio despencara para 8% e continuava em queda.
Mais adiante alguns institutos de pesquisa chegaram
a apontar 4,5% de intenção de votos para Lula,
enquanto Brizola continuava estacionário nos 13%
e Collor atingira mais de 40%. A ofensiva do Império,
desqualificando as administrações petistas, relacionando
greves e baderna, e baderna ao futuro
caso Lula chegasse ao governo, e empregando variados
golpes sujos, parecia haver dado certo.
Diante desse quadro a direção do PT avaliou que
a candidatura Lula havia se beneficiado, no início
do ano, de vários fatores favoráveis. A vitória eleitoral
do PT em diversos municípios importantes, o
desgaste do governo Sarney, o agravamento da crise
econômica, a indefinição do PMDB e de outros partidos,
com ausência de uma candidatura única de
centro-direita, refletindo as divisões nas hostes do
Império, tudo isso permitira o avanço do PT na construção
de uma coligação em torno da candidatura
popular e tornara possível a Lula ocupar um razoável
espaço na mídia.
Entretanto, paralelamente a esses fatores favoráveis,
haviam persistido fatores negativos entre nós.
O comitê político da campanha, que deveria respon81
QUASE LÁ
sabilizar-se pelas decisões políticas mais gerais, não
conseguia manter uma continuidade em seu trabalho.
As principais lideranças partidárias que compunham
o comitê estavam envolvidas nas atividades
das constituintes estaduais, ou diretamente com os
movimentos sociais, ou ainda no processo de preparação
e realização dos encontros ou convenções dos
diretórios municipais e estaduais do partido. A sobrecarga
de trabalho dos dirigentes, já nessa época,
era geral. Por essa mesma razão, a coordenação
operativa da campanha, que deveria montar a infraestrutura
e coordenar a execução prática das decisões
políticas, continuava desestruturada e nem
mesmo possuía sede até maio. Faltavam recursos
humanos e financeiros e a militância não se engajara.
Dessa maneira, ainda por cima subestimando a burguesia
e suas campanhas contra nós, não fomos capazes
de suportar a ofensiva geral desencadeada,
iniciando-se a queda livre da candidatura.
Nessas condições, também, as críticas à coordenação
nacional da campanha tornaram-se ácidas. Na
reunião de junho com os coordenadores estaduais,
alguns criticaram a ausência de Lula nos movimentos
sociais e na greve geral, imputando a isso a queda.
Outros apontavam ambigüidade na candidatura,
já que até o momento não se sabia se ela era do PT
ou da Frente Brasil Popular, levando a paralisação
da campanha. Os companheiros de Alagoas, em particular,
criticaram a direção nacional por não levar
em conta a avaliação que tinham sobre Collor, nem
as recomendações que haviam feito para ter cuidado
com o tipo de denúncia a fazer contra ele, o que
82
QUASE LÁ
poderia transformá-lo em vítima capaz de capitalizar
a solidariedade dos eleitores.
Foi, para falar menos, uma reunião dura, mas decisiva
para empreender as correções que o processo
organizativo demandava. Mesmo assim, quando setembro
chegou a candidatura ainda ia mal. Persistiam
dificuldades em mobilizar o partido, a militância
não se recuperara dos golpes desfechados contra
nós e não se engajara como devia na campanha.
Tão sério quanto isso era o fato de que havíamos
perdido para Collor a faixa do eleitorado despolitizado,
assim como a bandeira da moralização. Freire
conquistara espaços na juventude e na intelectualidade
às nossas custas e Brizola pregava o voto útil a
seu favor para enfrentar o candidato da direita.
Nessa situação, o PT e sua candidatura patinavam
no fundo do poço.
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QUASE LÁ