.

Nosso objetivo não é engrandecer um homem, o Presidente Lula, mas homenagear, como brasileiro que ama esta terra e esta gente, o que este homem tem provado, em pouco tempo, depois de tanto preconceito e perseguição ideológica, do que somos capazes diante de nós mesmos, e do mundo, e que não sabíamos, e não vivíamos isto, por incompetência ou fraude de tudo e todos que nos governaram até aqui. Não engrandecemos um homem, mas o que ele pagou e tem pago, para provar do que somos.

.

Yahoo . Terra .. Uol . Msn . Ig . Globo . Folha ... Estado . JB . aTarde . CartaMaior .. Fórum . Veja .. BlogPlanalto Blog

PSDB . Dem // PT . PCdoB . PSB . PMDB . Amigos . Desabafo . Brasil . Bahia . BraLu . . Oni . Novo . Nord

Alê .. Edu .. Azenha .. Nassif .. PHA .. Dirceu .. Favre .. Mino .. Mello .. Miro .. Entre .. MST .. Gadelha .. Kupfer .. Kenedy .. Eliane


terça-feira, 10 de novembro de 2009

Eleições de 1989 - Wladimir Pomar

.(Clik no item buscado, quando vermelho use o Ctrl+F para encontrar na página)

Justificando

a aventura de contar

Um frio na espinha

1. Um sonho irreal

2. O susto dos raivosos

3. O susto dos nossos

4. Vontade e realidade

Descrenças e fatos

1. Uma longa história

2. Desmentidos pelos fatos

3. Esmagando as esperanças

4. Falência de um projeto

5. As estrelas contestadoras

Estratégia para ganhar

1. Momento favorável

2. O PT faz alianças, quem diria?

3. Um programa das maiorias

O Império não perdoa

1. Interesses divididos

2. O fim da trégua

3. Collor: uma estratégia de combate

4. No fundo do poço

.

.

.

Índice

Virando o jogo

1. Final de novela

2. Contra-ofensiva massiva

3. Vitória

4. Mídia, uma nave do Império

Armas desiguais

1. Compensando as fraquezas

2. Um episódio de audácia

3. Atrasados para a nova rodada

O Brasil já não é o mesmo

1. O Império joga sujo

2. As reservas estratégicas

3. Nem todos despertaram

4. Mitos derrubados

5. O choro do sonho desfeito

6. Um doce sabor de vitória

Créditos

Anexo

Sobre o autor

.


.

WLADIMIR POMAR

QUASE LÁ

Lula, o susto das elites

Em memória de Maurício Nabor Meirelles,

companheiro generoso que contribuiu

com a sua garra e seu talento

para a beleza da campanha.

3a edição

São Paulo, 2009

Copyright©

Wladimir Ventura Torres Pomar

Produção e revisão dos originais da 1a edição

Marcos Soares

Coordenação editorial

Valter Pomar

Capa

Isabel Carballo

Projeto gráfico

Cláudio Gonzalez

Diagramação

Sandra Luiz Alves

1a edição: junho de 1990

2a edição: junho de 1990

3a edição: novembro de 2009

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro pode ser

reproduzida, sob qualquer forma, sem prévia autorização.

Em primeiro lugar, dedico este livro ao

companheiro Lula, responsável maior pela

oportunidade de escrevê-lo. Mas quero dedicá-lo

também aos milhares e milhares de

companheiros anônimos, inclusive àqueles que

trabalharam no comitê nacional e nos comitês

estaduais e municipais da campanha, que

deram o melhor do que tinham para

transformá-la na maior mobilização popular

que o Brasil já conheceu. Eles não deram

entrevistas, em geral não foram notícia, nem

tiveram sua imagem transmitida pela tevê. Sem

eles, porém, não teríamos chegado quase lá.

.

.

.

Justificando a

aventura de contar

Como coordenador nacional da campanha Lula

Presidente, tive a oportunidade de participar da mais

séria e prolongada batalha que as classes trabalhadoras

brasileiras já tiveram condições de travar pela

conquista do poder.

É muito provável que, passado bastante tempo dos

resultados finais das eleições de 1989, grande parte

dos que se empenharam para que Lula fosse vitorioso

não se tenha dado conta das implicações da campanha

e de suas conseqüências para a sociedade em

que vivemos. Nem sempre é possível perceber as dimensões

do que estava em disputa, ou o verdadeiro

pânico que tomou conta das elites ao entenderem,

subitamente, que o metalúrgico barbudo poderia

tornar-se Presidente. E, embora haja uma certa consciência

da desigualdade das forças empenhadas no

combate, nem os melhores analistas conseguem

chegar perto da verdadeira desproporção de recursos

e meios entre as duas principais candidaturas.

Apesar de tudo, porém, Lula quase chegou lá.

Fazendo das fraquezas força e potenciando ao máxi

mo seus pontos fortes, desmentiu as previsões de

cientistas e analistas políticos, rompeu a barreira

histórica dos 10% do eleitorado a que tradicionalmente

estava confinada a esquerda brasileira em

seus melhores momentos e, pela primeira vez em

toda a história deste país, ameaçou o secular domínio

exercido sobre a vida do Brasil pelos donos do

dinheiro, das terras, da produção e do saber.

Vivi cada minuto dessa batalha de uma posição

relativamente privilegiada. É por isso que me aventuro

a contar um pouco do que presenciei, para que

muitas das experiências das quais participamos no

curso da campanha, positivas ou negativas, não se

percam no tempo. Mesmo porque essa não foi a primeira,

nem será a última luta em que os trabalhadores

se empenham para conquistar uma nova sociedade.

Assim, algumas das coisas que aqui vão escritas

podem ser úteis para o futuro.

Para facilitar a leitura, adoto neste texto o método da transcrição

livre, sem aspas (a não ser em casos polêmicos), dos

trechos utilizados, indicando sempre a fonte e a data.

.

.

.

.

.

Um frio na espinha

1. Um sonho irreal

O Brasil é dominado, há séculos, por um Império

de potentados. Com o passar do tempo, mudaram

as vestimentas e os paramentos, modificaram-se as

formas de dominação. Mas a dominação mesma, essa

se manteve intocada e jamais ameaçada seriamente.

Talvez por isso tenha se sedimentado nesse Império

a arrogância dos que sempre vencem. Acostumaram-

se a desprezar os dominados e os vencidos,

subestimando suas lutas e projetos.

Talvez também por isso, ainda por cima respaldado

nas análises de renomados analistas políticos, o

Império nunca tenha levado a sério a possibilidade

de o metalúrgico Luiz Inácio, o Lula, chegar ao segundo

turno das eleições presidenciais e ameaçar, o

que é pior, o candidato que se tornou o preferido do

Império.

Em março de 1989, a revista Veja vaticinava que,

mesmo nas eleições de 1988 – quando o PT e o PDT

confeccionaram a mais larga votação que qualquer

A eleição é um longo e doloroso

aprendizado, aprendizado para a

democracia, caminho também, nessa

nossa América invertebrada, para o

purgatório. Houve também casos

em que ela levou ao inferno.

Raymundo Faoro, IstoÉ Senhor,

27 de dezembro de 1989

sigla de esquerda jamais obteve na história das eleições

brasileiras –, a maior parte do eleitorado foi às

urnas dar seu apoio a candidatos conservadores.

Dessa maneira, no momento em que Lula aparecia

bem nas pesquisas de preferência eleitoral, Veja procurava

tranqüilizar o governador Newton Cardoso

(PMDB), de Minas Gerais, para quem uma possível

vitória do líder do PT causaria o caos a ser evitado a

qualquer custo.

Na mesma linha raciocinava Armando Falcão, o

antigo serviçal do regime militar, ex-ministro da

Justiça de Geisel, que costumeiramente nada tinha

a declarar quando os jornalistas lhe perguntavam

alguma coisa. Para ele, a nação não iria optar por

um analfabeto, do mesmo modo que a Folha de

S.Paulo, em novembro de 1988, considerava que ao

candidato a Presidente pelo PT faltava expressão

nacional. Carlos Castello Branco, em sua tradicional

coluna no Jornal do Brasil, apontava em março

que a eleição de Lula continuava a ser uma previsão

precipitada, enquanto Ricardo Fiúza, líder do PFL,

augurava que Collor poderia levar já no primeiro

turno.

E Julio Cesar Ribeiro, da Talent, uma empresa de

marketing, lembrava na Folha de S.Paulo, em abril,

que Lula não tinha chances por ter contra si o fato

de ser de esquerda e lutar contra o conservadorismo

do Brasil. Assim, com raras exceções, os cientistas

e analistas políticos supunham que o candidato

da Frente Brasil Popular jamais ultrapassaria generosos

12% das preferências e votos. Praticamente

toda a imprensa alimentava seu fracasso e, ao emba

lo das pesquisas de opinião, afundava no sonho de

ver Lula eliminado na primeira rodada eleitoral.

Esse sonho virou quase certeza entre maio e setembro

de 1989, período em que o candidato petista

alcançou os mais baixos índices de preferência eleitoral.

Mesmo durante a fase dos grandes comícios,

em outubro, os jornalistas que cobriam a campanha

da Frente Brasil Popular ouviam com um toque de

descrença as previsões que fazíamos sobre seu crescimento.

A revista Veja de 22 de novembro relembra

que os pronunciamentos de Lula aos repórteres que

o acompanhavam pelo país, confiante de que estaria

no segundo turno, chegavam a provocar risadas na

maioria deles.

Entretanto, ao contrário de todas as descrenças,

o operário venceu inimigos e aliados bons de voto e

mostrou que era irreal o sonho de vê-lo batido desde

o início. Abriu um horizonte novo para sua classe

aos transformar-se no primeiro trabalhador com possibilidades

de chegar a Presidente da República do

Brasil.

2. O susto dos raivosos

É verdade que alguns analistas mais sensatos haviam

avisado ao Império os perigos que corria. Ney

Lima Figueiredo, expert em marketing político e

conhecido consultor da Febraban, sinalizava, no O

Estado de S.Paulo, que a disputa presidencial iria

ser uma leitura do estado de espírito do povo. Avisara

que se a inflação explodisse, se a corrupção continuasse

grassando, se os empresários continuassem

sem entender a gravidade da situação, a autoridade

pública ficasse comprometida e os políticos do centro

não abrissem mão de seus projetos pessoais, seria

certo dar Lula ou Brizola na cabeça.

O doutor Roberto Marinho, o todo-poderoso dono

da Rede Globo, também não nutrira qualquer ilusão.

Desde abril empenhara sua palavra numa grave

convocação às elites, achando que ainda havia tempo

para reverter o quadro a favor do Império. Em

nome do que chamou de maioria da população não

representada na arena política, cobrou dos líderes

do PMDB e do PFL, isto é, dos responsáveis pela Nova

República e pela transição conservadora, uma proposta

séria e consistente que se materializasse numa

candidatura de consenso, intérprete da vontade daquela

chamada maioria. O doutor Marinho, como

todo bom burguês, gostaria de falar por toda sociedade.

Porém, diante da realidade, contentava-se em

chamar às falas os principais representantes políticos

de sua classe em nome de uma suposta maioria.

O poderoso chefão da Globo exigia, em editorial,

um candidato de renovação, que não se enredasse

em manchas e combinações inaceitáveis, que não fugisse

dos temas controversos nem usasse de subterfúgios

como sabedoria política e que possuísse uma

abordagem moderna e otimista dos problemas brasileiros,

devolvendo à nação o direito de sonhar com o

futuro. Mais do que tudo, o doutor Marinho queria

que esse candidato evitasse ao povo brasileiro a obrigação

de escolher entre o que chamava de projeto

caudilhesco-populista (leia-se Brizola) e um outro

sectário e meramente contestatório (leia-se Lula).

Na época em que publicou esse editorial em O

Globo, o doutor Marinho sonhava com a candidatura

de Quércia. Mas independentemente disso, tinha

claro que o centro de seu ataque deveriam ser as

candidaturas de esquerda. Seu susto era tão vero

que enviou ordens à sucursal da Rede Globo em Nova

Iorque para não cobrir a visita de Lula aos Estados

Unidos. Onde, porém, o susto dos raivosos se mostrou

com maior desfaçatez, ainda nesse período de

descrenças, foi em Paulo Francis. Para ele, verborrágico

articulista da Folha de S.Paulo e comentarista

da Rede Globo, Lula não seria eleito simplesmente

por ser pobre, já que pobre em geral não vota em

pobre. Não deixava por menos: se essa sua previsão

sociológica de botequim furasse e Lula fosse eleito,

então haveria golpe militar. Finalmente, como jogador

de bicho que cerca o peru por todos os lados,

vaticinava que se não houvesse golpe militar, então

haveria guerra civil após a posse (Folha de S.Paulo, 6

de maio).

Isso que era susto vira paranóia com os resultados

do primeiro turno. Formam-se três grandes grupos

assustados e raivosos nas hostes do Império. Primeiro,

o dos apavorados, que consideravam a vitória

de Lula a completa quebra de autoridade, a porta

aberta para invasões e desapropriações arbitrárias,

o fim da democracia (da sua, é claro!) e a marcha

batida para a posse coletiva das propriedades. Nesse

grupo despontam Mário Amato, presidente da Fiesp,

que ameaça abandonar o Brasil juntamente com 800

mil empresários, levando suas fortunas e capitais, e

o tristemente famoso general Newton Cruz (aquele

do caso Baumgarten), que abre o jogo e afirma já

estar conspirando para desestabilizar o governo, caso

Lula vença.

O segundo grupo foi o dos atacados da síndrome

do populismo, que previam na eleição de Lula aumentos

salariais por decreto, congelamento de preços e

cadeia para empresários a título de exemplo. Ironia

ou não, com o governo Collor devem ter se submetido

a tratamento intensivo para entender de onde veio

o plano de estabilização econômica. O terceiro grupo

era dos que sofriam da síndrome de obscurantismo,

esperando da vitória lulista o confronto e não a negociação

externa, a renegociação compulsória da dívida

interna, a manutenção das reservas de mercado

cartoriais, o acobertamento do inchaço de pessoal do

governo, o choque heterodoxo com descaso pelo déficit

público e o fim das privatizações com o alargamento

das vantagens para as estatais.

Um metalúrgico na Presidência da República,

como indicavam as tendências eleitorais, era uma

perspectiva além de todas as contas e paranóias. O

Conselho Superior de Orientação Política da Fiesp,

outros agrupamentos de empresários, os mais altos

e os mais baixos escalões do Império e a imprensa,

que a todos representa, abriram as baterias, sem piedade,

na mais estridente, facciosa, suja e caluniosa

campanha a que já se assistiu na história dos meios

de comunicação no Brasil.

Paulo Francis novamente deu o tom, chamando Lula

de “besta quadrada” na edição da Folha de S.Paulo de

23 de novembro. Na mesma data, O Estado de S.Paulo,

tão cioso em buscar qualquer desvio legal nos desafe

tos, não faz qualquer comentário sobre crime eleitoral

ao noticiar uma campanha de 27 grandes empresas

comerciais contra Lula e seu programa de governo.

O PT é acusado de pretender submeter a economia

aos ditames da ideologia, de causar a explosão

do dólar, dos juros e da inflação, assim como a queda

das bolsas de valores. Os grandes jornais se lançam

numa cruzada para demonstrar que Lula é um lobo

em pele de cordeiro, um extremista, retrógrado, o

caos, que tem ódio do Brasil e fome de poder. O manifesto

da seita Tradição, Família e Propriedade (TFP),

publicado na Folha de S.Paulo de 29 de novembro,

parece coisa de criança se comparado ao terrorismo

psicológico montado pelos meios de comunicação

sobre os riscos de Lula tornar-se presidente desta terra

descoberta por Cabral.

A histeria tomou conta do Império. Do sonho irreal

da descrença nas possibilidades de Lula passam

para o pesadelo e começam a acreditar nas próprias

alucinações. As invenções assacadas contra Lula pelo

medíocre candidato do PTB, Affonso Camargo, ainda

em maio, acusando-o de partir para a radicalização,

a violência e o quebra-quebra, ganham foros de

veracidade, são repetidas sem parar por todos os que

se agregaram, na sombra ou abertamente, à candidatura

do Império no segundo turno. A opinião pública

foi intoxicada por uma ofensiva permanente

de intrigas e mentiras que jogaram no monturo qualquer

veleidade ética.

O susto dos raivosos fez com que perdessem qualquer

escrúpulo. A partir daí, Collor transformou-se

no candidato ideal do Império.

3. O susto dos nossos

Mas não foram só os raivosos que se assustaram

com a possibilidade de Lula chegar à Presidência.

Os nossos também, quando simplesmente não descriam

de que ele pudesse ter chances de ser eleito.

Caetano Veloso, na revista IstoÉ Senhor de 28 de

junho, acreditava difícil a vitória de Lula, enquanto

o deputado Maurílio Ferreira Lima, do PMDB pernambucano,

que teve uma participação vigorosa na

campanha da Frente Brasil Popular, dizia ao Jornal

de Brasília, em maio, que o candidato do PT não

teria mais do que 10% a 11% do eleitorado nacional.

Esse tipo de descrença influenciou, durante a campanha,

muita gente boa. Mas não foi, sem dúvida, o

que assustou aos nossos.

Estes perguntavam aos íntimos: e se Lula ganhar,

como vai ser? Partiam do pressuposto de que o PT

não sabia fazer aliança (apesar da existência da Frente

Brasil Popular). E de que, no fundo, o PT era sectário

e exclusivista (apesar do vice de outro partido),

não tendo jogo de cintura nem gente competente

em quantidade para governar. Apesar dos técnicos

e intelectuais de primeiro time que estavam

nos grupos de trabalho, tinham medo de que o governo

Lula não fosse capaz de resolver o problema

da governabilidade. Muito chegavam a exprimir abertamente

a idéia de que o PT era muito bom na oposição,

mas tinham dúvidas quanto a ter a mesma

performance no governo.

É engraçado como os argumentos dos representantes

letrados e iletrados das elites penetram fun

do. Como se pode acreditar, depois de tantos governos

calamitosos dirigidos pelos potentados do Império,

que estes têm capacidade para governar e os

trabalhadores não? Sem querer, esses argumentos

são assimilados a tal ponto que muitos daqueles que

apoiavam Lula acreditaram nas jogadas armadas

contra o candidato do PT e da Frente Brasil Popular

e se assustaram com a possibilidade de serem verdadeiras

as acusações.

Quantos não acreditaram que a subida do dólar e

dos juros se devia realmente ao crescimento de Lula

nas pesquisas? Quantos não se convenceram de que

Lula no governo iria mesmo estatizar tudo? E quantos

não desistiram de votar no candidato-trabalhador por

crer que ele iria dar o calote na poupança ou tirar a

terra dos pequenos proprietários?

Não foram poucos os que se deixaram abalar pelas

acusações levianas de que o senador Bisol, vice

da chapa de Lula, seria corrupto. E uma faixa considerável

da classe média acabou aceitando a acusação

de que o PT era composto por um bando de

patrulheiros que não dava liberdade a ninguém. O

incidente com a atriz Marília Pêra, ocorrido no dia

12 de setembro, durante a passeata que se deslocou

da Praça da Sé para a Avenida Paulista, em São Paulo,

talvez seja o que melhor ilustra essa situação. Ao

passar em frente ao teatro em que aquela atriz representava

uma peça, na Avenida Brigadeiro Luís

Antônio, a multidão vaiou e expressou em palavras

sua discordância com a escolha eleitoral feita por

ela. Isso serviu para uma campanha orquestrada, em

que aquela multidão foi acusada de agredir a atriz e

de realizar patrulhamento ideológico e político contra

os adversários.

Inúmeros editoriais, matérias pagas e noticiários

alimentaram durante dias e dias a onda de solidariedade

à artista. Mesmo alguns intelectuais e artistas

comprometidos com a candidatura Lula sentiramse

na obrigação de vir a público condenar a “violência”

contra Marília Pêra e exigir que os petistas se

comportassem com civilidade. Nem se deram conta

de que o incidente servira somente como pretexto

para introduzir uma cunha no setor artístico e intelectual,

sem dúvida onde a candidatura Lula estava

solidamente enraizada, pelas propostas democráticas

e participativas que apresentava para a cultura. E,

bem vistas as coisas, foram justamente os artistas e

intelectuais que apoiavam Lula que passaram a ser

patrulhados pela maciça campanha na imprensa.

O que aconteceu na realidade? Todos sabem que

Marília Pêra fazia propaganda aberta de Collor em

seu espetáculo teatral. Esse era um direito seu, democrático,

e ninguém podia impedir que ela o fizesse.

Entretanto, por que a multidão não tinha o mesmo

direito democrático de se manifestar contra a

opção dela e a favor de outra alternativa? Por que é

patrulhamento manifestar desagrado a alguém e não

é patrulhamento a enxurrada de matérias contra os

intelectuais e artistas petistas? Infelizmente, para

alguns a democracia só é boa quando lhes serve, mas

não aos outros.

O susto dos nossos, mais do que o dos raivosos, é

a prova provada do doloroso aprendizado da democracia.

4. Vontade e realidade

O nosso aprendizado da eleição presidencial começou

no final de 1987, durante o 5o Encontro Nacional

do PT, em Brasília. Hoje, relendo os documentos

sobre a candidatura Lula e a linha geral das alianças,

discutidos e aprovados naquele Encontro, nos

espantamos de que nossas previsões estivessem relativamente

corretas. Mas também constatamos que

nossa compreensão sobre o caráter da disputa que

iríamos travar, sobre a natureza do governo que pretendíamos

e sobre as possibilidades de nossa vitória

sofria de lacunas sérias.

Sobre as possibilidades de vitória, em especial,

nossa descrença era considerável. Na primeira reunião

da direção nacional, no início de 1988, convocada

para estudar a estratégia da campanha, Djalma

Bom (então um dos coordenadores da campanha) e

eu apresentamos um texto no qual dizíamos explicitamente

que havia condições reais para ganhar e

que este deveria ser o objetivo fundamental de nossa

campanha. Argumentamos que não se tratava

apenas de marcar posição através de uma candidatura

própria ou de aproveitar as eleições para difundir

o programa partidário, realizar a denúncia da

situação social e econômica vivida pelo país e acumular

algumas forças para embates futuros. O momento

era favorável para fazer tudo isso na perspectiva

de vencer e assumir o governo, definição que

tinha implicações importantes nos demais dispositivos

de nossa estratégia eleitoral, no programa de

governo e nas táticas que deveríamos adotar.

A maioria dos presentes foi muito educada

conosco, mas deu a entender que éramos triunfalistas

e tínhamos objetivos ambiciosos demais para

nossas forças. Reiterou que deveríamos evitar a tendência

de apresentar nosso desejo como se fosse a

realidade e nos lembrou que o inimigo jamais permitiria

que chegássemos tão longe. Outros argumentos

foram alinhados e alinhavados, com origens e

fundamentos distintos, mas todos para concluir que

não estavam dadas as condições para uma vitória

eleitoral do Lula.

Na ocasião fiquei teimosamente entre a minoria

que acreditava nas condições favoráveis para um êxito

eleitoral. Mas confesso que alguns indicadores não

batiam muito com essa análise. A candidatura Lula

não funcionou como instrumento de mobilização

para a conquista das diretas em 1988, como pensávamos.

A indiferença da população era angustiante

e só mudou em novembro, no final da campanha

eleitoral municipal. Porém, mesmo nossas vitórias

nessas eleições, confirmando a tendência de crescimento

da esquerda, não puderam ser consideradas

como testes decisivos para nossa hipótese, já que

não contavam com a aferição do fator principal: a

preferência pelo próprio Lula.

Por tudo isso, quando voltamos a discutir a campanha

Lula Presidente em dezembro de 1988, evitamos

colocar expressamente o objetivo ganhar no novo

documento sobre a nossa estratégia eleitoral. É verdade

que essa perspectiva esta implícita no espírito

do texto. Afinal, os resultados das urnas haviam sinalizado

mais claramente que o PT e as forças de es21

QUASE LÁ

querda estavam num momento favorável de sua trajetória.

Mas é possível que tenhamos cometido um

erro ao não haver dado maior transparência àquele

objetivo, embora nossa estratégia fosse para ganhar.

No curso da campanha, a dúvida na vitória influiu

negativamente na vontade de vários militantes e dirigentes.

A ação para mudar a realidade só funciona

com destemor quando existe clareza de qual é o objetivo

e confiança na viabilidade alcançá-lo. É provável

que agíssemos com mais afinco para resolver alguns

de nossos problemas estruturais se estivéssemos

mais convencidos de nossas possibilidades.

É verdade que quando as possibilidades não existem,

nossa simples vontade e determinação transformam-

se em voluntarismo. Mas quando as condições

estão dadas, a vontade é instrumento fundamental

para transformar a realidade. Apesar de tudo

o que realizamos, talvez tenha faltado uma pitada

maior dessa vontade em nossa ação. A tradição de

descrença na força dos trabalhadores e na sua capacidade

ainda pesa consideravelmente nas mentes e

nos corações de muitos de nós.

Apesar disso e do fato de que o Império das elites

mais uma vez saiu vencedor, pela primeira vez na

história do Brasil ele teve que se confrontar diretamente

com a esquerda unida e conquistou a vitória

por uma reles diferença de 5%, ou quatro milhões

de votos num total de 82 milhões. Convenhamos,

um grave motivo para dores de cabeça generalizadas.

Ou para um bom frio na espinha.

23

QUASE LÁ

Descrenças e fatos

Ainda hoje há aqueles que ousam

duvidar da capacidade de organização

política dos trabalhadores.

Lula, 1a Convenção Nacional do PT, 1981

1. Uma longa história

As descrenças que cercaram a candidatura Lula à

Presidência da República, mesmo aquelas deliberadamente

induzidas para impedir que ampliasse sua

base de sustentação, têm uma longa história. De pelo

menos 10 anos, para não ir muito longe. Elas revelam

o desprezo com que as elites do Império, as elites

proprietárias, dominantes e pensantes deste país,

sempre encararam a capacidade dos trabalhadores.

Vale a pena relembrá-las, mesmo de forma sucinta.

Quando a classe trabalhadora voltou a ocupar

seu espaço na vida social, no final da década de

70, e destacou Lula como liderança, poucos acreditaram

que ela fosse capaz de enfrentar o embate

com a ditadura. Afinal, após o golpe militar de 1964

os trabalhadores pareciam haver se conformado

com a realidade do Brasil Potência dos militares e

desistido de lutar. Excetuando-se as escaramuças

de Osasco e Contagem, em 1968, os assalariados

industriais não tiveram destaque nessa luta por um

24

QUASE LÁ

longo período. As autoridades militares conseguiram

impingir dirigentes pelegos à maioria dos sindicatos

e o Império parecia tranqüilo com seu flanco

trabalhista.

Assim, quando pipocaram as operações tartarugas

e, depois, as greves sob a liderança daquele torneiro-

mecânico barbudo que presidia o Sindicato dos

Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, os donos

do dinheiro se assustaram um pouco, mas pensaram

superar as dificuldades e evitar outros desdobramentos.

Acostumados a tratar com os pelegos

de plantão, não supunham estar tratando com um

novo tipo de sindicalista, nem que ele pudesse resistir

a bons restaurantes, presentes e salões acarpetados.

Numa cuidadosa operação de marketing, elogiaram

o quanto puderam o espírito sindicalista e o

apoliticismo do metalúrgico e tudo fizeram para

ganhar as suas boas graças.

Também jamais acreditaram que a luta sindical

fizesse despertar a consciência política. Conformavam-

se em aceitar, pelo menos por algum tempo,

lideranças sindicais autênticas e independentes,

desde que ficassem longe da política, essa coisa suja

que só eles, os barões do Império, consideravam-se

capazes de manipular sem perder a honra. Por isso,

sentiram-se traídos quando o metalúrgico Lula, que

não queria nada com política, descobriu que sem

fazer política os trabalhadores jamais conseguiriam

algo consistente – e resolveu fundar um partido, ainda

mais um partido de trabalhadores.

O sentimento da confiança traída transformou-se

depois na esperança de que os trabalhadores, os sin25

QUASE LÁ

dicalistas e os intelectuais que haviam se jogado na

empreitada de fundar o Partido dos Trabalhadores

não conseguissem atender às exigências da legislação

para legalizar o partido. Descrentes eles próprios

e conhecedores da força da descrença, espalharam

a idéia de que o PT não conseguiria implantar-se

nacionalmente, pois era um fenômeno eminentemente

paulista e, pior, da região ao ABCD.

Mais tarde patrocinaram a idéia de que o partido

implodiria em virtude das disputas internas. Acostumados

a assistir e estimular as divisões na esquerda,

consideravam impossível que o novo partido, formado

por sindicalistas sem experiência política e

militantes oriundos das mais diferentes experiências

derrotadas de luta contra a ditadura militar, além

de ativistas religiosos, pudesse se sustentar nas pernas.

Por isso, difundir de forma amplificada qualquer

pendência interna do PT passou a ser um dos

pontos de pauta mais importantes da imprensa burguesa

em todo o país. Alguns jornais, como o Jornal

da Tarde, de São Paulo, e O Globo, especializaramse

em criar e difundir boatos a respeito de brigas

intestinas do PT.

No episódio da escolha, pelo Congresso, de Tancredo

Neves para Presidente da República, previram

o fim do PT por sua posição intransigente contra a

ida ao Colégio Eleitoral. O partido parecia remar

contra a corrente da enchente popular, que via em

Tancredo a solução de seus problemas e do país. Três

deputados negaram-se a cumprir a determinação do

PT e foram expulsos. Outros filiados abandonaram o

partido em solidariedade aos três. Parecia não haver

26

QUASE LÁ

quem pudesse impedir a desagregação do Partido

dos Trabalhadores.

Esse tipo de crença ou descrença repetiu-se nas

eleições de 1986. O Plano Cruzado fora preparado e

alongado, entre outras coisas, para permitir uma

vitória avassaladora dos partidos do governo, o PMDB

e o PFL, esses partidos que se parecem cada vez mais

com o PDS da Velha República, sempre por cima e

nas tetas do poder. Não era possível que o partido de

Lula, declaradamente contra o Plano Cruzado, pudesse

eleger bancadas consistentes para a Constituinte

e as assembléias estaduais.

E nas eleições municipais de 1988 não davam

qualquer crédito à possibilidade de o Partido dos

Trabalhadores reconquistar sequer a Prefeitura de

Diadema. Eleger prefeitos em algumas capitais e cidades

importantes não passava, para a maioria dos

analistas políticos do Império, de um delírio petista.

Não é estranho, pois, que durante um largo período

as elites do Império tenham continuado a imbuir-

se de suas descrenças em relação à capacidade

dos trabalhadores e se enganado quanto às potencialidades

da candidatura presidencial de Lula.

2. Desmentidos pelos fatos

Já faz parte da história o fato de que as greves dos

trabalhadores do ABCD paulista colocaram a ditadura

contra a parede e aceleraram o processo de

abertura política do regime militar. Aos trabalhadores,

fundamentalmente a eles, se deve a desmontagem

dos planos de distensão lenta e gradual da dita27

QUASE LÁ

dura, planos que pretendiam manter intocados os

privilégios e os mesmos grupos no poder.

É verdade que Lula não via inicialmente a relação

entre a luta dos trabalhadores por melhores condições

de vida e trabalho e a luta política, do mesmo

modo que não relacionava a participação política

desses trabalhadores com a criação de um partido

que fosse sua expressão de classe e os representasse

na disputa política. Em 1979 ele reconheceu que até

1977 era um dirigente apolítico e só com as greves

pôde sentir a necessidade de participação política.

Percebeu que os dois campos estavam muito ligados

e, por isso, passou a considerar importante criar

talvez não um, mas vários partidos políticos. E decidiu

participar de forma mais ativa no projeto de construção

de um partido dos trabalhadores.

O processo de construção do PT não foi fácil, mas

os fatos também desmentiram todas as previsões e

todos os descrentes. Fundado oficialmente em 1980

e com registro provisório, o PT enfrentou em 1982

seu primeiro teste eleitoral. Apostando na perspectiva

de que trabalhador deveria votar em trabalhador,

pretendia conseguir a porcentagem nacional dos votos

(5%) que lhe permitiria o registro definitivo. Obteve

3,1% dos votos e um perfil eleitoral muito desequilibrado:

88,8% dos seus eleitores na região Sudeste;

2,0% na região Norte; 1,0% na região Centro-Oeste;

4,2% no Sul; e 4,0% no Nordeste. Isso parecia validar

a incredulidade da burguesia. No entanto, o PT

elegera o prefeito de Diadema e só não elegera o de

São Bernardo do Campo porque a sublegenda deu

maior quociente eleitoral do PMDB. Ainda colocando

28

QUASE LÁ

num plano muito secundário sua atuação parlamentar

e com quase nenhuma experiência eleitoral, o PT

demonstrava potencialidade inesperada.

Evidentemente o PT enfrentava o problema da

fusão, num único partido, de correntes de oposição

com experiências políticas muito variadas. Todas elas

possuíam, e em alguma medida ainda possuem, vícios

de origem, concepções ideológicas e políticas e

práticas diferentes. Vistas as coisas somente por esse

ângulo, muito dificilmente elas conseguiriam unificar-

se de forma mais consistente. Entretanto, em

sua maioria, elas tinham em comum alguns pontos

importantes. Haviam enfrentado um mesmo inimigo

nas duras condições da ditadura militar e haviam

sido derrotadas por ele de diferentes formas. Além

disso, foram atraídas positivamente pelo despertar

da luta dos trabalhadores e pela fundação do PT e se

dispuseram a reavaliar sua experiência histórica a

partir de suas derrotas e das novas condições enfrentadas

pela classe trabalhadora brasileira.

Mais do que tudo, a presença no PT de um contingente

maior de militantes oriundos dos movimentos

sindical e popular fez com que grande parte dessas

correntes se desse conta de que as questões políticas

não poderiam ser revolvidas por métodos administrativos.

Seria necessária uma longa convivência

democrática, marcada por experimentações práticas

no movimento social e político, para superar

vícios e concepções atrasadas e unificar posições que

correspondessem às características do PT como partido

de massas. Esse leito de vida democrática, ao

qual a burguesia brasileira não se adapta, embora

29

QUASE LÁ

viva enchendo a boca com a palavra democracia, tem

sido o fator determinante que permite ao PT um

processo permanente e cada vez mais avançado de

unificação política, convivendo ao mesmo tempo com

uma constante luta interna de opiniões. No dia em

que não existirem, dentro do PT, divergências de

opinião e as condições para debatê-las, ele será um

partido morto. Este é mais um fato.

O PT também não acabou quando decidiu não

comparecer ao Colégio Eleitoral e colocar-se contra

o Plano Cruzado. É verdade que o plano do ministro

Funaro reacendeu as esperanças da população e fez

com que grande parte do eleitorado acreditasse no

que o governo e seus partidos de sustentação afirmavam.

Mesmo assim, o PT elegeu uma bancada de

16 deputados constituintes e 39 deputados estaduais,

dobrando a sua votação em relação a 1982: 6,2%

dos votos válidos de todo o país.

Deve-se lembrar que, em 1986, o Partido dos Trabalhadores

foi obrigado a enfrentar, além do engodo

do Plano Cruzado, uma série de provocações que

visavam desestabilizá-lo e prejudicar seu desempenho

nas urnas. Em abril, tentaram implicar o partido

no assalto a uma agência bancária em Salvador;

em julho, a Polícia Militar de São Paulo matou dois

jovens trabalhadores em Leme e procurou incriminar

deputados do PT como autores do assassinato; e,

durante todo o ano, moveram uma campanha sem

trégua contra a prefeitura petista de Fortaleza, eleita

em 1985.

Mas foi nas eleições municipais de 1988 que o

Partido dos Trabalhadores contrariou todas as previ30

QUASE LÁ

sões e confirmou sua tendência de crescimento como

partido nacional de massas. Elegeu 36 prefeitos, incluindo

os de capitais tão importantes como São Paulo,

Porto Alegre e Vitória, e 1.050 vereadores. Teve

votação em mais de 80% dos municípios brasileiros e

conquistou 28,8% dos votos das 100 maiores cidades

do Brasil. Comparativamente às eleições municipais

de 1985, o PT voltou a dobrar sua votação.

Esses fatos não só jogavam por terra o descrédito

em relação ao PT. Mostravam que o Império burguês,

ao desprezar os trabalhadores e o partido que mais se

esforça em representar seus interesses, desconhecia

a evolução interna da política petista, seu avanço em

relação a programas de governo e política de alianças.

Desconhecia tanto o crescimento que pode ser

medido pelo desempenho eleitoral, quanto aquele

relacionado com a integração nas lutas sociais e políticas

dos trabalhadores e do povo brasileiro.

No seu preconceito míope, o Império não mediu

o significado real da participação do PT no processo

de unificação do movimento sindical através da fundação

da CUT, em 1983, na luta pelas diretas, em

1984, em todas as lutas reivindicatórias, democráticas

e progressistas dos trabalhadores e demais camadas

da população. Nem chegou a vislumbrar que

todos esses fatos representavam a demonstração real

do crescimento do Partido dos Trabalhadores, um

partido que, como dizia Lula em 1981, era “um menino

que nasceu contra a descrença, a desesperança

e o medo”.

31

QUASE LÁ

3. Esmagando as esperanças

As elites do Império têm, em parte, razão em suas

descrenças. Durante quase 500 anos elas se acostumaram

a esmagar qualquer esperança de ascensão

dos oprimidos.

Para implantar-se no Brasil, os conquistadores portugueses

escravizaram e mataram milhões de índios.

Alguns jesuítas, como o padre Antonio Vieira, denunciaram

o massacre levado a cabo pelas festejadas entradas

e bandeiras e calcularam em mais de 4 milhões

de nativos mortos de diferentes maneiras pelos

colonizadores. Depois, para fazer funcionar seus engenhos

de cana-de-açúcar e suas criações de gado, os

senhores da terra importaram escravos africanos que

eram dizimados no trabalho brutal dos eitos e fornalhas.

Quantos milhões de negros africanos adubaram

o solo fértil do Brasil, assassinados no trabalho ou no

pelourinho por um regime que durou quase quatro

séculos, indo quase ao limiar deste século XX?

Mais tarde, já na República, os sentimentos pelo

direito à terra e à vida dos lavradores pobres foi constantemente

esmagado pelos latifundiários. Canudos,

a cidadela camponesa governada por Antonio Conselheiro,

na Bahia, no fim do século passado, não teve

sobreviventes, não é mesmo? Quantos trabalhadores

rurais morreram assassinados por jagunços e pela

polícia em 100 anos de República? Quem se preocupou

em contá-los, já que sempre valeram tão pouco

para os poderosos?

Quem não se lembra como as reivindicações operárias

por melhores salários e condições de vida eram

32

QUASE LÁ

tratadas como crimes e casos de polícia ainda há

tão pouco tempo? Cada direito, cada reivindicação,

cada avanço nas condições de trabalho e vida dos

trabalhadores brasileiros foi arrancado com esforço,

suor e sangue. As elites do Império jamais concederam

nada de bom grado, jamais fizeram qualquer

concessão, por menos que fosse, sem apelar

para a mentira, para o engodo e para a força bruta.

Mesmo quando brigaram entre si para viabilizar

um ou outro projeto político de suas diferentes alas,

como em 1891 (Floriano Peixoto), 1930 (Insurreição

Liberal), 1954 (Juscelino Kubitschek) ou em 1964

(golpe militar), as elites sempre fizeram com que as

classes subalternas pagassem a conta por apoiar um

dos lados. Elas, ao contrário se reconciliavam e continuavam

dividindo entre si os frutos da riqueza produzida

pelos trabalhadores. Em particular após 1964,

desenvolveram o mais persistente e torpe projeto de

espoliação da terra e do homem brasileiros.

O processo iniciado com o golpe militar de 1964

gerou profundas transformações na sociedade brasileira.

Os governos militares abriram ainda mais as

portas do Brasil ao capital estrangeiro. Garantiram

aos empresários daqui e de fora as condições para

auferirem grandes lucros, arrochando os salários,

mantendo baratas as matérias primas e construindo

com o dinheiro público a infra-estrutura de energia,

transportes e comunicações. Transformaram o Brasil

num paraíso para as multinacionais que aqui se

instalaram.

O país se industrializou, dando ensejo à formação

de uma vasta classe trabalhadora que passou a se

33

QUASE LÁ

concentrar nos grandes centros. Milhões de pequenos

produtores rurais foram forçados a abandonar

suas terras próprias ou arrendadas e migrar para as

cidades, tornando-se operários industriais ou bóiasfrias.

O campo também se modernizou. Máquinas

agrícolas e novas culturas devoraram as pequenas

propriedades e fizeram crescer ainda mais o já imenso

latifúndio.

O Brasil hoje se orgulha de produzir quase tudo

que a indústria pode fazer: carros, navios, aviões,

foguetes... Orgulha-se também de possuir uma das

elites mais ricas do mundo, ao lado dos donos das

multinacionais. Antonio Ermírio de Moraes, da Votorantim,

Amador Aguiar, do Bradesco, Sebastião

Camargo, da Camargo Correa, Roberto Marinho, da

Rede Globo, Olacyr de Moraes, da fazenda e banco

Itamaraty e outros que nem gostam de aparecer são

donos de fortunas de bilhões de dólares e vivem uma

vida que os mortais comuns não conseguem nem

sonhar.

Mas os brasileiros se envergonham da miséria em

que vive a maior parte de sua população. Oitenta

milhões ou mais passam fome permanentemente,

não têm moradia decente, não podem comprar quase

nada porque não possuem poder aquisitivo. Os

trabalhadores que constróem e operam as fábricas,

os navios, as máquinas, que produzem bens e alimentos,

não têm chances de possuir quase nada do

que produzem.

O Brasil Potência que os militares e seus tecnocratas

haviam prometido com seu projeto de modernização

do país, fazendo o bolo da riqueza crescer

34

QUASE LÁ

para depois dividí-lo entre todos, só trouxe sofrimentos

à maioria. Para implantá-lo, acabaram com a

democracia, que já era pouca, impuseram a ditadura,

prenderam, torturaram e mataram opositores,

proibiram greves, alastraram a corrupção e garantiram

sua própria impunidade. O bolo cresceu, e muito,

mas só uma minoria pôde comer dele, a minoria

das elites – a de sempre.

Para a maioria, nem migalhas sobravam. Na região

do ABCD paulista, por exemplo, onde se concentraram

as principais indústrias de automóveis, implantou-

se também uma das maiores concentrações de

favelas do país. Mais de 40% da população local vegeta

nesses aglomerados, onde a violência urbana causa

dois homicídios diários, em média, mostrando um

dos aspectos mais dolorosos da face podre do Brasil

Potência legado pela ditadura militar.

4. Falência de um projeto

Diante dos resultados desastrosos da construção

do Brasil Potência, o descontentamento se alastrou,

apesar da repressão militar e policial. No início silenciosamente,

procurando as brechas e recuos do próprio

regime. Embora tivesse derrotado todas as tentativas

de resistência armada, o sistema implantado

pelos militares e pelo grande capital esgotava-se. As

eleições de 1974 foram a primeira grande oportunidade

para que a crescente oposição popular e democrática

impusesse uma derrota ao Império.

É preciso reconhecer que as elites tudo fizeram

para montar um novo projeto que lhes permitisse

35

QUASE LÁ

manter a situação que desfrutavam. Procuravam

ganhar tempo, conseguiram bilhões de dólares emprestados

para continuar expandindo a economia e

tentaram promover uma abertura política a mais

lenta, gradual e controlada possível, usando e abusando

dos casuísmos. Mas só conseguiram aprofundar

ainda mais a crise estrutural do país.

O indicador mais palpável do fracasso dessas elites

e de seu Império, com todos os empresários,

militares e cientistas sociais que fazem parte dele,

foi justamente a vitalidade com que os trabalhadores

voltaram à cena. Entre 1974 e 1976 eles haviam

ensaiado sua força nas operações tartarugas, exigindo

reposição salarial e negociando diretamente com

os empresários. Em maio de 1978, 50 mil metalúrgicos

da indústria automobilística desafiaram abertamente

a proibição ditatorial e o medo conformista

e entraram em greve. Conquistaram não apenas

aumentos salariais, mas também a diminuição da

jornada de trabalho para 44 horas semanais e o direito

de constituir comissões de fábrica.

A partir daí o movimento dos trabalhadores ganhou

novo alento e ultrapassou os limites das greves econômicas

por aumentos salariais. Exigiu liberdade e

autonomia sindical e liberdades políticas, resistiu às

intervenções do governo militar em seus sindicatos e

enfrentou a repressão aberta das forças políticas. E

foi mais longe, articulando uma participação política

mais ativa através da formação do Partido os Trabalhadores

e de sua ação para dar fim ao regime militar,

conquistar eleições diretas para a Presidência da

República e eleger uma Constituinte.

36

QUASE LÁ

O império, porém, não só fracassou em seu projeto

Brasil Potência como acumulou uma série de desatinos

na condução da transição para um novo projeto.

Não permitiu as eleições diretas e impôs ao

povo a conciliação de cúpula, a “transição transada”

do Colégio Eleitoral; montou o grande engodo

do Plano Cruzado para vencer as eleições constituintes

de 1986 e impingiu um mandato de cinco anos

para Sarney em troca de favores mesquinhos; sustentou

o Centrão parlamentar como tropa de choque

conservadora para impedir conquistas democráticas

e populares na Constituição; chegou a chamar

até o moderado senador Covas de incendiário vermelho,

por ter sido um dos que se opuseram ao aventureiro

despreparado e reacionário Caiado, e impediu

a reforma agrária, levando o país a um retrocesso

em matéria de direito e política agrária.

Nessas condições, com um Império refratário a

mudanças, aos trabalhadores só restava o caminho

de reconquistar, além do direito de greve e de manifestação,

o direito à cidadania. Cada vez mais ocuparam

as ruas, as praças e os estádios. E fizeram

brilhar com intensidade as estrelas que atestavam,

mais do que tudo, o fracasso do Império e sua própria

força de classe: a liderança operária de massas

Lula e o Partido dos Trabalhadores.

5. As estrelas contestadoras

Filósofos antigos já haviam notado que a história

cria suas próprias necessidades e problemas e os

personagens e instrumentos que devem suprí-los e

37

QUASE LÁ

resolvê-los a favor de um ou outro segmento social.

Às vezes destaca personalidades medíocres, em qualquer

dos lados, se não encontra alguém à altura.

Lembremos do exemplo recente de Sarney, como

representante do Império, para levar a cabo a transição

do regime militar para o civil. Outras vezes,

porém, a história encontra alguém talhado para enfrentar

os desafios postos pela vida social. Assim foi

com Winston Churchill, para a burguesia inglesa,

ou com Ho Chi Min, para os trabalhadores vietnamitas,

durante a 2a Guerra Mundial.

Esse também é o caso de Lula, a quem coube desempenhar

o papel maior de liderança de classe dos

trabalhadores brasileiros neste momento histórico.

Ele é fruto do processo de industrialização sofrido

pelo Brasil durante o período militar, processo que

concentrou na região Sudeste, em particular em São

Paulo, mais da metade do produto industrial do país.

Milhões de trabalhadores rurais foram expulsos de

suas terras desde a década de 50, deslocando-se para

as cidades do Sul-Sudeste para atender a demanda

de mão-de-obra das empresas nacionais e estrangeiras

que se instalavam, beneficiadas por incentivos

fiscais, creditícios e cambiais.

Esse processo subverteu completamente a relação

entre a população rural e a urbana. Na década

de 50, apenas 36% dos brasileiros viviam nos centros

urbanos. Em 1980, 70% encontravam-se nas cidades,

contra 30% nas zonas rurais. E da população

economicamente ativa das cidades, mais de 15% trabalhavam

nas indústrias, como Lula nos anos 60.

A classe trabalhadora sofreu, assim, uma profun38

QUASE LÁ

da transformação. Grande parte dela, a maioria, jamais

tivera contato com a vida fabril e com o movimento

operário. Antes de meados dos anos 70 nunca

passara pela experiência da greve e do enfrentamento

com a repressão direta do poder de Estado.

Assim, era baixo o seu nível médio de consciência

de classe. Seu despertar dependia da passagem por

uma série de experiências de lutas imediatas.

Por outro lado, com as organizações políticas que

procuraram expressar seus interesses completamente

destruídas pela repressão ditatorial, a classe trabalhadora

possuía como maior referência os sindicatos.

Nessas condições, a probabilidade maior era

que justamente daí surgisse uma nova liderança, uma

liderança que tivesse, ao mesmo tempo, sensibilidade

para captar e entender os sentimentos desse trabalhador

urbano de perfil semi-rural, sabendo falar

ao seu coração, e dirigir a transformação objetiva da

luta econômica dos trabalhadores em luta política,

colocada na ordem do dia pela situação brasileira.

Não é estranho, assim, que Lula surja primeiro

como sindicalista avesso à política, expressando fielmente

o sentimento e a mentalidade predominantes

em sua classe. Ao projetar-se à frente das greves

do ABCD, Lula é a demonstração viva da ruptura

com o arrocho salarial e com o servilismo sindical,

mas também com a oposição frouxa dos políticos

consentidos que diziam não concordar com o regime

militar, mas se submetiam a seus planos e

cronogramas. As lutas operárias e populares, as greves

e os confrontos com o regime, politizaram os

trabalhadores e conduziram Lula e parte conside39

QUASE LÁ

rável da nova safra de sindicalistas a entender, rapidamente,

que política não é igual a politicagem.

Daí a enfrentar o desafio de fundar e construir um

partido de trabalhadores foi um passo. Porque o Lula

necessário para a história de luta de libertação dos

trabalhadores brasileiros é o Lula político-partidário,

o Lula que supõe a existência de um partido

dos trabalhadores.

Evidentemente, Lula continuou mantendo suas

características pessoais básicas, especialmente sua

sensibilidade para sintonizar-se com os sentimentos,

os humores, as aspirações e a disposição dos trabalhadores.

Mas, com o anúncio da criação do Partido

dos Trabalhadores, em comício no Rio de Janeiro,

em outubro de 1979, a estrela do Lula passa a confundir-

se cada vez mais com a estrela do PT.

O Partido dos Trabalhadores é outro instrumento

talhado pela história para enfrentar os desafios colocados

ante os trabalhadores brasileiros. Ele surge

tanto do fracasso do projeto Brasil Potência idealizado

pelas elites, quanto do fracasso das diferentes

resistências ao regime militar, armadas e não-armadas,

empreendidas na segunda metade dos anos 60

e no início da década de 70. E surge, também, das

novas formas de resistência democrática, popular e

operária que se forjam no período.

Aproveitando as brechas legais abertas pelo próprio

regime militar, as lideranças sindicais e populares,

que tinham consciência de que era preciso criar

um partido de trabalhadores, agem com audácia

quando a ditadura se vê obrigada a realizar a reformulação

partidária de 1979, na pretensão de dividir

40

QUASE LÁ

a oposição em virtude dos resultados eleitorais de

1974 em diante. É interessante notar como a manutenção

do calendário eleitoral pelo regime militar,

objetivando dar-lhe uma aparência democrática (incrível

como a burguesia “acredita” que eleição é igual

a democracia), volta-se contra ele à medida que a

oposição cresce. Nessas condições, a tentativa de

dividir a oposição, até então aglutinada artificialmente

no Movimento Democrático Brasileiro (MDB), na

verdade mais parece um tiro pela culatra: acelera a

desagregação do regime, coloca na ordem do dia o

direito à livre organização partidária e apressa a democracia.

A formação do PT, assim como a do PDT em represália

ao PTB fisiológico de Ivete Vargas, é uma

cunha na reformulação partidária pretendida pelos

militares e representa de imediato um embaraço nos

planos de distensão e abertura do regime. Algo começava

a fugir-lhes do controle. Pior, não era algo

dentro de seu campo, como o Partido Popular (PP)

de Tancredo Neves. Em particular no caso do PT, era

algo incontrolável, que parecia não dar bola para o

fato de que a ditadura ainda estava viva e que, desde

o seu nascimento, já afirmara abertamente, para

quem quisesse ouvir, que pretendia construir uma

nova sociedade, contra o capitalismo implantado pelo

regime dos militares.

O PT já nascia contestador e só poderia ter, em

contrapartida, má vontade, boicote e sabotagem. Em

novembro de 1981 o governo Figueiredo impõe um

conjunto de novas regras eleitorais que determina o

voto vinculado em todos os níveis nas eleições de

41

QUASE LÁ

1982. O mecanismo do voto vinculado tornava nulos

os votos dados a legendas diferentes, obrigando os

eleitores a votar para vereador, deputado estadual,

deputado federal, senador e governador em candidatos

de um único partido. Com isso, o governo pretendia

evitar a vitória da oposição, então formada

por mais de um partido, e inviabilizar a agremiação

partidária que estava fora das previsões dos estrategistas

do Planalto, o PT.

Da esquerda tradicional e dos progressistas também

surgiam restrições ao PT, acusando-o de divisionista

e desmerecendo suas possibilidades de legalização.

Não acreditavam que o partido fosse capaz de

implantar-se no número mínimo de nove estados

exigido pela legislação do regime, nem que pudesse

conquistar a votação porcentual imposta. A cada

passo em sua consolidação o PT vê recrudescerem

os ataques; a cada dificuldade, a cada derrota temporária,

a cada erro, vê crescerem as vozes da descrença

e a difusão da idéia de que não teria futuro.

O PT atrai o ódio e o rancor das elites do Império

e de seus representantes na imprensa, no parlamento,

no Judiciário e no governo. Não por acaso, é lógico.

Ao construir-se como partido e apresentar um

projeto alternativo de sociedade, socialista e democrático,

o PT desfere um golpe de morte nas formas

tradicionais através das quais as elites mantinham

seu domínio. Já não lhes é possível obrigar os trabalhadores

e o povo a escolher entre dois projetos de

alas diferentes do próprio Império: os oprimidos

passam a ter a oportunidade de optar por um projeto

que represente verdadeiramente seus interesses.

42

QUASE LÁ

A enganosa conciliação nacional tradicionalmente

promovida pelas elites dominantes está em perigo.

Os trabalhadores possuem um partido seu, formado

por centenas de milhares de Lulas, além do

Lula que sobressaiu ofuscando aos demais, mas fazendo

renascer a esperança num projeto de sociedade

antagônico ao projeto capitalista. Esta é uma força

que tem raízes profundas nos interesses e aspirações

populares e nacionais.

43

QUASE LÁ

Estratégia para ganhar

A partir de um programa da classe

trabalhadora para conquistar o poder,

dirigir o país e iniciar a construção do

socialismo, o PT tem então que assumir uma

política de alianças para o Brasil de hoje.

PT, 5o Encontro Nacional, dezembro de 1987

1. Momento favorável

O Partido dos Trabalhadores, em pouco menos de

10 anos, passou por inúmeros testes. Sofreu derrotas,

superou adversidades, obteve vitórias e acumulou

experiências e forças. Em 1988, com sua participação

decisiva na Constituinte e as vitórias nas eleições

municipais, sentiu ter chegado o momento de

disputar para valer o governo da República.

Havia motivos para pensar assim. O sentimento e

a vontade de mudanças estavam arraigados na população.

As forças de esquerda aumentavam sua capacidade

de captar esse sentimento e essa vontade

de traduzi-los em programas de transformação social.

Capitalizaram a simpatia e o apoio populares

através de sua ação de combate à ditadura, da luta

pelas eleições diretas e da denúncia das políticas

econômicas que penalizavam somente aos trabalhadores

e ao povo.

O PT, em particular, consolidava-se como partido

nacional e como pólo à esquerda no movimento de

44

QUASE LÁ

polarização política do país. Sua imagem de coerência,

combatividade, defensor dos interesses populares,

socialista e democrático permitia-lhe não somente

aprofundar sua integração com os setores populares

e democráticos organizados da sociedade, como

também ampliar sua representação institucional,

conquistando espaços cada vez maiores nos parlamentos

e nos governos municipais.

Em 1988 o PT estava implantado em cerca de três

mil municípios do país, possuía mais de 600 mil

filiados e um número de simpatizantes bem superior.

Com algumas centenas de milhares de militantes,

estava estreitamente vinculado ao movimento sindical

e participava ativamente dos mais importantes

movimentos populares. Em 13 estados da federação

sustentava atividade parlamentar nas assembléias

legislativas e conquistara três prefeituras (Diadema,

Fortaleza e Vila Velha) com sua própria legenda, além

de mais um prefeito eleito pela legenda do PMDB

que depois se filiou ao PT (Icapuí-CE).

Para contrapor-se a essa tendência de crescimento

do PT e da esquerda, que vinha se configurando

cada vez mais nitidamente desde as eleições de 1985,

as elites apresentavam-se sem um projeto unificado.

A Nova República projetada por Tancredo se enredara

nos compromissos com os setores conservadores

e reacionários e na inépcia de Sarney, mergulhando

o Império em conturbada crise econômica

aparentemente sem solução. Mais grave ainda: os

diferentes setores do poder econômico não conseguiam

juntar-se em torno de políticas capazes de

superar suas dificuldades, nem achar um candidato

45

QUASE LÁ

que expressasse sua vontade coletiva. Nem as vitórias

petistas em São Paulo, Porto Alegre, Vitória, Campinas

e uma série de outras cidades importantes levaram

as hostes do Império a unificar-se.

A perspectiva de uma vitória das esquerdas nas

eleições presidenciais, é verdade, fazia crescer o

medo das elites e, em alguns casos, esse medo transformava-

se em pânico. Para superar isso, o Império

buscou desesperadamente um candidato salvador.

Os estrategistas do presidente Sarney, entre outros,

chegaram a empenhar-se para que o decrépito Jânio

Quadros fosse viabilizado como a solução procurada.

No entanto, nem Jânio foi o jeito. Como se viu

no primeiro turno, as representações políticas dos

potentados burgueses marcharam desunidas, com

candidatos diferentes, apesar de unificarem suas forças

toda vez que foi preciso atacar as candidaturas

de esquerda.

A tendência ascendente do PT e da esquerda, as

divisões internas do Império, os sentimentos e aspirações

das grandes massas populares por mudanças

– essas eram as condições objetivas que se apresentavam

de modo mais geral para a disputa presidencial

de 1989. Se ressaltarmos, ainda por cima, a figura

do Lula, com sua sinceridade, combatividade,

comprometimento com sua classe e o poder de comunicação

que firmou durante sua vida, concluímos

que o momento era muito favorável para traçar uma

estratégia de vitória.

46

QUASE LÁ

2. O PT faz alianças, quem diria?

Mas não bastavam condições favoráveis. Embora

existentes, sozinhas eles não garantiam nada. As

esquerdas e as forças progressistas mantinham-se

divididas entre diversos candidatos e seu projeto de

mudanças também não estava unificado. O PT, isolado,

não tinha forças para vencer, por mais esforços

que fizesse para captar os sentimentos, aspirações

e tendências eleitorais dos trabalhadores, da

população desorganizada de baixa renda e das classes

médias.

Como agravante das dificuldades, os possíveis aliados

também não acreditavam na força e nas possibilidades

do PT. Os partidos socialistas e comunistas,

que muitas vezes concorriam na mesma faixa política,

além disso possuíam uma postura de oposição ao

PT no movimento sindical e popular e nutriam diferentes

percepções sobre a vontade e a capacidade do

PT em unir-se a outras correntes partidárias. O PSB,

por exemplo, criticava o PT por resistir a uma política

de frente, priorizando seu fortalecimento partidário

ou, no caso de fazer coligações, impor a estas um

relacionamento autocrático e hegemônico.

O PCdoB e o PV mantinham reservas do mesmo

tipo, fora as rixas antigas que minavam o campo do

entendimento, enquanto o PCB simplesmente não

aceitava tratar de uma frente ou coligação que não

incluísse o PDT, PSDB e PMDB e não deixasse em

aberto o nome a ser escolhido para a cabeça da chapa.

O PDT e Brizola, por seu turno, reclamavam que

as elites estavam enchendo o balão do PT e festejan47

QUASE LÁ

do-o mais do que os próprios petistas, de modo a

desmerecer os pedetistas de forma deprimente. Essa

situação, segundo declarações de Brizola no Jornal

do Brasil de 14 de dezembro de 1988, os obrigaria a

questionar Lula duramente durante a campanha, o

que aliás fez no curso de quase todo o primeiro turno.

Em 5 de abril de 1989, na Folha de S.Paulo,

Brizola deu o mote dos ataques que desfecharia contra

Lula, qualificando-o de ponta de um enorme

iceberg, um novo Jânio Quadros que não seria bom

para o país. Nessa mesma entrevista, atirou contra o

PT, comparando-o aos nazistas, que eram muito radicais

na exploração do grevismo, no assembleísmo

e nas vaias, mas eram da direita em guerra contra a

democracia.

Para o presidente do PDT, o PT não havia lançado

Lula para vencer, mas fundamentalmente para derrotar

o próprio Brizola e abrir campo para a vitória

das elites. Embora o tom das críticas de Lula e do

PT a Brizola, durante a campanha, tenha-se mantido

em geral em nível bem mais ameno, somente no

segundo turno Brizola se deu conta de que o verdadeiro

inimigo era outro.

Se com o PDT e Brizola a situação era essa, com o

PSDB o quadro não era menos sombrio. Partido de

centro, debatendo-se entre alas opostas, o PSDB não

admitia sequer conversar sobre a unificação em torno

de Lula. A imagem que seus líderes tinham do PT

sempre foi a pior possível. Radical, extremado, estreito,

sectário, atrasado, xiita – estes eram alguns

dos adjetivos que mais circulavam entre os tucanos

a respeito do PT.

48

QUASE LÁ

No entanto, embora recebendo pedradas de todos

os lados e enfrentando resistências internas de

variados graus, o PT havia estabelecido, quem diria,

uma política de alianças e já a tinha experimentado

com sucesso em algumas eleições municipais. Mais

do que isso, por considerar que havia condições favoráveis

para vencer e de que não poderia fazê-lo

sozinho, estava disposto a aplicar essa política de

modo mais profundo nas eleições presidenciais.

Desde seu 5o Encontro Nacional, em dezembro

de 1987, o PT não somente vinha reiterando sua

crítica às experiências negativas da esquerda brasileira,

ao atrelar os trabalhadores a diferentes setores

da burguesia e descambar sua política de alianças

para a colaboração de classes, como também empenhava-

se para superar o sectarismo e a intolerância,

que em nome do sentimento de independência

de classe e de oposição ao reformismo, impediam

tanto a aplicação de uma política de alianças quanto

a discussão mesma do assunto.

Com base em sua próprias experiências na luta

pelas diretas-já, nas táticas eleitorais de 1985 e 1986

e em outras alianças pontuais estabelecidas em vários

momentos, o PT amadureceu a idéia de que alianças

não são uma questão de princípio, mas que só

deveria fazê-las sustentado em princípios. Em outras

palavras, o PT não faz alianças com qualquer

um tendo em vista objetivos imediatistas ou personalistas.

A linha geral de sua política de alianças

repousa na unidade com setores sociais que se contrapõem

de diferentes maneiras à dominação do capital

e têm como perspectiva a transformação socialista

da sociedade brasileira.

49

QUASE LÁ

Evidentemente, uma política desse tipo é de longo

prazo e demanda um complexo processo de alianças,

acordos e coligações parciais com as forças políticas

que, embora tenham divergências numa gama

razoável de questões, atuam no sentido daquela perspectiva

geral (anticapitalista, socialista). Por isso é

essencial para o PT e sua militância que as alianças

estejam sempre embasadas em programas de ação

transparentes, que exprimam a unidade concreta

alcançada em cada momento da luta contra os inimigos

comuns.

Foi assim que, em 1988, o PT conseguiu estabelecer

coligações com outros partidos de esquerda e

progressistas em pelo menos dez capitais: com PCB

em Rio Branco, Fortaleza, Vitória, Porto Alegre e

São Paulo; com o PCdoB em Vitória, Cuiabá, Natal e

São Paulo; com o PSB em Fortaleza, Vitória, Cuiabá,

João Pessoa e Natal; com o PV em Rio Branco, Fortaleza,

Vitória e João Pessoa; com o PH em Vitória e

Natal; com o PSDB em Vitória; e com o PDT em

Goiânia e São Paulo (onde retirou a candidatura a

favor da candidata do PT). Em Camboriú (SC), Americana

(SP) e Baturité (CE), o PT indicou os vices da

chapa, conjunta com o PDT.

De um modo ou de outro, todos os partidos de

esquerda e progressistas realizaram experiências de

coligação com o PT em algum lugar do país. O PT,

por seu lado, avançou mais em sua compreensão quanto

à necessidade das alianças para vencer adversários

tão poderosos como as tradicionais elites do Império,

sem que isso o coagisse a abrir mão de seus compromissos

fundamentais com os trabalhadores.

50

QUASE LÁ

Nas eleições presidenciais de 1989 o PT trabalhou,

desde o início, para formar uma aliança em

torno de Lula, englobando PV, PSB, PCdoB, PCB,

PDT, PSDB e setores progressistas do PMDB. Ao contrário

do que afirmaram os mais diferentes analistas

políticos, em geral desconhecedores das políticas

do PT, este se empenhou para que tal aliança ou

coligação se materializasse desde o primeiro turno.

O que não foi possível porque alguns desses partidos,

com todo o direito, lançaram candidatos para

disputar seriamente o governo – casos do PDT e

PSDB – ou para afirmar sua proposta própria para a

sociedade – caso do PCB.

A formação da Frente Brasil Popular, em aliança

com o PSB, PCdoB e PV (que depois a abandonou e

lançou candidato próprio por discordar da escolha do

candidato a vice), constituiu porém o patamar inicial

para a política de frente da campanha presidencial. A

elaboração de um programa de governo, contemplando

as aspirações da maioria da população e coincidindo

com os principais pontos programáticos das outras

forças de esquerda, completou o arcabouço necessário

para vencer no primeiro turno, ampliar as

alianças e disputas para vencer no segundo.

3. Um programa das maiorias

Outra novidade positiva da campanha presidencial

brasileira de 1989 foi a inusitada importância ganha

pelos programas de governo dos candidatos. As

pesquisas indicavam tanto o fato de o eleitorado votar

preferencialmente em nomes, não em partidos,

51

QUASE LÁ

quanto o de exigir que o perfil do candidato ideal

contemplasse suas propostas em relação aos principais

problemas percebidos pela população. Em geral,

mais de 30% dos entrevistados apontavam a necessidade

de os candidatos explicarem melhor seus

programas de governo, detalhando seus planos para

dar solução àqueles problemas.

No caso do programa de ação do governo Lula, a

atitude dos adversários e da imprensa do Império

variou. Até meados do ano, acusavam o PT e Lula de

não possuírem um programa, mas tão somente uma

plataforma de propostas genéricas. Ou, quando reconheciam

que o programa estava sendo elaborado,

apontavam então para possíveis divergências que

impossibilitariam que ele fosse dado a público.

O PT, entretanto, desde cedo preocupou-se com

que Lula apresentasse um programa de governo que

contemplasse as aspirações e os sonhos da maioria

da população brasileira. Por isso mesmo, deveria ser

resultado de um amplo processo de discussão no PT,

nos diversos partidos aliados à candidatura Lula e

na sociedade. O método de elaboração do programa

estava, portanto, associado a seu conteúdo democratizante.

Seria uma incoerência propor a democratização

da sociedade, de sua vida econômica e

social, do Estado e da riqueza, acabando com a miséria

e as desigualdades mais gritantes, sem contar

com um mínimo de participação popular e debate

democrático em torno das medidas que deveriam

ser adotadas como plano de governo.

A relativa morosidade com que operamos a preparação

do programa de governo do Lula tem, assim,

52

QUASE LÁ

uma justificativa. Envolvemos algumas centenas de

especialistas e militantes na preparação do programa.

E, através de grupos de trabalho, seminários, plenárias

e da difusão massiva dos textos preliminares, incorporamos

milhares de pessoas ao seu processo de elaboração

final. Mesmo assim, achamos que o tempo foi

curto demais, não permitindo envolver maiores parcelas

do povo no debate dos planos e medidas que deveriam

decidir seu futuro por vários anos.

Quando ficou evidente que a Frente possuía um

programa de ação para o governo, explicitado nas

diretrizes para sua elaboração, nas bases do programa

e nos 13 pontos do programa democrático e popular,

difundido em algumas centenas de milhares

de publicações e explicado didaticamente nos fascículos

Brasil Urgente, tudo isso a partir de julho, o

Império, seus candidatos e seus meios de comunicação

mudaram de atitude. A linha básica adotada,

então, foi a da desqualificação. Na passagem do primeiro

para o segundo turno, em particular, os 13

pontos do programa de governo da Frente Brasil

Popular sofreram um bombardeio constante.

O procedimento inicialmente adotado foi demonstrar

que o programa de governo de Lula era “arcaico”,

estribado nas velhas fórmulas do estatismo, do

conflito de classes e do calote seletivo. Faltava-lhe,

conforme mais tarde declinou o editorialista de IstoÉ

Senhor, “modernidade”, uma perspectiva social-democrática

que não considerasse o Brasil uma imensa

Nicarágua. Já que nesse ponto o editorialista concordava

com o senador Roberto Campos – o mesmo

economista que no início do regime militar, em 1964,

53

QUASE LÁ

plantou as sementes dos frutos amargos que ainda

hoje estamos colhendo –, é bom recordar as receitas

de modernidade que o senador sugeria para o

Brasil na IstoÉ Senhor de 6 de dezembro de 1989:

desestatização, capitalismo do povo e integração no

mercado internacional.

Mas, afinal, essas não foram as mesmas receitas

que o ilustre senador aplicou em 1964 e que, com

as variações de praxe, vigiram durante os quase 20

de militarismo? Se os mandatários do Império eram

contra a estatização, por que deixaram que a economia

fosse estatizada ainda mais? Seria bom que explicassem

ao povo que o fizeram para garantir a instalação

e o funcionamento lucrativo das multinacionais

e das empresas capitalistas brasileiras; que confessassem

haver transformado o povo brasileiro no

grande financiador da industrialização que tornou o

Brasil a oitava economia do mundo capitalista, através

da aplicação dos recursos públicos nas obras de

infraestrutura; que reconhecessem que muitas das

estatizações praticadas pelos governos militares serviram,

na realidade, para transferir dinheiro público

para proprietários de empresas particulares falidas.

Todas essas operações colocavam o Estado e suas

empresas a serviço do setor privado, consistiam na

privatização do Estado, na sua transformação em

serviçal exclusivo dos interesses do poder econômico

do Império. Por isso, a discussão em torno da desestatização,

nos termos colocados pelo Império, não

passa de escamoteação, embora não seja uma piada

tão ridícula quanto a que se refere à modernidade

do seu capitalismo do povo.

54

QUASE LÁ

Vivem na pobreza absoluta 80 milhões de brasileiros.

Eles são a mercadoria mais típica desse capitalismo

que o senador Campos diz ser do povo, talvez

porque os obrigue a conviver compulsoriamente com

suas mazelas do dia a dia, não os abandonando para

nada, nem mesmo quando os impede de trabalhar,

colocando-os no desemprego e repetindo sem cessar

que a miséria só existe porque eles não trabalham.

Esse tipo de “modernidade” realmente o PT e os

demais partidos da Frente Brasil Popular não se dispunham

a assumir. É certo que, ao contrário das

mentiras espalhadas, Lula não pretendia estatizar a

economia além do que já estava. Em alguns casos,

até, seria possível privatizar empresas estatais que

não se enquadravam na categoria de estratégicas

para o desenvolvimento nacional. Mas isso realmente

não era o cerne da questão. Para nós, o essencial

mesmo era, como ainda é, a reforma democrática

das estatais, colocando-as sob o controle da sociedade,

tanto na definição de suas metas quanto na

verificação de seu funcionamento. Tratava-se de

medida consistente para proteger o patrimônio público,

mesmo no caso de privatização, liquidar com

os excessos e as distorções existentes e colocar as

empresas estatais realmente a serviço da sociedade

e não de poderosos grupos econômicos. Com isso,

seria revertido todo o mecanismo de privatização

das estatais, num processo que chamamos de desprivatização

do Estado.

Por outro lado, em certo sentido o programa de

governo de Lula trazia implícita a proposta de um

capitalismo do povo antagônico ao do senador Cam55

QUASE LÁ

pos. Enquanto neste o capitalismo democratiza, ou

socializa, a miséria, a fome, o desemprego, o salário,

concentrando a riqueza nas mãos da minoria, no capitalismo

reformado do governo Lula o que se pretendia

era democratizar o capital através de uma profunda

redistribuição da renda. O novo modelo econômico

projetado no programa da Frente Brasil Popular

definia mudanças no papel do Estado na economia, a

reforma do sistema financeiro, novas políticas reguladoras

do funcionamento do capital nacional e estrangeiro,

tratamento diferenciado da dívida externa

e da dívida interna e reforma agrária. Tudo em função

de descentralizar o capital, criando uma nova lógica

de funcionamento cujo parâmetro principal passaria

a ser o benefício do conjunto dos membros da

sociedade, suas maiorias. Em outras palavras, a democratização

da propriedade e a socialização de seus

benefícios, rumando para uma sociedade bem diferente

da atual, uma sociedade socialista.

Também ao contrário do que se propalava, o governo

Lula não pensava em expulsar as empresas de

capital estrangeiro, ou impedir sua entrada no país.

O programa da Frente simplesmente não aceitava o

modernismo, a bem da verdade já predominante nas

hostes do Império antes da implantação do regime

militar, de abertura desregrada das portas do país

ao capital estrangeiro. Embora já tenha amadurecido

entre nós a idéia de que não é possível fugir do

processo de internacionalização crescente da economia,

isso não significa que não se estabeleçam

normas de relacionamento com o capital estrangeiro

que garantam a soberania nacional e tragam al56

QUASE LÁ

gum tipo de benefício para o conjunto da sociedade.

Do jeito que está, o modernismo da integração ao

mercado internacional transforma o Brasil numa casa

da mãe Joana onde só lucram as multinacionais.

De qualquer modo, alguns se preocupavam com as

acusações e sempre cobravam que fôssemos ainda

mais modernos, o que nos levava a desconfiar de possíveis

arcaísmos escondidos num ou noutro ponto do

programa, o que afinal de contas seria até natural.

Assim, ficamos aliviados quando o professor Bresser

Pereira, em sucessivos artigos na revista IstoÉ Senhor,

apontou que aqueles pontos atrasados situavam-se no

radicalismo da retórica do PT e no apoio de setores

de trabalhadores que não tiveram condições de se

integrar nos ramos modernos da economia.

O ex-ministro Bresser afirmava não ter diferenças

tão grandes com o conteúdo do programa de governo

de Lula, considerando-o moderno em muitos pontos,

mas estimava não passarem de retórica radical

as propostas de rompimento com o FMI, manutenção

integral do setor produtivo estatal e as ameaças

de estatização dos bancos privados. É lógico que não

concordamos com a parte final dessa avaliação. O

professor Bresser não se deu conta de quão distorcida

era essa visão do radicalismo retórico do PT, nem

mesmo quando confirma não haver, nos 13 pontos do

programa democrático e popular, nada que se assemelhe

a qualquer proposta de implantação de uma

república sindicalista. O contrário, aliás, do que bradava

nas mesmas páginas da IstoÉ Senhor de 6 de

dezembro o antigo serviçal do general Figueiredo, Sãid

Farhat, acusando Lula de pretender que tal república

57

QUASE LÁ

sindicalista fosse dirigida pela “pelegada desvairada”

que iria virar o país pelo avesso.

Felizmente, o jurista Raymundo Faoro estava atento,

e na edição seguinte mostrou que essa interpretação

parva do programa do PT, transformada numa

interrogação torta e demagógica, queria enxergar

na participação ativa da sociedade civil, organizada,

a democracia direta, hostil a todos os mecanismos

representativos. Com sua costumeira erudição histórica,

o professor Faoro pôs em evidência o absurdo

e a ignorância desse ataque à participação da sociedade

civil na função política de corrigir, emendar

e fiscalizar o Congresso, a burocracia civil e militar,

o Judiciário, enfim, as instituições. E mostrou que,

afinal, é nessa participação que consiste a efetividade

plena da democracia. Para completar, o professor

Faoro indicava que essa tese do programa da Frente

Brasil Popular nada tinha de novo, sendo antiga de

mais de dois séculos, como parte da doutrina de

Montesquieu e Tocqueville.

Estes dois velhos liberais, como disse o professor,

são muito radicais para o Império dos potentados

brasileiro. O conceito de democracia diz que todos

têm as mesmas possibilidades, acesso à informação

e igualdade de oportunidades. Mas esse tipo de democracia

não existe no Brasil. Nestas condições,

Bresser Pereira há de convir, qualquer retórica que

reiterasse o compromisso de construir uma democracia

efetiva da maioria, que garantisse a mais ampla

participação popular nas decisões do governo e

desse origem a um poder que fosse expressão da

vontade dos trabalhadores e do povo, haveria sem58

QUASE LÁ

pre de soar como o grito radical mais lancinante aos

ouvidos moucos dessa minoria que se acostumou a

tudo ter e a nada ceder.

Passada a campanha, é justo reconhecer que fizemos

um programa das maiorias. Mas talvez não tenhamos

sido tão radicais quanto essas maiorias e

seus ouvidos abertos esperavam que fossemos. Fomos

radicais no conteúdo de nosso programa de

governo, mas tímidos e elitistas na forma de apresentá-

lo. Se há alguma lição que Collor possa nos

ter dado, é essa: possuía o apoio dos setores arcaicos,

tinha um programa de conteúdo conservador e

retrógrado, mas pareceu moderno porque utilizou

uma retórica populista que soou radical. Com isso

ganhou parte das maiorias que contemplávamos no

nosso programa de governo.

59

QUASE LÁ

O Império não perdoa

O fúrher é o executor da vontade do

povo, daquela vontade imanente

de auto-afirmação que

é inerente a cada povo.

Otto Dietrich, chefe de imprensa

da Alemanha nazista

1. Interesses divididos

No início de 1989, Brizola e Lula encontravam-se

numa posição privilegiada nas primeiras pesquisas

de preferência eleitoral. Em janeiro, a pesquisa

Gallup feita para a revista IstoÉ Senhor apresentava

Brizola com 12,3%, Lula com 12,1% e Sílvio Santos

com 10,8%. Collor aparecia então com 6,5% das preferências,

na frente de Quércia com 2,8% e Covas

com 2,5%. Na pesquisa Ibope de março, Collor despontou

com 10%, em terceiro lugar, precedido de

Brizola com 17% e Lula com 16%.

Nessa ocasião, apenas Brizola, Lula e Collor tinham

suas candidaturas definidas, mas poucos acreditavam

na seriedade da candidatura Collor e muitos, como

vimos, duvidavam das possibilidades de Lula. Brizola

era o fantasma que atormentava o sono das elites,

particularmente porque surgiam especulações de que

poderia unir suas forças às do metalúrgico, criando o

que alguns chamavam de monstro Brizula. Esta perspectiva

levou as hostes do Império a viverem um medo

60

QUASE LÁ

permanente, o pesadelo constante de uma possível

vitória da esquerda. Em alguns momentos, esse medo

fez aumentar na mesma intensidade a angustiante

procura de alguém de confiança que pudesse unificálas

e livrá-las daquele pesadelo.

Enquanto, no Planalto, Jânio era visto como a

salvação, outros setores imperiais definiam o perfil

ideal a buscar: uma pessoa de passado limpo, de cara

nova e preferentemente de fora do quadro político,

oposicionista ferrenho, com experiência administrativa,

se possível da região Sudeste... com não mais

do que 60 anos para evitar a síndrome de Tancredo.

Este é, aliás, o perfil que a maioria dos eleitores procurava,

conforme indicavam praticamente todas as

pesquisas de opinião.

O problema é que todos os partidos pensavam

possuir em seus quadros lideranças que se amoldavam

àquele perfil. O PMDB com 17 mil vereadores,

dois mil prefeitos, 443 deputados estaduais, 199

deputados federais, 34 senadores, 15 governadores,

seis ministros, 2,8 milhões de funcionários públicos

sob sua gestão e administrando verbas públicas na

ordem de 43 bilhões de cruzados novos, possuía gente

como Quércia, Arraes, Waldir Pires e outros a escolher,

considerando-se invencível, apesar do desgaste

de sua presença no governo Sarney. Mas havia

também o doutor Ulysses, com mais de 70 anos, que

pensava ter demonstrado sua vitalidade na condução

da Constituinte e, com isso, superado na opinião

pública a síndrome de Tancredo.

Bem que se fizeram esforços para levar o doutor

Ulysses a perceber que o seu perfil não casava com o

61

QUASE LÁ

perfil ideal. Até mesmo o poderoso doutor Marinho,

da Globo, investiu na candidatura Quércia como alternativa

de unificação das principais hostes do Império.

Mas o tríplice presidente (do PMDB, da Câmara

e da Constituinte), Ulysses, não quis abrir mão

de seu direito, talvez o último de sua vida, de

candidatar-se à quarta Presidência, a da República.

O PFL, por seu lado, considerava-se com cacife

idêntico. Dono de uma das maiores bancadas do

Congresso, administrando inúmeros municípios,

com vários ministros no governo Sarney e homens

públicos de projeção como Marco Maciel, Aureliano

Chaves, Hugo Napoleão, Jorge Bornhausen e outros

mais (até Sílvio Santos), via qualquer um desses enquadrado

facilmente no perfil de candidato ideal, a

seu ver um centrista. Porém, como cada um supunha

que o terno lhe caía melhor, a pendência foi

para disputa na convenção e as chamadas bases do

partido decidiram que aquele perfil havia sido traçado

à imagem e semelhança do engenheiro Aureliano

Chaves. As bases também erram, que se há de fazer?

Tirando a enxurrada dos pequenos partidos de

aluguel que lançaram nomes sem expressão real,

havia ainda o PDS e o PTB no espectro conservador,

apresentando os casos patológicos de Paulo Maluf e

Affonso Camargo, sempre dispostos a sacrificar-se à

moldura de qualquer perfil.

E para não cometer uma completa injustiça, não

devemos esquecer do homem que, à espera de que

juntos chegássemos lá, ameaçou atropelar na corrida,

mas não tinha estofo nem estrutura para o embate

– Afif Domingos, do PL.

62

QUASE LÁ

O fato é que, com todos esses candidatos, as forças

conservadoras do Império (PFL, PDS, PTB, PDC,

PL e parte majoritária do PMDB), que administram

ainda hoje cidades onde residem mais de 50% dos

brasileiros, (a população das cidades administradas

pela esquerda – PT, PDT e PSB – compreende somente

27% do total), não conseguiram acertar seus

ponteiros para a unidade. Com certa razão, cada

hoste raciocinava que as eleições em dois turnos

haviam sido pactuadas justamente para isso: definir

o melhor de voto entre eles, na primeira rodada,

para que na segunda se compusessem.

Mesmo com os indícios do crescimento da esquerda,

decidiram correr o risco. Afinal, Brizola era somente

uma hipótese, mesmo assim longínqüa. Lula

e Brizola concorrendo entre si, o mais provável era

dar Covas se a esquerda chegasse lá. Isso, mais interesses

personalistas e projetos políticos e econômicos

diferenciados, mantiveram as elites do Império

divididas durante todo o curso da primeira rodada.

O processo de transição, afundando na crise e

na desmoralização a maioria dos líderes e ideólogos

do Império deixou-lhes esse legado.

Mas deve-se reconhecer competência no Império

ao conseguir preservar da degradação os esteios ou

trincheiras fundamentais de seu sistema de dominação:

os meios de coerção e os meios de comunicação,

informação e reprodução ideológica. Foi o que

permitiu às elites, desunidas quanto ao melhor nome

para disputar e vencer o governo, não titubear em

unir-se para atacar seus inimigos comuns.

63

QUASE LÁ

2. O fim da trégua

Os meses imediatamente posteriores a novembro

de 1988 permitiram uma certa trégua ao PT. As vitórias

eleitorais do partido em grandes capitais como

São Paulo, Porto Alegre e Vitória foram impactantes.

Embora alguns falem da tática maquiavélica de destacar

o alvo para melhor metralhá-lo, até a TV Globo

chegou ao ineditismo de preparar um programa

Globo Repórter simpático ao PT. Entretanto, já em

fevereiro, a persistência de Lula em bons índices de

preferência eleitoral mudou completamente o humor

do Império.

Fim da trégua. Lula e o PT passaram a ser bombardeados

diariamente, de todos os lados e por todos

os motivos. Em fevereiro mesmo O Globo “denunciou”

a existência no PT de um Projeto Impacto,

que serviria como senha básica para tentar levar Lula

à Presidência da República. Tal projeto, tão bem sucedido

às vésperas do 15 de novembro de 1988, segundo

o escriba do doutor Roberto Marinho, consistiria

em provocar novamente, no mês anterior às

eleições (outubro de 1989), algo de grande intensidade

dramática, como os incidentes em Volta Redonda

ou uma greve geral com objetivos de extenso

impacto popular.

Nossa desconfiança de que esse projeto realmente

existia, não no PT, mas sim no quartel-general

paralelo do Império, montado no escritório do advogado

Jorge Serpa, no Rio, confirmou-se na última

quinzena da campanha com a guerra suja, de profunda

intensidade dramática, lançada contra Lula.

64

QUASE LÁ

Na primeira fase, porém, de fim de trégua e reinício

das hostilidades, os ataques se voltaram primeiro

para desenvolver a guerra de nervos e demonstrar

que Lula e o PT eram financiados do exterior. O Estado

de S.Paulo de 26 de fevereiro de 1989, por exemplo,

ao noticiar uma das viagens de Lula ao exterior,

estampa a manchete “Lula está na Europa, atrás de

dinheiro”.

Dois dias depois, O Globo tenta o golpe de misericórdia,

acusando os dirigentes petistas de darem

tratos à bola para fazer entrar no país os recursos

obtidos no exterior e explicar à Justiça Eleitoral sua

origem. O periódico do doutor Marinho chega à sofisticação

de calcular, não se sabe como, que a nova

previsão de gastos da campanha Lula seria de US$

25 milhões, contra a estimativa anterior de US$ 6

milhões. Obter a diferença, segundo a notícia, não

seria o problema dos dirigentes do PT, mas sim como

trazê-la.

Esse tipo de guerra difamatória alcançou um de

seus momentos mais grotescos com a nota que a

colunista Joyce Pascowitch publicou na Folha de

S.Paulo em 31 de março. Ela simplesmente contou

que, logo após aterrissar em São Paulo, voltando do

exterior, Lula teria sido convocado para uma reunião

com empresários que coletam o lixo da cidade.

Eles teriam pedido ao presidenciável que

agilizasse o pagamento dos US$ 30 milhões devidos

pela Prefeitura ao setor; em troca, dariam uma contribuição

de US$ 3 milhões para sua campanha.

Uma semana após, sob a ameaça da direção da

campanha de Lula de processá-la por calúnia e difa65

QUASE LÁ

mação, a colunista viu-se na constrangedora situação

de escrever: “Erramos. O presidenciável Luiz

Inácio Lula da Silva não participou da reunião em

que quatro empreiteiros do lixo em São Paulo decidiram

pedir seu auxílio para obter o pagamento da

dívida que têm com a Prefeitura. A reunião, na primeira

quinzena de março, decidiu enviar um emissário

a Lula, ao contrário do que deu a entender a

nota ‘Coleta de luxo’ publicada quinta-feira passada

nesta coluna”.

Esse foi o jornalismo que, como regra, tivemos de

enfrentar durante toda a campanha. Mesmo quando

nossa pressão conseguia fazer com que retificassem

uma ou outra informação distorcida, sempre havia

um meio de ainda deixar ambigüidades, como a nota

acima. Basta repassar a imprensa desse período, que

foi o inicial, para reunir um extenso dossiê de reportagens

insinuando a descoberta de ações ilegais,

documentos e apostilas sobre adestramento armado,

danificação de equipamentos, falta de atendimento

emergencial à população nos serviços chamados

essenciais em greve, atentados à bomba, ameaça de

atentados, tudo imputado ao PT e à CUT.

Havia ainda o registro de boatos, dando conta de

conversas conspiratórias na área da direita para deixar

Lula ganhar e depois desestabilizá-lo. Ou as desinformações

deliberadas em torno do programa de

governo de Lula, ora taxando-o de liberal, supostamente

objetivando não assustar ao centro, ora qualificando-

o de estatizante ou como algo demagógico,

para ganhar apoio mas não ser aplicado caso a

eleição de Lula se concretizasse.

66

QUASE LÁ

Os ataques mais potentes dessa fase, porém, foram

desfechados contra o apoio às greves de trabalhadores.

Entre março e maio de 1989 foram publicadas

reportagens sucessivas contra o movimento

sindical, Lula e o PT. Primeiro, Lula foi acusado de

fugir da greve geral ao cumprir o roteiro de viagem

ao exterior, há muito planejado. É provável, naquelas

circunstâncias, se houvesse adiado os compromissos

de viagem, que fosse acusado de ter permanecido

no Brasil para estimular a baderna. Aliás, é

o que fez a revista Veja de 29 de março, quando

insinuou que Lula não tinha noção do que estava

dizendo ao considerar as ocupações de empresa boa

forma de os operários conseguirem aumento de ordenados.

Para ela, isso feria o direito de propriedade,

um dos direito constitucionais elementares.

Veja chamava de baderneiras as greves da Mannesmann,

Belgo-Minera e Mafersa, onde os operários

ocuparam as instalações. Porém, viu-se obrigada

a reconhecer que naquelas empresas não foram

danificados quaisquer equipamentos. Assim, em lugar

de ressaltar o fato de que as ocupações visavam

justamente evitar depredação do patrimônio, num

momento em que os patrões endureciam as negociações

e a direta realizava provocações e atentados, a

imprensa, a exemplo de Veja, carregava no tom para

demonstrar a existência de um pretenso clima de

guerrilha.

A maior parte da imprensa usava termos idênticos

para caracterizar a responsabilidade de Lula e

do PT nos movimentos grevistas: “Lula voltou ao ABC

e radicaliza discurso” (Jornal da Tarde, 26 de abril);

67

QUASE LÁ

“nas greves mais importantes desde janeiro, o tom

tem sido dado pelo setores mais radicais do PT” (O

Globo, 7 de maio); “ Lula quer greve longa, de mais

de 60 dias” (Jornal da Tarde, 10 de maio); “escalada

violenta das greves”, “depredações e vandalismo

na Volkswagen apontam para o perigo da radicalização

na onda grevista que percorre todo o país” (Veja,

17 de maio).

A explosão de uma bomba de São João, mais conhecida

como cabeça de negro, nas mãos do bancário

Antonio José dos Santos, em Recife, aumentou a

histeria contra Lula. Tudo era motivo para socavar

sua candidatura. O governo editou a Medida Provisória

no 50, propôs a regulamentação do Estado de

Defesa e autorizou o Estado-Maior do Exército a convocar

as Polícias Militares, alegando a produção de

um oceano de greves, ao ritmo de uma a cada duas

horas. Uma bomba de alto teor explosivo derrubou,

em Volta Redonda, o monumento em homenagem

aos operários mortos durante a invasão da CSN por

tropas do Exército, em novembro de 1988, e Sarney

foi para a sua Conversa ao Pé do Rádio alertar o

país contra o terrorismo.

Parece piada, mas ele considerou que não era possível

que acontecesse “o que aconteceu no Recife,

quando um ativista sindical colocou uma bomba em

um banco particular, o que podia ter causado a morte

de várias pessoas”, o que, aliás, foi considerado

improcedente pela Justiça, que absolveu o bancário.

Quanto aos episódios de Volta Redonda achou,

compungido, serem “lamentáveis”. Ou seja, uma

cabeça de negro era alto terrorismo que podia ma68

QUASE LÁ

tar várias pessoas, mas os 30 kg de explosivos colocados

pela direita no atentado de Volta Redonda – capazes

de não deixar “sequer um vestígio do automóvel

usado no Riocentro”, conforme declaração do perito

Carlos Alberto Maulaz de Sã, da Polícia do Rio de Janeiro

– não passariam de um ato lamentável.

A desproporção entre os casos é evidente para

qualquer leigo. Mesmo assim, isso não impediu que

Gilberto Dimenstein, na Folha de S.Paulo de 16 de

maio, desenvolvesse o mesmo raciocínio absurdo de

que “a bomba do PT é pior do que a do Riocentro”.

Tudo porque o importante para o Império era jogar

sujo e pesado para demonstrar que o PT era o partido

da subversão revolucionária, responsável pelas

greves e atentados e valhacouto de minorias impatrióticas

que, conforme disse a Ordem do Dia dos

ministros militares da época do Dia da Vitória, em 8

de maio, “enganam a classe operária, utilizando o

sagrado direito social – a greve – para intimidar a

sociedade e desarticular os meios de produção, quase

sempre contra a vontade dos trabalhadores que

desejam manter as suas organizações em funcionamento”.

Entretanto, os mesmos órgão de imprensa que

transcreveram as palavras duras dos ministros militares

noticiaram que Vicentinho, presidente do Sindicato

dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo

e militante do PT, fora derrotado na assembléia da

categoria ao defender a aceitação da proposta de aumento

de 45%. Aí, não se viu nem ouviu dos meios

de comunicação nenhuma palavra, nenhum comentário,

nenhuma comparação entre a realidade da

69

QUASE LÁ

insatisfação da esmagadora maioria dos trabalhadores

com a intransigência patronal e a política econômica

do governo, de um lado, e as calúnias, interpretações

mentirosas e distorcidas dos altos escalões

governamentais sobre a ação de Lula e do PT

nas greves, de outro lado.

O que realmente valia era o plano de desestabilização

da candidatura Lula, a pretexto de manter a liberdade

e a ordem. A Folha de S.Paulo de 27 de março,

em editorial, chegou ao cúmulo de cobrar do PT

sua opção pública: ou democracia ou política que

conduz à destruição da democracia. Que moral têm

a Folha de S.Paulo, qualquer órgão de imprensa e a

maioria dos partidos políticos para cobrar do PT uma

opção desse tipo? Por acaso, em algum momento de

sua história de 10 anos, o PT deixou de sustentar

com firmeza a defesa intransigente da democracia?

Ao contrário das diversas hostes do Império, que

exigem democracia nos países socialistas mas não a

praticam no Brasil, o PT tem sido coerente na cobrança

de democracia nos outros países, em particular

nos socialistas, e na sociedade brasileira. Mais

do que isso, o PT é o único partido que não só cobra

dos outros, mas pratica a democracia internamente,

mesmo que isso sirva como pretexto para a tentativa

de ridicularizá-lo como partido de muitas reuniões

e poucas decisões.

Por tudo isso, os ataques à posição do PT e de

Lula diante das greves de trabalhadores foram uma

demonstração cabal de que em nenhum momento

Lula e o PT vacilaram no compromisso democrático

dos trabalhadores de lutarem livremente por suas

70

QUASE LÁ

reivindicações, não só na Polônia, na União Soviética,

na China, mas aqui também. Diante dos ataques

ao movimento sindical, o PT adotou a linha do apoio

irrestrito às greves decididas legitimamente, de denúncia

das provocações e de repúdio às aventuras e

métodos de luta isolados.

O PT não se deixou levar pelas propostas do chamado

pacto anti-terror, patrocinado pela Rede Globo,

em maio, com o apoio de Sarney e Roberto Freire,

por considerar que era um pacto com os próprios

terroristas, que impediria a opinião pública de diferenciar

os verdadeiros responsáveis pela onda de

intranqüilidade que impuseram ao país. Preferiu, ao

contrário, concentrar esforços na denúncia firme dos

atentados terroristas e na articulação de uma campanha

em defesa dos direitos e liberdades políticas,

ao mesmo tempo mobilizando os trabalhadores e o

povo para derrotar a Medida Provisória no 50 e outras

que visavam golpear a democracia.

O Império, porém, não descansava na busca de

novos alvos no PT. Talvez, por essa razão, lendo os

jornais do período de março a junho de 1989, qualquer

leitor medianamente atento terá a impressão

de que praticamente todas as prefeituras brasileiras

– mais de quatro mil – eram governadas por prefeitos

do PT. Nos jornais, nas rádios e nas tevês só apareciam

notícias das prefeituras petistas, na maioria das

vezes induzindo a população a pensar que nessas cidades,

como dizia O Globo de 8 de março, ia-se cumprindo

o temeroso vaticínio de que se transformariam

num espetáculo anti-turístico de imensas cavernas

e túneis inacabados, a exemplo de São Paulo.

71

QUASE LÁ

Nesse mesmo período, o Império dá um exemplo

transparente de sua disposição de utilizar os golpes

mais baixos e sujos, mesmo em grande escala se isso

fosse necessário, para destruir a candidatura Lula e

abrir espaço para que o candidato das elites com

maior chance pudesse se projetar para vencer. No

início de maio, a imprensa deu destaque ao fato de

que Lula tinha uma filha, Lurian, fruto de um romance

com a enfermeira Miriam Cordeiro anterior

a seu casamento atual.

Embora o nome de Lurian constasse das biografias

de Lula, nisso incluída a existente no Congresso

e a publicada pela coordenação da campanha, a maior

parte da imprensa simplesmente ignorou esse fato

e procurou de todas as formas criar a impressão sensacionalista

de que Lula havia se negado a reconhecer

a filha por longo tempo. O candidato Paulo Maluf

– como na Máfia, há sempre alguém do Império encarregado

de fazer algum tipo de trabalho sujo –

por diversas vezes durante a campanha repetiu a

versão caluniosa, apesar de o deputado Roberto Freire,

candidato do PCB, afirmar para quem quisesse

ouvir que mais de dois anos antes sabia publicamente

da existência de Lurian. O problema é que os órgãos

de comunicação do Império não tinham interesse

em ouvir isso. O que importava eram as declarações

de Miriam Cordeiro acusando Lula de “não

dar à filha uma pensão mensal à altura dos rendimentos

que recebe”, mais uma vez apesar das declarações

em contrário da mãe e da irmã da própria

Miriam, as pessoas que realmente criaram Lurian.

Tal insistência dos grandes meios de comunica72

QUASE LÁ

ção nesse assunto, às vezes fazendo-os descambar

para um tipo de imprensa que normalmente chamamos

de marrom (por coincidência o ex-candidato

Marronzinho é o tipo mais característico dessa linha

de imprensa), não passou despercebida a José

Cavalcanti Filho, articulista da Folha de S.Paulo, que

em sua matéria de 4 de maio lamentou que Lula tivesse

se tornado vítima desse “sensacionalismo que

em nome da liberdade de imprensa espalha ao vento

sentimentos, relacionamentos afetivos, questões que

sequer remotamente se referem a sua ação política”.

Porém, nem de longe essas tramas e golpes sujos

se comparam aos empregados no final da campanha.

Foram somente os primeiros indícios das “baixarias”

que se tornaram marca registrada do Império

e do candidato que se credenciou a representálo

no segundo turno, marca que colocou à mostra a

verdadeira natureza da candidatura Collor e o que o

Brasil deveria esperar dele caso fosse eleito.

3. Collor: uma estratégia de combate

A ofensiva de desestabilização do Império contra

a candidatura Lula coincide, no tempo, com a definição

das demais candidaturas. Os violentos ataques

contra o PT e seu candidato o empurraram para o

fundo do poço das preferências eleitorais, abriram

espaço para que outros candidatos das elites despontassem

e alimentaram a esperança de que a disputa

final ocorresse entre dois candidatos das próprias

elites, enterrando as possibilidades de uma

alternativa de esquerda.

73

QUASE LÁ

Entretanto, com mais rapidez do que a queda de

Lula, Fernando Collor de Mello dava um salto espetacular

nas preferências eleitorais. No início de fevereiro

ainda aparecia com 5% das intenções de voto.

No fim de março passou para 9%, no final de abril

estava com 20% e a 2 de maio pulou para 32%. Em

junho alcançava mais de 40% e em agosto o Instituto

Gallup divulgou que o candidato do PRN tinha

45% das preferências. A impressão de que poderia

vencer com mais de 50% dos votos no primeiro turno

parecia próxima de concretizar-se.

Collor aparecia, assim, como uma verdadeira nave

de combate do Império, credenciando-se para enfrentar

e derrotar em grande estilo as candidaturas

de esquerda. Mas a aceitação desse fato não foi tranqüila,

nem à direita nem à esquerda.

Embora Collor pertencesse a uma antiga família

das elites, proprietária, em Alagoas, da TV Gazeta

(associada da Rede Globo), de 13 emissoras de rádio

e do jornal Gazeta de Alagoas, a direita não o

levava a sério e desconfiava dele. Em grande medida

Collor alimentava essa desconfiança ao recusar,

embora apenas de público, o apoio dos empresários

e dos militares, ao chamar o general Ivan de Souza,

chefe do SNI, de “generaleco de um serviço falido”

e ao condenar as elites pela situação em que estava

mergulhado o país.

Quando afirmava que sua candidatura aterrorizava

tanto a direita, por ser independente em relação

aos segmentos conservadores, quanto a esquerda,

por praticar o discurso dela, ele estava exercitando

aspectos importantes de sua estratégia diversionista,

74

QUASE LÁ

na qual a negação do apoio dos empresários e dos

militares, o moralismo, a caça aos marajás e corruptos

e o combate aos políticos e a Sarney constituíam

as vigas mestras.

Somente atacando os empresários e Sarney poderia

Collor encarnar o sentimento de indignação da

população brasileira, que deveria ver nele, conforme

declarou ao Jornal do Brasil de 14 de maio, alguém

que vai em seu nome à desforra, que vai restaurar

a dignidade e resgatar a honradez, o caráter

e a vergonha. Contraditoriamente, para sustentar

sua campanha de estilo empresarial, Collor precisava

do suporte dessas elites que atacava e repudiava.

A costura desses apoios, em especial dos poderosos

grupos econômicos formados por banqueiros, latifundiários,

grupos agroindustriais e grandes empresários

do setor de comunicação de massa, que preferiam

ficar na sombra, foi fundamental para que

pudesse manter-se à frente da disputa eleitoral a partir

do momento em que o quadro das candidaturas

se definiu.

À esquerda, a maioria dos petistas e demais militantes

da Frente Brasil Popular esperava que Collor

despencasse nas pesquisas na medida em que fosse

obrigado a participar dos debates e a verdadeira natureza

de sua candidatura viesse à luz. Ainda em

setembro, na reunião do Diretório Nacional do PT,

os companheiros do Rio Grande do Sul destacavam

a necessidade do combate intransigente a Brizola.

Achavam que Collor estava em queda livre, abrindo

novos horizontes na campanha e uma tendência à

redistribuição dos votos. Pensavam que o Império

75

QUASE LÁ

procurava um candidato mais confiável e que o PT

deveria ter postura clara de ataque a Brizola.

Como os companheiros de Minas Gerais estavam

meio alarmados com a subida de Afif e o deslocamento

para ele dos votos de Collor, a onda para bater

em Brizola como adversário principal subiu muito

e até ameaçou inundar a campanha. No final,

porém, prevaleceu a opinião de que Collor, apesar

da queda que experimentava então, ainda era o adversário

contra quem o PT deveria polarizar prioritariamente.

Essas dificuldades foram, de certo modo, compreensíveis.

Realmente, em setembro, Collor entrou em

queda acentuada, voltando aos 32% das preferências

que havia alcançado em maio. Isso levou muita gente

que havia collorido a debandar. Na ocasião, o próprio

Collor revelou haver sido vítima de pelo menos

seis manobras destinadas a prejudicar sua campanha.

Duas sob responsabilidade do doutor Roberto

Marinho (será verdade?) e de Jorge Serpa (outra vez

o estado-maior paralelo!), que tentaram promover

Covas após o discurso propondo o choque de capitalismo

e estavam por trás da ascensão de Afif; três

sob a batuta do incompetente Sarney, que tentara

transformar Jânio Quadros, Oscar Dias Corrêa e

Antonio Ermírio de Moraes em candidatos; e uma

por conta da FIESP, que teria direcionado os recursos

do empresariado paulista para Maluf.

Era natural, assim, com o Império tentando jogar

com mais de um candidato, que tivéssemos dificuldades

em detectar com mais clareza o peso e a força

de cada um dos grupos econômicos e sociais que

76

QUASE LÁ

estavam por trás dos candidatos. No caso de Collor,

para piorar, nós o desprezamos por um longo tempo,

considerando-o simples marionete da Rede Globo, e

desprezamos também a necessidade de analisar com

mais acuidade os grupos que o sustentavam, a força

que representavam e sua estratégia geral.

Apesar disso, havia clareza de que Collor tinha

como público alvo de sua ação eleitoral as camadas

de baixa renda, sem instrução, desempregadas ou

semi-empregadas, socialmente desorganizada, assim

como as classes médias baixas, todas moradoras nas

periferias dos centros urbanos e nas pequenas cidades

do interior, englobando mais de 70% do eleitorado

brasileiro. Collor jogava com o imaginário despolitizado

dessa população, que procurava um herói

que encarnasse a oposição a tudo que a irritava:

marajás, funcionários públicos, Sarney, “classe política”,

partidos, ricos, elites.

Muito acertadamente ele não se preocupava em

ganhar o apoio dos ricos e da classe média abastada

e se jogava contra todas as manobras que significassem

liquidar a possibilidade de uma disputa polarizada

no turno final. Ainda a 27 de março, no Diário

Popular, apostava numa polarização entre ele e Lula,

quando esperava sair vitorioso porque as mudanças

no Brasil não poderiam, segundo ele, ser feitas com

os “métodos violentos” propostos pelo candidato do

PT. A polarização e o medo desses métodos violentos

que Lula nunca sugeriu eram as armas com que

Collor contava para fazer com que os setores das

elites, que não confiavam ou não simpatizavam com

sua candidatura, votassem nele no segundo turno

77

QUASE LÁ

em oposição à esquerda, por falta de alternativas.

Para alcançar esse objetivo, a estratégia de Collor

sofreu quatro inflexões durante toda a campanha.

No período anterior ao programa gratuito de tevê e

rádio, sempre embasado nas constantes pesquisas

do Instituto Vox Populi, seu discurso enfatizou o combate

aos marajás, aos políticos e a Sarney. Dissimulava

com maestria a natureza marajá e política de sua

candidatura e procurava tornar-se intérprete do ressentimento

dos marginalizados e desfavorecidos, indignados

com a situação vigente, com as impunidades

e as injustiças. Como apontou o professor Faoro,

ele construía uma polaridade o povo e eu, eu e o povo,

para negar os desacreditados partidos. E, como conseqüência,

encarnar o herói nacional. Essa opção

estratégica levou-o a uma subida consistente nas

pesquisas eleitorais.

Ao ter início o horário gratuito, Collor aplicou

uma outra variante, com o objetivo de ganhar as classes

médias intelectualizadas. Procurou acentuar suas

propostas de governo, mas a inconsistência delas e

sua falsa embalagem – hoje se sabe que essa percepção

era verdadeira – fez com que iniciasse um processo

de descenso, seja porque os setores médios

visados não acreditavam nele, seja porque à população

despolitizada não interessam propostas daquele

tipo, a maioria incompreensível. Ou, ainda, porque

a população começou a ver velhos caciques apoiando

o candidato que afirmava desprezá-los.

Só com a manobra envolvendo a candidatura Sílvio

Santos, que parecia devastadora para Collor, ele

retoma sua variante inicial de ataques. Desanca

78

QUASE LÁ

Sarney e parte para o confronto com seus concorrentes

na faixa da direita, em especial com Afif, para

estancar a sangria que estava sofrendo e parar a queda,

o que finalmente conseguiu, chegando à apuração

do primeiro turno com 20 milhões de votos, ou

29% do total.

No segundo turno, para colocar-se à altura do programa

da Frente Brasil Popular, Collor tentou retornar

à estratégia das propostas e promessas aparentemente

viáveis e passar a imagem de estadista e

vencedor, o candidato dos 20 milhões de votos (qualquer

semelhança com Cyborg, o homem de US$ 6

milhões, é mera coincidência). Ao mesmo tempo,

mantém o sistema de comícios simbólicos que lhe

propiciava visitas rápidas a grande número de pequenas

cidades. Essa estratégia, porém, deixa-o na

defensiva, tendo em vista a maior consistência do

programa e das propostas de governo de Lula, o crescimento

dos comícios da Frente e a aglutinação de

inúmeras forças progressistas em torno da candidatura

Lula. Isso se reflete no primeiro debate em que

se vê frente a frente com Lula e no estancamento de

seus índices de preferência eleitoral.

Collor se vê, além disso, confrontado com a subida

de Lula, que o ameaça seriamente. Nesse momento,

ele é obrigado, mais uma vez, a realizar uma

inflexão estratégica, numa das operações mais obscuras

de sua campanha. Tudo indica que o quartel

general paralelo do Império, montado no escritório

da Candelária do advogado Jorge Serpa, no Rio de

Janeiro, que já vinha realizando uma série considerável

de operações sujas, impõe ao comando oficial,

79

QUASE LÁ

como principal, a linha dos boatos, mentiras e intrigas,

identificando Lula e o PT com greve, baderna,

luta armada, comunismo, estatização e calote, enquanto

identificava a Collor como o combatente da

resistência a tudo isso.

Qualquer que tenha sido o estado-maior a tomar

essa decisão, não há dúvida de que o ex-governador

de Alagoas a aplicou com afinco, explorando os medos

que as classes médias e os setores despolitizados

de baixa renda nutriam em relação aqueles símbolos.

Já então com o apoio explícito de todos os principais

segmentos do Império, ele armou em seqüência

as principais armadilhas para vencer o adversário

à custa de qualquer coisa que fosse necessária.

O suborno e a utilização de Miriam Cordeiro, a entrevista

no Programa Ferreira Neto e sua utilização

no horário gratuito, a estratégia da repetição cínica

de mentiras, mentiras e mais mentiras, a montagem

que a TV Globo fez dos piores momentos de

Lula e melhores momentos de Collor no segundo

debate e a utilização, mesmo parcial, do seqüestro

do empresário Abílio Diniz – tudo isso, e muito mais,

fez parte do arsenal utilizado pelo Império e por

Collor para derrubar o adversário Lula.

Está mais uma vez certo o professor Faoro quando

diz que o povo de Collor não é o povo organizado,

mas o povo como agregado ocasional que lhe permita

construir uma autocracia eletiva. Acrescente-se a

isso o terrorismo psicológico, a mentira, a violência e

o marketing político e teremos as características inerentes

a Collor e ao grupo que o sustenta. Qualquer

semelhança com a história da década de 30 e primei80

QUASE LÁ

ra metade da década de 40 na Alemanha e Itália é,

mais uma vez, espera-se, mera coincidência.

4. No fundo do poço

Em maio, a sorte da candidatura Lula parecia selada.

Depois de haver alcançado os 16% das preferências

eleitorais nas pesquisas do início do ano, em

maio despencara para 8% e continuava em queda.

Mais adiante alguns institutos de pesquisa chegaram

a apontar 4,5% de intenção de votos para Lula,

enquanto Brizola continuava estacionário nos 13%

e Collor atingira mais de 40%. A ofensiva do Império,

desqualificando as administrações petistas, relacionando

greves e baderna, e baderna ao futuro

caso Lula chegasse ao governo, e empregando variados

golpes sujos, parecia haver dado certo.

Diante desse quadro a direção do PT avaliou que

a candidatura Lula havia se beneficiado, no início

do ano, de vários fatores favoráveis. A vitória eleitoral

do PT em diversos municípios importantes, o

desgaste do governo Sarney, o agravamento da crise

econômica, a indefinição do PMDB e de outros partidos,

com ausência de uma candidatura única de

centro-direita, refletindo as divisões nas hostes do

Império, tudo isso permitira o avanço do PT na construção

de uma coligação em torno da candidatura

popular e tornara possível a Lula ocupar um razoável

espaço na mídia.

Entretanto, paralelamente a esses fatores favoráveis,

haviam persistido fatores negativos entre nós.

O comitê político da campanha, que deveria respon81

QUASE LÁ

sabilizar-se pelas decisões políticas mais gerais, não

conseguia manter uma continuidade em seu trabalho.

As principais lideranças partidárias que compunham

o comitê estavam envolvidas nas atividades

das constituintes estaduais, ou diretamente com os

movimentos sociais, ou ainda no processo de preparação

e realização dos encontros ou convenções dos

diretórios municipais e estaduais do partido. A sobrecarga

de trabalho dos dirigentes, já nessa época,

era geral. Por essa mesma razão, a coordenação

operativa da campanha, que deveria montar a infraestrutura

e coordenar a execução prática das decisões

políticas, continuava desestruturada e nem

mesmo possuía sede até maio. Faltavam recursos

humanos e financeiros e a militância não se engajara.

Dessa maneira, ainda por cima subestimando a burguesia

e suas campanhas contra nós, não fomos capazes

de suportar a ofensiva geral desencadeada,

iniciando-se a queda livre da candidatura.

Nessas condições, também, as críticas à coordenação

nacional da campanha tornaram-se ácidas. Na

reunião de junho com os coordenadores estaduais,

alguns criticaram a ausência de Lula nos movimentos

sociais e na greve geral, imputando a isso a queda.

Outros apontavam ambigüidade na candidatura,

já que até o momento não se sabia se ela era do PT

ou da Frente Brasil Popular, levando a paralisação

da campanha. Os companheiros de Alagoas, em particular,

criticaram a direção nacional por não levar

em conta a avaliação que tinham sobre Collor, nem

as recomendações que haviam feito para ter cuidado

com o tipo de denúncia a fazer contra ele, o que

82

QUASE LÁ

poderia transformá-lo em vítima capaz de capitalizar

a solidariedade dos eleitores.

Foi, para falar menos, uma reunião dura, mas decisiva

para empreender as correções que o processo

organizativo demandava. Mesmo assim, quando setembro

chegou a candidatura ainda ia mal. Persistiam

dificuldades em mobilizar o partido, a militância

não se recuperara dos golpes desfechados contra

nós e não se engajara como devia na campanha.

Tão sério quanto isso era o fato de que havíamos

perdido para Collor a faixa do eleitorado despolitizado,

assim como a bandeira da moralização. Freire

conquistara espaços na juventude e na intelectualidade

às nossas custas e Brizola pregava o voto útil a

seu favor para enfrentar o candidato da direita.

Nessa situação, o PT e sua candidatura patinavam

no fundo do poço.

83

QUASE LÁ