.(Clik no item buscado, quando vermelho use o Ctrl+F para encontrar na página)
2. O PT faz alianças, quem diria?
3. Collor: uma estratégia de combate
.
.
.
Índice
.
O Livro
Virando o jogo
Precisamos, sobretudo, fazer de nossa
campanha uma campanha massiva, capaz
de ajudar a fazer crescer o nível de
consciência política de nossa sociedade,
como única forma de garantir a vitória, de
assegurar a posse e de garantir o governo.
Lula, Seminário PT: um projeto para
o Brasil, abril de 1989
1. Final de novela
Verdade: a candidatura Lula patinava no fundo do
poço. Ou parecia patinar. A novela da escolha do
vice, em particular, era angustiante. Comentaristas
e analistas políticos, interpretavam que a queda da
candidatura Lula provocava polêmica acalorada entre
os que a apoiavam, em grande medida para ganhar
espaço na disputa pelo lugar do vice na chapa.
Essa polêmica, tendo como centro a questão do
vice, tanto dentro do PT quanto dentro da Frente Brasil
Popular, durou mais de 60 dias. O PT, na perspectiva
de construir uma coligação mais sólida e disputar para
vencer a campanha eleitoral, desde o início abrira mão
de indicar o candidato a vice. Isso pelo menos é o que
decidira a direção nacional do partido, o que não impedia
que internamente existissem agrupamentos de
filiados, militantes e dirigentes que continuavam advogando
um vice oriundo das próprias fileiras. Às vezes
as motivações eram diferentes, mas todas convergiam
para o mesmo objetivo.
84
QUASE LÁ
As dificuldades dos partidos da Frente em escolher
um nome de projeção nacional, que complementasse
a candidatura Lula, alcançasse o consenso
dentro da Frente Brasil Popular e recebesse a consagração
da militância petista eram, por outro lado,
grandes e reais. Em tais condições era até natural
que alguns nomes do PT, como Benedita da Silva,
despontassem com vitalidade. Deputada federal pelo
Rio de Janeiro, Benedita apoiava a idéia de um candidato
de fora do PT, mas mesmo assim teve seu
nome lançado por companheiros que militam no movimento
negro e no movimento popular, angariou
muitos apoios e aparentou alguma chance até junho.
Mesmo entre os partidos da Frente ela suscitava
simpatias, mas a questão em jogo era cumprir o
acerto de um candidato a vice de fora do PT para
ampliar a Frente e sua base de sustentação.
Outros nomes petistas, como Paulo Freire, Virgílio
Guimarães e Olívio Dutra, também afloraram no bojo
das dificuldades encontradas pela Frente Brasil Popular
para definir o candidato a vice. A direção nacional
do PT não só abrira mão de indicar essa candidatura,
como reiteradamente declarara aos outros partidos
da Frente que cabia a eles tal indicação. Só
que, entre eles, quem se firmava paulatinamente era
o PV, com a indicação de Fernando Gabeira.
Na verdade, o PV traçou como estratégia jogar o
nome de Gabeira na sociedade, como disputante da
vaga de vice na chapa de Lula, e fazer campanha
dentro do próprio PT a favor de seu nome, na suposição
de que, no frigir dos ovos, o que ia decidir mesmo
na escolha era o peso do PT. Embora alguns de
85
QUASE LÁ
nós não concordassem com essa postura, em nenhum
momento colocamos em pauta sua legitimidade e a
achamos natural dentro das regras democráticas.
A estratégia do PV para garantir a indicação de
Gabeira teve um duplo movimento. Por um lado, afirmou
estar disposto a abrir mão de uma candidatura
própria para fortalecer o PT e não fazer campanha
para indicar o vice de Lula, aceitando porém a vaga
se Gabeira fosse convidado. Por outro lado, deixava
clara sua posição de que o fortalecimento do PT visava
levá-lo a aproximar-se das posições que o PV
considerava importantes e instava o PT a manter
coerência na hora da escolha do vice.
Na sua pretensão de orientar politicamente a campanha
de Lula, os dirigentes do PV chegaram inclusive
a fazer críticas públicas às posições de Lula e do
PT. Alfredo Sirkis, que também é vereador no Rio de
Janeiro, afirmou a O Povo, no dia 12 de maio, que a
Frente Brasil Popular queria que Lula tivesse uma
postura de maior distanciamento do movimento sindical,
enquanto Carlos Minc, deputado estadual também
pelo Rio de Janeiro, conclamava Lula, pelas
páginas do Jornal do Brasil de 13 de maio, a parar
de agir como líder sindical nas portas de fábricas e
de fazer críticas à Fiesp.
No momento em que Lula e o PT sofriam a violenta
ofensiva contra o que a imprensa chamava de
grevismo, aquelas críticas soaram como uma soma
ao lado de lá. E obrigaram Lula a reafirmar publicamente
que seu discurso não mudaria e que se tivesse
que ficar contra os trabalhadores em greve para
melhorar seu desempenho eleitoral, preferia deixar
86
QUASE LÁ
de ser candidato e ficar ao lado dos trabalhadores.
Em reunião da Frente, o PV explicou e retificou
sua posição e o incidente foi considerado superado.
Mas a questão do vice continuava. A imprensa entrou
firme na disputa, explorando toda e qualquer
fissura, por mais insignificante que fosse. Gabeira
ganhou espaços inimagináveis em outras circunstâncias.
Dirigentes do PT, como José Genoíno, também
conseguiam espaços na mídia para declarar apoio a
Gabeira por supostamente incorporar uma temática
moderna à candidatura Lula. O modernismo de
Gabeira, destinado a arejar mentes e práticas esclerosadas
na Frente e no PT, era a palavra de ordem
chave para a conquista da indicação.
Notícias dando conta de que saíam da própria direção
da campanha informações sobre a inviabilidade
da candidatura a vice de Fernando Gabeira na chapa
da Frente (ver, por exemplo, a Folha de S.Paulo de
27 de maio), serviam, por sua vez, para minar a confiança
das bases petistas na condução do processo
pela direção, ao mesmo tempo que Gabeira reafirmava
sua disposição de trabalhar pela vitória de Lula
qualquer que fosse o resultado obtido para a escolha
do vice.
O PSB, por seu turno, reivindicava o direito de
indicar o candidato a vice pela Frente. Primeiro lançou
o nome de seu presidente, Jamil Haddad, exprefeito
e senador pelo Rio de Janeiro, que encontrou
pequena receptividade dentro da Frente e menos
ainda dentro do PT. Depois, apresentou Antonio
Houaiss, intelectual de renome, um dos fundadores
do partido e socialista de longa data. O PSB, entre87
QUASE LÁ
tanto, negou-se por um longo período a apresentar
o nome de seu candidato a candidato para disputa
na sociedade. E, quando o fez, com o nome de
Houaiss, o de Gabeira já estava cristalizado em razoáveis
parcelas da militância do PT e na imprensa.
O PCdoB não reivindicava nenhum nome próprio
para a disputa, mas desde o começo deixou evidente
sua posição de que não aceitaria de modo algum
outro nome do PT para a chapa e que trabalharia
por alguém que considerasse capaz de ampliar a sustentação
política da Frente. Durante um bom tempo
o PCdoB trabalhou por um nome suprapartidário,
apoiando os esforços para conseguir a aquiescência
do jurista Raymundo Faoro. Depois tentou
alguém da ala progressista do PMDB, como Arraes
ou Jarbas Vasconcellos, chegando a aceitar a possibilidade
Houaiss.
O PCdoB via em Gabeira uma indicação que restringiria
a base de sustentação da candidatura Lula, o
que levou o PV, em diversos momentos, a afirmar que
sua indicação sofria vetos e que tais vetos não tinham
propriamente uma conotação política. Tratar-se-ia mais
de preconceitos comportamentais. Finalmente, o
PCdoB desenvolveu esforços para atrair o reitor da
Universidade de Brasília, Cristovam Buarque.
O problema é que não se chegava a acordo entre
os partidos da Frente, esgotando-se os prazos para a
decisão a respeito. A situação, confluiu para o 6o
Encontro Nacional do PT, no início de junho, que
teria de escolher entre Gabeira e Houaiss, sem deixar
de lado as propostas em torno de um nome petista.
Na direção do PT havia consenso de que a escolha
88
QUASE LÁ
deveria recair sobre alguém de fora do partido, mas
formaram-se praticamente três correntes, todas partindo
do pressuposto de que a continuação da Frente
era fundamental para assegurar a vitória.
Uma corrente ponderável, representada por Plínio
de Arruda Sampaio, Hélio Bicudo e Francisco Weffort,
era contrária à aprovação do nome de Gabeira por
considerar que ele prejudicava a continuidade da Frente
e abriria enormes flancos aos ataques dos candidatos
adversários. Outra, defendida particularmente por
José Dirceu, Luis Gushiken e José Genoíno, apostava
na manutenção da Frente mesmo com o lançamento
de Gabeira e trabalhava para ver seu nome aprovado
no 6o Encontro. Uma terceira, representada por
Eurides Mescolloto e Geraldo Magela, e na qual eu
me incluía, considerava que a escolha de Gabeira ou
Houaiss levaria ao rompimento da Frente, sendo
necessário que o Encontro delegasse ao Diretório
Nacional a tarefa de buscar um terceiro nome que
mantivesse a coligação.
Na reunião da Comissão Executiva Nacional, realizada
no curso do próprio Encontro, venceu a proposta
de levar ao plenário a disputa entre Houaiss e Gabeira,
caso ficasse descartada a preliminar da busca
de um terceiro nome – como realmente aconteceu.
O Encontro preferiu Gabeira por boa margem sobre
Houaiss. Mas, para efeito de acerto posterior na Frente,
essa escolha foi indicativa, e o Diretório Nacional
autorizado a negociar e até mesmo trocar o nome
escolhido. Na prática, deixou-se aberta a possibilidade
de manter unificada a Frente, se o escolhido pelo
PT encontrasse resistências intransponíveis.
89
QUASE LÁ
A preferência do PT por Gabeira foi considerada
inaceitável pelo PSB e PCdoB, ficando a Frente dividida
em dois contra dois. Pelo acordo de constituição
da Frente, o PT, através do seu candidato, poderia
dar a palavra final, desempatando a disputa. Mas
isso significaria, sem dúvida, a desagregação da aliança,
o que se chocava com a idéia predominante no
PT de que a Frente Brasil Popular era mais importante
do que o vice.
Para piorar as coisas, o discurso de Gabeira no
Encontro do PT, logo após a sua escolha, foi no mínimo
infeliz. Procurou explorar uma possível divergência
entre a direção e as bases do PT, dizendo-se
preferido das bases apesar da restrição da direção, e
lançou-se na aventura de ditar a linha de campanha
que pretendia imprimir a partir daquele momento.
Com isso, conseguiu de imediato colocar contra si
não só a grande parcela da direção que o apoiara na
disputa, como muitos daqueles militantes que tinham
preferência por ele.
Nessa situação, depois de constatarmos não ser
possível contar com Cristovam Buarque, o nome do
senador José Paulo Bisol, então do PSDB, ressurgiu
como viável. Ressurgiu é mesmo o termo, porque
ele havia sido cogitado logo no início do processo e
só não foi convidado porque a construção da Frente
estava dando seus primeiros passos naquele momento
e havia dúvidas se o senador aceitaria deixar o
PSDB. Sua indicação, na primeira semana de julho,
colocou fim à novela da escolha do vice.
Não foi um final completamente feliz. Pareceu
mais um desses finais abruptos que caracterizam
90
QUASE LÁ
algumas séries de tevê, onde alguém entra para dar
gancho a outra novela, como ocorreu com Bisol. Ou
onde alguém sai antes para trabalhar em outra novela,
como aconteceu com Gabeira e o PV. Abandonaram
a Frente e lançaram candidatura própria, apesar
de todas as juras anteriormente feitas de sua
disposição de colar cartazes, distribuir boletins e participar
dos mutirões da candidatura Lula, qualquer
que fosse a escolha final. Parece até que não acreditavam
na possibilidade de Lula sair dos baixos índices
que ostentava e resolveram salvar-se antes do
desastre imaginado. Verdade ou não, o resto todos
conhecem.
2. Contra-ofensiva massiva
Durante o mês de junho os índices de Lula haviam
continuado a cair e em julho estagnaram em torno
de 6%. A coordenação da campanha teimava na linha
de mobilizações, mas não eram raras as pressões
para que fosse substituída pela presença concentrada
do Lula nos rádios e tevês, participando de
programas de entrevistas e debates. Pouco adiantava
afirmar que havia indícios de recuperação e crescimento,
quando as pesquisas simplesmente não
davam qualquer sinal disso. Hoje fico me lembrando
de que ninguém acreditava em pesquisa, mas na hora
do argumento eram elas que valiam.
Assim, corremos o sério risco de modificar a linha
de mobilização massiva em função das pressões
quase insuportáveis que os resultados das pesquisas
geravam. O que salvou a continuidade da estratégia
91
QUASE LÁ
traçada ainda em 1988 foi o roteiro anteriormente
preparado para o Nordeste e o Norte, onde os comícios
fizeram aflorar um ânimo e uma disposição de
novo tipo na militância e na população, apontando
nitidamente para a ocorrência de um processo de
virada.
Na realidade, havíamos iniciado esse processo no
comício de 13 de maio em São Bernardo do Campo,
dentro do cronograma da campanha. Daí em diante,
por todo o Brasil, houve um crescente envolvimento
da militância petista e da Frente Brasil Popular no
corpo-a-corpo com a população, politizando o debate
e chamando os trabalhadores e o povo a mudar a
cara do Brasil. Essa não era nem poderia ser uma
linha eventual de trabalho. A participação popular
não é, para nós, um mote propagandístico, utilizável
de acordo com as circunstâncias do momento.
Acreditamos na força da mobilização popular, inclusive
como forma de abrir espaço numa mídia nem
sempre permeável a nossos fatos políticos.
No caso específico da disputa presidencial de
1989, dada a extrema disparidade de meios materiais
entre as diversas candidaturas do Império e a
nossa, a candidatura Lula só teria viabilidade de vitória
se, realizados os passos políticos quanto à elaboração
programática e à costura das alianças, demonstrasse
um caráter massivo. O próprio processo
para acertar as alianças dependia, em grande medida,
da militância petista ser capaz de articular a
imagem do Lula com idéias-força simples que estimulassem
a espontaneidade, a iniciativa e a participação
populares em larga escala,dando-lhe uma vi92
QUASE LÁ
sibilidade igual ou superior à da campanha das diretas-
já em 1984.
No início da campanha, Lula era o único candidato
com uma estratégia definida de mobilização, com
a programação de atos massivos e comícios. Os demais
candidatos, conforme constatava em maio a
Folha de S.Paulo, haviam programado um corpo-acorpo
com suas bases somente no começo da campanha,
dedicando depois tempo integral para as aparições
no rádio e TV. Comícios só com a garantia de
platéia razoável. Collor chegou a reconhecer que
percebera ser importante ir aos comícios para melhorar
o ânimo na TV.
Nós, ao contrário, já antes do comício de 13 de
maio realizávamos esforços, nem sempre bem sucedidos,
para botar a campanha na rua e buscar o povo
como a base principal para sairmos das dificuldades.
Nossa militância inaugurou comitês populares
em centenas de cidades, lançou a candidatura Lula
em todo lugar onde houvesse oportunidade para isso
e realizou plenárias com apoiadores e simpatizantes
para discutir o engajamento na campanha. Formouse,
assim, a massa crítica para dar a virada.
O comício do dia 13 de maio não foi um grande
comício. Embora as coisas tenham transcorrido razoavelmente
(nem mesmo o telefonema avisando que
havia uma bomba sob o palanque chegou a prejudicar
o andamento do ato), não existia ainda um clima
de muita animação, nem muita disposição de luta.
Chamou nossa atenção o fato de que comparecera
quase tanta gente do interior quanto da capital e do
ABCD. A rigor, talvez não tenha contado com a pre93
QUASE LÁ
sença de 20 mil pessoas, mas serviu para dar o pontapé
a um processo que deveria se tornar irreversível.
Entre o 13 de maio em São Bernardo e o 17 de
setembro na Praça da Sé, em São Paulo, Lula participou
e falou em 53 comícios, para 300 mil pessoas,
em 14 estados. Um comício a cada dois ou três dias,
com a média de seis mil pessoas em cada um. Não
era muito, mas foi o bastante para fazer com que os
outros candidatos mudassem suas previsões e estratégias
e se lançassem à realização de comícios, cavando
platéia de qualquer maneira.
A militância petista, embalada pela aceitação e
simpatia crescente que a candidatura Lula despertava,
passou a mostrar cada vez mais a garra e a
fibra que sempre a caracterizaram. Com criatividade,
produzia material de propaganda, vendia adesivos
e broches, conseguia contribuições e abria espaços
na própria imprensa que majoritariamente trabalhava
contra Lula. O comício de 60 mil pessoas,
no dia 17 de setembro, na Praça da Sé, foi o primeiro
grande comício da campanha, apontando no sentido
de que estávamos mesmo entrando numa nova
etapa do jogo.
Mas esse era o sentimento da coordenação, daqueles
que participavam das viagens com Lula e que
nos mantinham informados, por dezenas de fios, dos
números de cada comício, da animação ou desânimo
da população presente, dos fatos pitorescos ou
dramáticos ocorridos, da combatividade ou frouxidão
da militância e da organização quase sempre
desorganizada da maioria dos atos, apesar do esforço
dos companheiros responsáveis. Isso porque no fim
94
QUASE LÁ
de setembro Lula ainda se encontrava com índices
entre 7% e 8% nos principais institutos de pesquisa.
É certo que uma leitura mais atenta das pesquisas
nos fazia supor mudanças razoáveis no quadro eleitoral.
Collor despencara para 33% das preferências eleitorais,
perdendo 5,7 milhões de intenções de voto
em 30 dias; Brizola continuava estacionado nos 14%;
Covas e Maluf não saíam do patamar de 6%, enquanto
Afif apresentava uma tendência de crescimento que
não correspondia ao seu desempenho.
Em grande medida, só Lula podia aferir com razoável
grau de acerto, através da linha de mobilização
de sua campanha, o crescimento da receptividade
e do apoio a sua candidatura. Depois da Sé, Lula foi
a Teresina, São Luís, Macapá, Belém e Santarém.
Voltou a Fortaleza... Em um mês, até 17 de outubro,
Lula percorreu 30 cidades, levando mais de 400 mil
pessoas às praças públicas para vê-lo e ouvi-lo. Assim,
num único mês, fazendo um comício por dia
para uma média de 13 mil pessoas em cada um, reuniu
mais gente do que nos quatro meses anteriores.
Lula mesmo reconhece que o comício de Teresina
foi onde sentiu o clima de virada – na verdade, ele foi
obrigado a fazer dois comícios seguidos na cidade,
em virtude da enxurrada de pessoas participantes – e
o salto no entusiasmo da população e da militância,
de efeito contagiante, que a Rede Povo passou a aproveitar
muito bem como efeito multiplicador.
Essa linha mobilizadora intensificou-se entre 17
de outubro e 12 de novembro, quando Lula realizou
39 comícios, englobando um milhão e 400 mil pessoas,
uma média de mais de um comício por dia,
95
QUASE LÁ
cada um reunindo mais de 35 mil pessoas. Foi a arrancada
para colocar o Império na defensiva e garantir
o lugar no segundo turno.
Administrando sua escassez, a militância petista
e da Frente Brasil Popular fez das tripas coração,
criou fatos políticos e garantiu uma participação
popular cada vez mais ampla na campanha, não só
através dos comícios com Lula. Os comícios e atos
realizados com a participação de diferentes lideranças
nacionais e estaduais do PT e da Frente contaram
com uma presença da população que superou
quase sempre as melhores previsões.
Mas a mobilização massiva não se expressou somente
por meio dos comícios e grandes concentrações
populares. Foram o trabalho conjugado da militância
e as mobilizações setoriais que permitiram
a participação ativa na campanha dos mais diferentes
segmentos sociais. Foram inúmeros e diversificados
os encontros com sindicalistas, estudantes,
mulheres, jovens, deficientes físicos, negros, intelectuais,
favelados, categorias profissionais, artistas.
Eles refletiram, em certa medida, a inserção das propostas
da candidatura Lula nesses segmentos e suas
esperanças e vontade de não se sentirem apenas
como objetos da ação do governo, mas também como
sujeitos ativos das mudanças desejadas para a sociedade
brasileira.
Provavelmente por isso o processo de elaboração
do programa de ação de governo, o chamado PAG,
tenha incorporado tanta gente. E talvez pelo mesmo
motivo não haja exemplo na história brasileira
de uma participação tão ativa e engajada dos artis96
QUASE LÁ
tas numa campanha eleitoral, como a que ocorreu
na de Lula, contribuindo de forma decisiva para darlhe
a feição alegre e bonita que assumiu. Aos artistas
se deve ainda que o debate cultural tenha assumido
a proporção que alcançou.
Entretanto na estratégia de mobilização massiva
nós cometemos erros que nos custaram caro, particularmente
no segundo turno, mesmo que nos console
a suposição de que eles foram causados ou agravados,
em boa medida, por nossas dificuldades materiais.
Não conseguimos, por exemplo, trabalhar as
pequenas e médias cidades do interior onde a presença
do candidato, até mesmo simbólica, seria essencial.
Isso demandaria uma estratégia de visitasrelâmpago
a um grande número de localidades num
mesmo dia, a exemplo do que Collor fez, com uma
estrutura de comícios e de transporte que não possuíamos.
Por outro lado, isso poderia significar também
uma mudança em nosso empenho de transformar
a campanha eleitoral num vasto debate político,
numa verdadeira revolução cultural, na qual o
papel político e comunicador de Lula jogava um papel
essencial.
Lula teve um papel determinante na estratégia
de mobilização, tanto no aspecto político de sua
participação, quanto no que isso representou de esforço
físico, principalmente se levarmos em conta
que até setembro ele se deslocava pelo Brasil quase
exclusivamente em aviões de carreira. Os números
de sua participação são significativos: entre maio e
junho debateu em mais de 50 plenárias de militantes
e fez quatro viagens ao exterior, num total de 50
97
QUASE LÁ
dias de translados e contatos com governos e representantes
políticos e sindicais. Até o final da campanha
compareceu a mais de 40 programas de rádio e
tevê, concedeu inúmeras entrevistas exclusivas e coletivas,
participou das gravações dos programas de
rádio e tevê da campanha, esteve em todos os debates
entre os presidenciáveis e compareceu e falou em
mais de 150 carreatas, passeatas e comícios.
A rigor, a cada dois dias entre janeiro e dezembro,
ele participou de um comício. Esteve em 23
capitais, sendo mais de uma vez em 14 delas; em
mais de 50 cidades com mais de 100 mil habitantes;
e em 40 cidades com população entre 20 mil e 100
mil habitantes.
A contra-ofensiva massiva da campanha foi um dos
fatores principais para fazer com que Lula se recuperasse
da queda sofrida desde o primeiro semestre
e, a partir do fim de outubro, entrasse em ascensão.
Mas ainda havia armadilhas e obstáculos consideráveis
para chegar à vitória.
3. Vitória
Na reta final da campanha, o Império tentou armar
uma série de novas armadilhas. O caso Lubeca
e a tragédia da favela Nova República, em São Paulo,
foram as principais. No debate entre os presidenciáveis,
na Rede Bandeirantes, no dia 16 de outubro, o
desqualificado e petulante Ronaldo Caiado acusou a
Prefeitura de São Paulo de haver praticado corrupção
para aprovar o projeto Panamby, um projeto de
construção de um complexo imobiliário, da empre98
QUASE LÁ
sa Lubeca. E fez menção de mostrar dois cheques
que teriam sido destinados à campanha de Lula.
Sem qualquer prova consistente, como demonstraram
as investigações realizadas pela Polícia Civil
(estadual), pela Promotoria Pública, pela Polícia Federal
e pela Câmara Municipal da cidade, a acusação
caluniosa ganhou, porém, as manchetes dos jornais,
das rádios e das tevês, tentando mostrar que a
transparência pregada pelo PT não existia.
No caso do desabamento da favela Nova República,
a ação dos candidatos direitistas e da imprensa
orientou-se para demonstrar a incompetência do PT
na administração pública, acusando a Prefeitura de
São Paulo de haver sido negligente na prevenção do
acidente. Aliás, com ou sem motivos, as prefeituras
petistas estavam sempre voltando ao noticiário como
arma de luta contra a candidatura Lula.
Ataques e provocações de outros tipos foram enfrentados
na fase final pela campanha da Frente em todo o
país. Maluf, Camargo e Collor descambaram para o
anticomunismo aberto e multiplicaram as provocações
dos seus cabos eleitorais contra militantes do PT e
da Frente nos roteiros por onde Collor passava.
No entanto, apesar de tudo isso, apesar da truculência
da polícia e de alguns juízes eleitorais, como
os de João Pessoa e Recife, Lula chegou ao dia das
eleições quase certo da classificação para o segundo
turno. Por isso mesmo, a boca de urna do dia 15 de
novembro transformou-se numa grande festa democrática
que transbordou, nos dias seguintes, num
congraçamento da militância de todas as forças progressistas.
99
QUASE LÁ
Mas a angústia foi grande, principalmente pela
disputa palmo a palmo com Brizola. Ainda em setembro
o candidato do PDT aparecia como a alternativa
de esquerda a Collor. Embora estivesse estagnado
nos 14-15% das preferências eleitorais, ele trabalhava
com denodo para garantir sua ida ao segundo
turno, quando esperava ter a seu lado, num palanque
igual ao das diretas-já, Lula, Covas, Miguel Arraes
e até Ulysses Guimarães. Jogou pesado na probabilidade
do voto útil, que chamou de voto de consciência,
direto, elaborado pelo eleitor, mesmo sem acordo
entre as cúpulas partidárias. E, no último debate
entre os presidenciáveis, fez um apelo patético, emocionado,
para que votassem em qualquer um, menos
em Collor, o filhote predileto da ditadura.
Brizola mostrou toda a sua força no Rio de Janeiro
e no Rio Grande do Sul. No Rio conquistou mais
de 50% dos votos e no Rio Grande do Sul alcançou
mais de 60%. Mas, nos demais Estados, sua votação
só foi boa em Santa Catarina (25%) e razoável no
Ceará (18%), Paraná (14%) e Paraíba (13%). Em
Minas Gerais e São Paulo, Estados decisivos em qualquer
disputa nacional, Brizola teve um desempenho
abaixo do sofrível – menos de 4%.
Covas também contabilizou votos preciosos em
São Paulo, onde conseguiu 22% do eleitorado, e no
Ceará e Distrito Federal, onde obteve 17% dos votos.
Quanto a Collor, praticamente ganhou em todos
os Estados, com exceção do Rio de Janeiro, Rio
Grande do Sul, Distrito Federal e Santa Catarina.
Entretanto, a formidável vitória, a vitória política,
contra a lógica, contra as descrenças, contra os
100
QUASE LÁ
temores arraigados, foi a de Lula. Repetindo velhos
chavões, foi uma vitória do fraco contra o forte, da
pobreza contra o poder econômico, da dignidade
contra a indignidade.
Em síntese, é assim que se podem avaliar os resultados
obtidos por Lula no primeiro turno. Mais de
11 milhões e 600 mil votos são a expressão mais legítima
da força real de Lula e do PT, mesmo considerando-
se a participação efetiva do PSB e do PCdoB.
Colocaram à mostra, com bastante nitidez, os pontos
fortes e fracos desse partido que só tem existência
de 10 anos, mas ousou disputar o poder contra o
Império, desafiando todo descrédito e desprezo.
São também esses resultados que melhor exprimem
as dificuldades e as potencialidades de crescimento
do PT e de seus aliados da Frente Brasil Popular,
o papel que essas alianças desempenharam e
os efeitos da propaganda e da ação da militância
engajada na campanha.
Lula obteve votações acima de 20% em Minas,
Espírito Santo, na maioria dos estados do Nordeste
(Bahia, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte
e Piauí), assim como no Amazonas, Amapá e Distrito
Federal, onde foi o primeiro colocado. Em geral,
mostrou crescimento acentuado na maioria das
grandes cidades e capitais. Nas cidades médias e
pequenas, embora seja possível detectar certo crescimento
em comparação com a votação do PT nas
eleições anteriores, a votação de Lula esteve abaixo
das expectativas. O que aconteceu também em São
Paulo, capital e Estado, e em algumas grandes cidades
onde o PT é governo – Porto Alegre, Vitória,
101
QUASE LÁ
Campinas, Santos [ver quadro do desempenho nos
estados e capitais].
Quadro do desempenho
de Lula nos estados – 1o turno
Menos de 10%
RS 6,5
PR 7,8
AL 7,9
MT 9,7
MS 8,5
RR 9,7
TO 8,7
10% a 20%
SP 16,8
RJ 11,8
AC 16,4
CE 11,4
GO 15,7
MA 17,4
PA 18,2
SC 10,1
SE 16,0
BRASIL 16,1
Acima de 20%
MG 21,3
BA 22,3
AP 22,9
AM 20,0
DF 28,2
ES 20,8
PB 21,4
PE 20,6
PI 20,4
RN 21,4
Quadro do desempenho
de Lula nas capitais – 1o turno
Menos de 10%
P. Alegre 6,4
Curitiba 9,9
B. Vista 9,8
10% a 20%
São Paulo 15,2
Rio 11,9
R. Branco 18,5
Maceió 10,5
Fortaleza 14,3
Vitória 19,9
Cuiabá 15,4
C. Grande 11,0
P. Velho 13,2
Florianópolis 11,7
Miracema 10,9
20 a 30%
Macapá 25,4
Manaus 20,8
Goiânia 23,4
São Luís 23,0
Belém 25,1
J. Pessoa 26,9
Natal 29,0
Aracaju 24,6
Acima de 30%
B.Horizonte 30,6
Salvador 39,3
Recife 38,1
Teresina 32,8
102
QUASE LÁ
A votação dos setores organizados da sociedade
em Lula foi bastante representativa da inserção do
PT e demais partidos da Frente, mas a votação dos
setores de baixa renda, sem instrução e desorganizados,
assim como de diversos segmentos da classe
média, em particular do interior, foi muito abaixo
do esperado ou desejado. Não é verdade, porém, que
esses setores tenham votado em Collor e nos outros
candidatos conservadores, como esperava a maioria
dos analistas políticos.
Esses setores devem constituir 70% do eleitorado
brasileiro de 82 milhões de votantes. Ou seja,
aproximadamente 56 milhões, número levemente
inferior ao da soma dos 33 milhões de eleitores semianalfabetos
com os 30 milhões de votantes que cursaram
o primeiro grau. Collor teve realmente a expectativa
de conquistar o apoio completo desses setores
ainda no primeiro turno e evitar a segunda
rodada. Chegou a expressar esse sonho quando alcançou
45% das intenções de voto, em junho. Mas,
no final, teve menos de 21 milhões de votos, o equivalente
a 28,5% dos votantes. Os candidatos conservadores
(Collor, Maluf, Afif, Ulysses etcétera) conseguiram,
no primeiro turno, cerca de 50% dos votos,
ficando praticamente empatados com os candidatos
de esquerda, o que significa que pelo menos
20% daqueles setores despolitizados despertaram
para os problemas da política.
4. Mídia, uma nave do Império
Para conquistar sua classificação para o segundo
103
QUASE LÁ
turno, Lula teve que enfrentar máquinas poderosas.
Mas, como se viu, elas estavam divididas e foi possível
batê-las, apesar dos recursos e meios materiais
que possuíam. Contaram com o apoio de meios de
comunicação, chefes políticos e parcelas consideráveis
da máquina governamental. Empresários investiram
em um ou mais candidatos, fornecendo-lhes
recursos financeiros e materiais e apostando nos
privilégios do futuro. Collor, em especial, contou com
uma sólida sustentação financeira, permitindo-lhe a
montagem de uma máquina eleitoral completamente
profissionalizada, empresarial.
Seu próprio comitê, para atender às exigências
legais, previra um gasto de 100 milhões de cruzados
novos durante a campanha no primeiro turno. Entretanto,
é certo que apenas as pesquisas nacionais
de opinião que o Vox Populi realizou devem ter custado
bem mais do que isso, segundo sabe qualquer
pessoa enfronhada no assunto.
Para cobrir o interior do modo que programou,
visitando 10 a 12 cidades por dia, com equipes precursoras,
diversos conjuntos musicais, número correspondente
de palanques e aparelhagens de som e
iluminação, corpo de segurança e frota de jatinhos
e helicópteros, a campanha collorida gastou uma fábula
nunca inferior a US$ 100 milhões de dólares.
Sua infra-estrutura de comitês e seu sofisticado sistema
computadorizado de coleta e análise de informações,
sua agência de edição e produção de notícias
para jornais, rádios e tevês, além do disque-Collor,
representaram um custo adicional que não se compara
ao de qualquer outro candidato.
104
QUASE LÁ
Collor de Mello tinha, assim, uma estrutura de
campanha incomparável. Muito mais importante,
porém, para a execução de seu marketing político e
para a disputa contra a esquerda, particularmente
contra Lula, foi o suporte escancarado da Rede Globo.
As emissoras do doutor Roberto Marinho se esmeraram
em transformar o playboy em defensor e
vingador dos descamisados e em vender a imagem
de Lula como extremista, incompetente e destruidor
da sociedade brasileira.
No entanto, a Rede Globo foi apenas a ponte visível
do papel que a mídia desempenhou nessa campanha,
não só a favor de Collor ou de algum outro
candidato conservador do Império, mas fundamentalmente
contra Lula, através de uma permanente
guerra de desgaste e destruição, tanto eletrônica
quanto impressa, de sua candidatura. Simples programas
de auditório, nas tevês e nas rádios, a exemplo
dos programas de Paulo Barbosa, Afanásio Jazadji,
Hebe Camargo e outros, transformaram-se em tribunais
eleitorais permanentes de ataque à candidatura
da Frente Brasil Popular, até mesmo ferindo a legislação
eleitoral. As rádios do interior, onde a fiscalização
era ainda mais fraca, tornaram-se instrumentos
de propaganda eleitoral contínua contra Lula.
O Império jogou o que pode na guerra da mídia.
Um vasto rol de indignidades cerca a maioria das notícias
publicadas, desde a sórdida campanha contra o
chamado grevismo e contra as prefeituras petistas –
incluindo-se aí o caso Lubeca e a exploração do desabamento
da favela Nova República –, até as manipulações
para aproveitar as dificuldades do PT na indica105
QUASE LÁ
ção do vice e, depois de escolhido Bisol, para desmoralizar
um homem público acima de tudo honesto.
Será bom relembrar como a imprensa falou em
nepotismo para qualificar a nomeação de um sobrinho
da prefeita Luiza Erundina e de outro do secretário
de Negócios Jurídicos da Prefeitura de São Paulo.
Embora aquelas nomeações sejam passíveis de
crítica, qualquer estudante de nível médio sabe que
nepotismo significa o aproveitamento generalizado
da máquina pública para empregar parentes, do que
nem de longe se tratava. Entretanto, mais importante
será comparar aquela campanha de meses e
meses com as tímidas observações sobre a nomeação
de parentes e parentes de parentes por Collor,
após sua posse na Presidência.
Compare-se, também, a atitude da mídia, primeiro
promovendo Gabeira como a melhor opção para
vice de Lula, depois explorando seu descontentamento
por ter sido preterido e, por fim, simplesmente
esquecendo o candidato do PV à Presidência. Se
Gabeira era um fato político e representava o moderno
na campanha eleitoral de 1989, por que deixou
de ser notícia, por que nada mais do que fazia
repercutiu como candidato a Presidente? Será porque
deixou de ser instrumento eficaz para a desestabilização
da candidatura Lula pela imprensa?
Evidentemente, não se pode negar que, usando
fartamente os recursos materiais com que contava,
a campanha Collor realizou para o horário gratuito
programas de televisão e rádio bem feitos. Conseguiu
até inovar às vezes, como na vinheta em que os
muros da inflação, da corrupção, da miséria, dos
106
QUASE LÁ
marajás, eram destruídos por dois aríetes que se
transformavam nos dois eles de Collor.
Mas esses programas do horário gratuito ficaram
sempre a léguas de distância da importância e
do enorme poder de influência exercido pelos meios
de comunicação do Império, na sua programação
normal de telejornais e revistas de circulação nacional.
Este aparato representou fator decisivo nessa
eleição.
Não por acaso, já em curso a batalha do segundo
turno, a revista IstoÉ Senhor pergunta no editorial
da edição de 13 de dezembro: “Que pode esperar o
candidato Lula das tevês, dos jornais, das revistas?
No máximo que uma ou outra reportagem, um ou
outro artigo, apresentem corretamente os fatos e
os comentem sem preconceito”. E talvez relembrando
o articulista Gilberto Dimenstein, da Folha de
S.Paulo, que relacionou tráfico de influência nos
países socialistas, inchamento da máquina estatal
brasileira e defesa petista do socialismo e da democracia
para chegar à absurda conclusão – transformada
em título de artigo – de que “PT estimula corrupção”,
a mesma IstoÉ Senhor tenha concluído que
inúmeros jornalistas, “servindo sempre e sempre o
poder instituído”, “estimulam a ambigüidade e a
mentira”.
107
QUASE LÁ
Armas desiguais
É fascinante ouvir-se os locutores e
comentaristas repetirem as mesmas frases
feitas, com o apoio de uma expressiva
parcela da imprensa.
Hermano Alves, IstoÉ Senhor,
28 de junho de 1989
1. Compensando as fraquezas
Lula não podia, é verdade, esperar nada dos jornais,
rádios e tevês. Do mesmo modo, seria ilusão
contar com recursos materiais suficientes ou esperar
que os empresários fossem acometidos de uma
febre de bom senso e optassem contra o maior embuste
– o tempo dirá – que este país já conheceu.
Lula contava basicamente com a militância e a simpatia
de grandes parcelas da população.
Nessas condições, realçar as qualidades da militância
engajada em sua vitória – sua garra, entusiasmo,
combatividade e determinação – e transformar
a simpatia da população em participação ativa eram
os instrumentos de que Lula podia se valer para compensar
as fraquezas de sua campanha, que não eram
poucas, e criar condições para disputar a vitória no
segundo turno. Inclusive ampliando suas alianças, o
que se fazia com muita rapidez pela base e já era
visível nas comemorações pela vitória no primeiro
turno. Militantes do PCB, PDT, PSDB, PV, PH e PMDB
108
QUASE LÁ
se juntaram nas ruas aos militantes da Frente, gritando
o já gasto mas nunca esquecido esquerda,
unida, jamais será vencida e forçando as direções
partidárias a se decidir.
Lula saltara, na primeira pesquisa de intenção de
voto após os resultados do turno preliminar, para
38% das preferências, mais do que dobrando seu índice
de votação. Só 11% o separavam do candidato
do Império e o número de indecisos poderia reverter
completamente o quadro da disputa. Mas até a
primeira semana de dezembro a situação das alianças
permanecia confusa, em parte pela ação da mídia
de difundir a impressão de que Lula, o PT e a Frente
seriam incapazes de viabilizar a união com as forças
situadas à esquerda.
Por outro lado, era verdade que o PDT e Brizola
acusavam o PT de ter boas relações com a Rede Globo
e insistiam nas denúncias contra Bisol, criando
uma situação constrangedora. Depois Brizola confirmou
seu apoio a Lula, mas negou-se a subir em
palanque onde o candidato a vice estivesse. Dava,
com isso, incentivo às especulações de que estaria
cozinhando Lula em água fria, na expectativa de que
o metalúrgico perdesse feio e deixasse de constituir
ameaça política a ele, Brizola.
O PSDB, por sua vez, levantava objeções a um suposto
poder sindical proposto no programa de governo
da Frente e também à reforma agrária, pressionando
para que o programa fosse amaciado. Os jornais
adotaram uma tática dúplice: alguns, como o
Jornal da Tarde, criticaram Lula por ser intransigente
ao se negar negociar alguns pontos radicais
109
QUASE LÁ
do programa com os partidos que se propunham
apoiá-lo; outros, como O Globo, acusaram Lula de
trair seus eleitores ao trocar seu programa de governo
pelo apoio do PDT e PSDB, acusação que foi repetida
insistentemente por Collor.
Apesar dessas dificuldades, a tendência das bases
dos diversos partidos situados à esquerda, e até mesmo
do PMDB, levou a que se concretizasse a aliança
consubstanciada no Movimento Lula Presidente. Se
não foi exatamente o palanque das diretas-já, valeuse
de uma sustentação popular nacionalmente mais
ampla.
A campanha engrossou e ganhou uma consistência
popular que nenhuma outra campanha política
apresentou no Brasil, mas não foi capaz de corrigir
com a rapidez necessária as fraquezas estruturais
de que sofria desde o início. Era praticamente impossível
superar, em 30 dias, apesar de todo o afluxo
de apoios, o que não havíamos conseguido resolver
em 10 meses.
Transformar a campanha presidencial no principal
eixo da atividade da militância petista, compreendendo
pelo menos duas centenas de milhares de
ativistas em todo o país, demandava uma série de
ajustes organizativos, das direções às bases. Aquelas
precisavam estabelecer relações adequadas entre as
novas demandas eleitorais e a continuidade das antigas
atividades partidárias no movimento social, no
parlamento e na vida interna do partido. As bases
também precisavam encaminhar sua atenção para a
ação eleitoral, sem perder de vista a criação de canais
ágeis e acessíveis de sua participação popular,
110
QUASE LÁ
maneira de manter o vínculo com a população e os
setores organizados da sociedade. Comitês populares
pró-Lula seriam as principais formas de organização
da campanha para garantir a desejada mobilização
massiva.
Enfrentamos dificuldades sérias para realizar esses
ajustes organizativos. A maioria dos dirigentes
escolhidos para o comitê nacional eleitoral estava
envolvida com atividades parlamentares e partidárias
diversas e as reuniões do comitê dificilmente davam
quórum. Para superar essa dificuldade, formamos um
comitê político mais reduzido, com sete membros,
que também não funcionou pelos mesmos motivos.
Apenas a partir de junho-julho, depois de algumas
discussões sérias com os coordenadores estaduais
da campanha e na Comissão Executiva Nacional,
ocorreu um processo em que a própria Executiva
se transformou paulatinamente na real direção
política da campanha, colocando em desuso os comitês
anteriores. Passou a tomar as decisões a respeito
das articulações para realizar as alianças, da
elaboração do programa de ação do governo, da atividade
parlamentar, da análise da estratégia dos candidatos,
do planejamento dos fatos políticos e da
correção da estratégia e das táticas da campanha.
É nesse mesmo período que membros da Executiva
e outros dirigentes partidários assumem responsabilidades
na coordenação operativa ou executiva
da campanha, preenchendo lacunas que se mantiveram
por muito tempo e superando os problemas da
direção prática da propaganda, programa de tevê e
rádio, imprensa, finanças, mobilização, agenda, pla111
QUASE LÁ
nejamento, análise das informações e fiscalização.
Desse modo, para ser franco, somente em agosto
conseguimos montar uma estrutura razoável de comando
que, ainda cheia de deficiências materiais e
humanas, foi capaz de levar a campanha a um ponto
que apenas alguns de nós imaginávamos possível.
Essa estrutura de campanha precisava combinar
eficiência com escassez de recursos, o que nem sempre
é possível. Dizendo de outro modo, precisávamos
ter uma estrutura operacional enxuta, de baixo
custo, e competente o suficiente para responder às
demandas efetivas da campanha. Ela teria que ser
formada, pois, por profissionais de gabarito, o que
seria factível apenas se tais profissionais aceitassem
trabalhar com grande dose de voluntariado, isto é,
salários abaixo do mercado, e se as demais necessidades
de recursos humanos fossem completadas,
sempre que possível, com voluntários.
Todos os setores ou departamentos de nossa estrutura
de campanha operaram desse modo, mas um
dos exemplos mais significativos da diferença de recursos
entre as estruturas das campanhas Lula e
Collor pode ser observado nos setores de informações
dos dois candidatos. É público que Collor contratou
por um alto preço os serviços profissionais
da CapSoft, uma empresa de consultoria e informática
que montou para ele uma central de computação
e um sistema programado de coleta de armazenamento
de dados que lhe permitia obter as informações
de que precisava de modo extremamente
rápido e completo.
No comitê nacional da campanha Lula também
112
QUASE LÁ
nos preocupamos em montar um setor desse tipo.
Todo mundo sabe que hoje em dia, para acompanhar
a conjuntura e suas mudanças, com o volume
de informações que flui na sociedade, é essencial realizar
um acompanhamento da imprensa (notícias,
análises, comentários), das pesquisas de opinião e
dos boatos que, da maneira mais insólita, atravessam
o tecido social. Mais do que isso, para comprovar
a veracidade das informações detectadas naquelas
diferentes fontes, é fundamental realizar pesquisas
próprias de opinião. Collor, além de contar com
o acompanhamento da CapSoft, realizou pesquisas
constantes de opinião pública através do Instituto
Vox Populi, empresa mineira de pesquisas, de propriedade
de seu amigo Marcos Coimbra Filho.
Em nosso caso, esse trabalho contou fundamentalmente
com a contribuição de voluntários, em virtude
dos altos custos envolvidos. Não tivemos condições de
montar um centro de processamento de dados adequado,
nem de fornecer aos analistas uma infra-estrutura
de trabalho permanente, indispensável para qualquer
política de contra-propaganda e pronta resposta.
Essas deficiências estruturais fizeram com que a coordenação
da campanha demorasse a responder e agir
mais rapidamente diante de alguns ataques do Império.
Causaram uma demora injustificável na análise
dos resultados do primeiro turno e nos levaram a
não adotar medidas mais eficazes no caso do seqüestro
de Abílio Diniz, no enfrentamento da linha de
ataque de Collor no último debate pela televisão e
na desmontagem do sistema de boatos e intrigas
nas duas últimas semanas da campanha.
113
QUASE LÁ
As mesmas dificuldades nos impediram de realizar
pesquisas de opinião próprias. Com muito esforço,
chegamos a realizar duas pesquisas limitadas a
algumas capitais e cidades do interior, quase totalmente
baseadas no trabalho voluntário da militância.
Aliás, foi essa militância que permitiu que chegássemos
quase lá. A militância petista, com a qual
mantivemos mais contato, deu um dos maiores exemplos
de garra, abnegação e criatividade que esse país
já conheceu. Utilizando as mais diferentes formas
de organização e mobilização, desde os blocos Lula
no Carnaval, até os festivos comícios-monstros e as
vastas festas populares em que se transformaram os
dias de votação, a militância do PT integrou-se à
militância dos demais partidos da Frente Brasil Popular
e do Movimento Lula Presidente e deu à campanha
uma dimensão que forçou todos os candidatos
a mudarem sua estratégia, mudando também a
própria conjuntura nacional.
Sem meios próprios de comunicação de massa
nem o apoio dos existentes, criamos a Rede Povo,
nossa nave eletrônica de combate, uma das grandes
responsáveis pelo êxito da linha de mobilização e
pela transparência com que pudemos demonstrar a
diferença radical entre a candidatura Lula e as demais.
Setores do partido reclamavam do discurso de
Lula, exigindo que ele resgatasse as origens do PT,
com uma campanha classista. A imprensa também
insinuou que o candidato da Frente Brasil Popular
havia mudado o discurso a partir de setembro. Na
verdade, a linha geral do discurso de Lula não mudou
durante a campanha. Ainda em maio, em plena
114
QUASE LÁ
viagem aos Estados Unidos, diante dos empresários
que compareceram ao almoço da Câmara de Comércio
Brasil-Estados Unidos, ele prometeu “suspender
imediatamente o pagamento da dívida externa” e,
logo depois, ao voltar ao Brasil, reafirmava seu apoio
às greves dos trabalhadores, sem titubear um momento
nessa postura. O que aconteceu, a partir de
setembro, é que Lula foi sintonizando melhor seu
discurso, discurso que os cinco minutos do horário
gratuito amplificaram para milhões de telespectadores
e ouvintes de rádio, dando-lhe uma visibilidade
que nossos abnegados jornalistas do setor de imprensa
não conseguiam, apesar dos esforços.
O eixo de nossos programas, como de toda a campanha,
era a clara distinção da luta entre os pobres,
representados por Lula, e os ricos, no segundo turno
representados por Collor. Essa foi a polarização
clarificada por nossa propaganda e nossa ação desde
o início da campanha, embora só tenha se tornado
evidente para milhões de brasileiros quando viram
na tevê as cenas contrastantes do carregador
do frigorífico, que jamais comia carne, e da mulher
passeando com o cachorrinho de raça, que comia
legumes e carne, de galinha e de gado, duas vezes
ao dia.
Parodiando a própria televisão, utilizando sua linguagem
nacional e uniforme, compreensível atualmente
para todas as camadas sociais, a equipe encarregada
da Rede Povo criou momentos de grande
impacto. Fez a denúncia do envolvimento do coordenador
da campanha de Collor em Goiás no caso
do arroz estragado que o candidato do PRN mostrara
115
QUASE LÁ
dias antes, a revelação da negociata do processo de
privatização da Mafersa e a descoberta de parentes
de Paulo Maluf entre os proprietários do terreno aterrado
que desmoronou e soterrou a favela Nova República.
As imagens dos comícios, num crescendo, foram
um instrumento poderoso para colocar ainda
mais gente nas ruas e fazer com que a campanha entrasse
em sua reta final num intenso ritmo de mobilização.
As vinhetas puderam mostrar a criatividade
alegre da equipe, demolindo criações do adversário.
Quem não se lembra do movimento contrário dos
aríetes, fazendo Collor “reconstruir” a miséria, a inflação,
a corrupção e os marajás; e do trem mariafumaça,
vencendo o trem collorido? Os clips, por sua
vez, difundiram a música que mais mexeu com os
corações e sentimentos de milhões de pessoas em
todo o Brasil e até em outros países latinos.
Nós podemos e devemos ser duros na crítica aos
nossos erros e descaminhos durante a campanha,
mas é verdade também que transformamos muitas
de nossas fraquezas em força e demos às hostes do
Império uma lição de competência e combatividade
que elas não conheciam. E que, sem dúvida, não vão
esquecer.
2. Um episódio de audácia
Nem sempre é possível detectar os motivos que
levam ao conformismo com a nossa própria fraqueza
ou às descrenças em nossas forças. Às vezes, um
empresário descrê das possibilidades eleitorais do
PT ou da potencialidade de luta de seus militantes
116
QUASE LÁ
simplesmente por ignorância. Seus interesses de
classe embotam seu raciocínio. Como ele não acredita
na inteligência, operosidade e capacidade de trabalho
de seus operários, como os considera preguiçosos
e fracos para enfrentar a vida e disputar a dura
concorrência capitalista, transfere essa mesma descrença
para o Partido dos Trabalhadores quando começa
a raciocinar em torno de suas propostas e ações.
Outras vezes, um escriba que disserta sobre as
incapacidades do PT e de Lula o faz não por ignorância,
mas conscientemente. Sabe dos fatos, mas
procura espraiar a desconfiança, fazê-la penetrar
fundo no coração e na mente dos desfavorecidos e
levá-los a uma escolha contrária a seus próprios interesses
de classe. Quando Paulo Francis escreve de
Noviorque, dizendo que antes admirava Lula porque
era um líder sindical autêntico, que enfrentava as
fúrias da ditadura no ABC, pedindo melhores salários
e condições de trabalho, e não o habitual pelego
trabalhista ou comunista, mas que agora não o admira
mais porque um dia foi ao Morumbi e aprendeu
a retórica vazia e tautológica de seus amigos,
parecendo perdido para a classe operária, ele certamente
está defendendo seus interesses (dele,
Francis) com bastante lucidez. Ao demonstrar uma
falsa admiração original por Lula, procura protegerse
com um cacife moral, para que os leitores confiem
na suposta honestidade de sua afirmação atual.
Essas são descrenças e desconfianças do lado de
lá, tanto em relação ao nosso caráter quanto a nossas
fraquezas. Em geral nós as desprezamos e lutamos
contra elas com as armas com que costuma117
QUASE LÁ
mos enfrentar os inimigos. Às vezes, até mandandoos
à putaqueospariu. Mas há outras desconfianças e
descrenças, como a crença em nossa força reduzida
e em nossas potencialidades limitadas ou a descrença
em nossa vontade de vencer. É verdade que muitas
dessas descrenças são o contraponto da superestimação
de nossa força, de nossa potencialidade e
da idéia de que basta ter vontade para vencer que a
vitória virá. Por isso mesmo, decidir pelo avanço é
sempre um ato de audácia política.
A decisão de publicar os fascículos Brasil Urgente,
com os argumentos principais do programa de governo
de Lula, navegou nesse fio de navalha entre a audácia
e a aventura. A proposta surgiu de César Benjamin
após o seminário de abril de 1989 com os intelectuais.
Todos os que tiveram acesso ao projeto acharam-
no muito bom. Ele previa tiragens quinzenais, a
partir de junho, com venda em banca de 100 mil exemplares
de cada fascículo. Além de bom, audacioso.
Havia, porém, um problema. Ou melhor, dois. A
elaboração do programa de ação de governo andava
a um ritmo naturalmente lento, pelas dificuldades
em profissionalizar mais gente para trabalhar nele,
ou pelos demorados debates e ajuste que sofria nas
equipes partidárias e da Frente. Democracia faz bem,
mas dá trabalho. Afora isso, inexistiam recursos financeiros
para tocar um empreendimento editorial
de tal porte.
Apenas em agosto ficou pronto o copião do programa
de governo. E dinheiro que era bom, nada.
Alguns achavam que a edição dos fascículos seria
um importante instrumento de difusão de nossas
118
QUASE LÁ
propostas para camadas mais amplas da população,
desde que fosse bem feita e atraente. Outros também
concordavam com isso, mas achavam que era
preferível utilizar os parcos recursos da campanha
em coisas mais imediatas e necessárias. Uns opinavam
que não tínhamos condições de vender mais de
5 mil exemplares por fascículo, enquanto outros
apostavam em nossa capacidade de vender 50 mil.
Havia aqueles que temiam que nos empenhássemos
num empreendimento de alto risco. No outro extremo,
tínhamos os que apostavam na possibilidade de
obter um empréstimo para realizar o projeto e pagálo
com o próprio retorno das vendas.
Foi um parto complicado. Meio na base da pressão
venceu a última hipótese. Carlos Eduardo de
Carvalho, César Benjamin, Gilberto Carvalho, Paulo
Vanuchi e outros companheiros dedicaram-se fulltime
a conseguir financiamento, editar os textos, imprimir
e distribuir os fascículos. No final das contas,
foram vendidos 265 mil exemplares e pagas todas as
despesas. O saldo político foi difícil de quantificar.
Bem que teve gente que não gostou de certas abordagens,
mas isso ficou por conta da vida e da liberdade
de errar.
Acima de tudo, valeu a audácia contra a descrença.
3. Atrasados para a nova rodada
A luta era desigual em tudo. Até mesmo os resultados
do primeiro turno consagraram uma demora
duplamente angustiante, tanto pela disputa com
Brizola, quanto pela espera dos resultados. Enquanto
119
QUASE LÁ
Collor já estava em campanha para o segundo turno
desde o dia 16 de novembro, a coordenação da campanha
Lula procurava convencer os demais membros
do comitê político de que as projeções da equipe
de estatística estavam corretas e indicavam nossa
vitória. Foram cinco dias de expectativa, antes
que tomássemos decisões para recolocar a máquina
em funcionamento para a nova rodada.
Mas não foi apenas aí que entramos atrasados.
Como não acreditávamos realmente na possibilidade
de vencer, embora a nossa estratégia fosse construída
no sentido de colocar Lula no segundo turno,
cometemos o erro de não delinear, como deve fazer
qualquer estado-maior que se preze, os cenários prováveis
da disputa do segundo turno, especialmente
aquele que teria Collor como adversário. Tivemos
que correr atrás do prejuízo e traçar rapidamente
uma linha estratégica de combate, ao mesmo tempo
em que éramos obrigados a jogar os principais
dirigentes da campanha na costura de alianças necessárias
para enfrentar o novo quadro.
Com a polarização criada, que acertadamente esperávamos
que acontecesse, era fundamental isolar
Collor de possíveis alianças na faixa da centro-esquerda
e também do centro, mostrar a verdadeira
natureza direitista de sua candidatura e criar um
cenário de crescimento da candidatura Lula. São
conhecidas as dificuldades que enfrentamos e o tempo
precioso que perdemos até consolidar a candidatura
Lula entre as forças progressistas e populares.
Finalmente, fizemos surgir um amplo Movimento
Lula Presidente, que desbordou os limites da Frente
120
QUASE LÁ
Brasil Popular e abriu espaço para a participação da
militância do PDT, da parcela progressista da militância
do PSDB e PMDB e dos demais partidos de
esquerda.
O PCB desde logo havia se integrado à campanha,
assim como o PV. Com o PDT as coisas se arrastaram
pelo menos até o primeiro debate, no dia 3 de
dezembro. No PSDB, Montoro, Richa e Tasso
Jeiressati trabalhavam contra a aliança de seu partido
com a Frente Brasil Popular, espalhando boatos
sobre a decisão do PT de abrir seu programa para
mudanças em troca da aliança e de oferecer cargos
no governo a seus possíveis aliados e impedindo Covas
de jogar seu peso no Movimento Lula Presidente
até quase o comício do dia 12 de dezembro, em São
Paulo. Dentro do próprio PT ocorriam vetos de direções
regionais a certos apoios recebidos por Lula,
forçando a direção nacional a realizar gestões para
superar alguns obstáculos ou, até mesmo, em vários
casos, para associar-se a resistências legítimas contra
adesões nem sempre desejáveis.
De qualquer modo, no curto espaço de 15 dias
aconteceram coisas inesperadas para a maioria dos
comentaristas políticos. O afluxo de militantes
brizolistas, tucanos, do PCB, PV e mesmo de gente
que votara em Ulysses e Aureliano aos comitês do
PT e da Frente Brasil Popular era crescente, em busca
de material e de incorporação à campanha de
Lula. E chegou a tal ponto que diversos dirigentes
chegaram a aventar a idéia de que deveríamos abandonar
os esforços para trazer Brizola e Covas a uma
aliança com Lula, pois o que verdadeiramente iria
121
QUASE LÁ
decidir as eleições era a imensa unidade pela base
que estava se formando naturalmente.
Felizmente soubemos nos livrar a tempo dessa
miragem, já que a tendência de apoio das bases progressistas
do PDT, PSDB e PMDB só se consolidaria
com o apoio explícito da direção daqueles partidos,
em particular de suas lideranças mais expressivas.
Por outro lado, sem essa aliança formal dificilmente
conseguiríamos sinalizar para a grande massa de
indecisos que Lula era realmente o candidato dos
pobres, dos progressistas, das mudanças, o candidato
da grande união capaz de tirar o Brasil da crise
sem sacrificar tanto o povo.
Apesar de tudo, a pesquisa da Toledo&Associados,
feita entre os dias 24 e 27 de novembro e publicada
em 6 de dezembro, indicava que Collor estava com
47,5% das preferências nas respostas estimuladas
por cartão, enquanto Lula contava com 37,7%. A diferença
era de 9,8%. Lula mostrava-se forte nas grandes
cidades (48,3% contra 38,1% de Collor), entre
os jovens de 16-17 anos (56,7% contra 32,9%), na
faixa etária de 18 a 29 anos (49% e 38,5%) e levemente
na frente nos setores de maior instrução (1%
a 2% mais). Mas Collor continuava com força nas
pequenas cidades (51,2% contra 39,8% de Lula),
entre os mais velhos (mais de 50% contra menos de
30%) e nos setores com menor instrução (51,8% a
33,9%).
Entretanto, na pesquisa realizada 15 dias depois,
aconteceu uma inversão muito grande na situação.
Lula subiu 6,5 pontos nas respostas estimuladas por
cartão, chegando a 44,2%, enquanto Collor caíra
122
QUASE LÁ
2,5%, descendo para 44,7%. O empate era real, não
somente técnico. Nossa estratégia de ampliar as alianças,
apresentar a equipe de governo para demonstrar
a governabilidade de Lula no poder e criar fatos
políticos, desmascarando a verdadeira natureza da
candidatura Collor, mostrava-se acertada. Os ajustes
táticos que tínhamos conseguido realizar, mantendo
o formato básico dos programas da Rede Povo,
fixando nossa linha de ataque nos compromissos
políticos de Collor, direcionando nossa atenção fundamentalmente
para o público despolitizado e mantendo
a linha de mobilização massiva – mas combinando-
a com uma campanha de visitas domiciliares
– permitiram que vencêssemos o primeiro debate,
mantivéssemos Collor isolado e criássemos o cenário
real de crescimento de Lula. A reorganização do
setor de imprensa, do setor de apoio jurídico e da
equipe de mobilização, para não deixar nenhum ataque
sem resposta e manter os estados e municípios
sob pressão, em especial para atuar junto aos setores
despolitizados da população, complementavam
os ajustes políticos no mesmo sentido.
É fato que, mesmo então, não chegamos a criar
uma tendência irreversível de queda da candidatura
Collor. Mas realmente sério foi não termos sido capazes
de avaliar com rapidez a retomada de sua estratégia
de confronto, num patamar ainda mais violento
e sem escrúpulos, sinalizado pelo próprio Collor,
em IstoÉ Senhor de 29 de novembro, como uma
das alternativas de sua ação.
123
QUASE LÁ
O Brasil já não é o mesmo
Já o candidato Collor leva de saída,
mesmo que não a queira, a vantagem do
medo: o medo que o sapo barbudo
provoca, pânicos às vezes, no inferno
das coortes miseráveis e no paraíso da
dominação da ciranda financeira.
Editorial, IstoÉ Senhor,
13 de dezembro de 1989
1. O Império joga sujo
Além da desproporção estrutural, Lula tinha a desvantagem
do medo, a desvantagem de opor consciência
e dignidade a qualquer ausência de ética e à mentira.
Às vezes, é preciso tempo e muita cabeçada
para que as pessoas possam distinguir uma coisa de
outra. Que o diga quem levou calote e perdeu o
emprego com a recessão embutida no plano collorido
de estabilização.
É verdade que Collor, embora tenha insinuado na
entrevista a IstoÉ Senhor o tipo de campanha que
deveria marcar o segundo turno, procurou inicialmente
apresentar uma linha de ação que destacasse
a imagem do candidato vitorioso de 20 milhões de
votos. Considerando-se praticamente eleito, esforçava-
se para aparecer como o estadista grave e tranqüilo,
vestido condignamente e capaz de perdoar os
adversários pelo bem do Brasil. Ao mesmo tempo
em que acusava Lula de estar traindo seus eleitores,
por supostamente trocar o programa de governo da
124
QUASE LÁ
Frente Brasil Popular pelo apoio do PDT e PSDB,
reafirmava sua disposição de não negociar o programa
do PRN, de cunho social-democrata, segundo ele,
e procurava atrair o PSDB e setores progressistas do
PMDB. Sem esquecer, é claro, de amarrar o suporte
camuflado das elites que não o haviam apoiado no
primeiro turno.
Mas foi um curto período civilizado, porque ocorreu
o mesmo fenômeno do primeiro turno, quando
Collor pretendeu trabalhar principalmente com o
que chamava de seu programa de governo. A facilidade
com que fazia promessas irrealizáveis, mesmo
que com uma aparência técnica confiável, soava falsamente
e atrapalhava seu crescimento. Para piorar,
adesões públicas de antigos políticos acusados, mais
uma vez, de praticarem corrupção, como Antonio
Carlos Magalhães e Roberto Cardoso Alves, ministros
de Sarney, colocavam em perigo sua base de
sustentação popular e estagnavam ou faziam cair as
intenções de voto em sua candidatura.
Tudo isso, comparado ao crescimento de Lula, fez
com que o desespero penetrasse fundo nas hostes
do Império. O comando oficial da campanha collorida
entrou em crise, na prática sendo substituído pelo
estado-maior secreto da Candelária, onde antes só
se tomavam as grandes decisões e aquelas relacionadas
com a guerra suja.
Os grandes empresários de São Paulo, por sua vez,
já haviam avisado que o único candidato que não
queriam ver no Planalto era Lula. Mas, com o empate
detectado nas preferências eleitorais, tornava-se
evidente que o candidato do Império não consegui125
QUASE LÁ
ria vencer se a partida fosse jogada limpamente. Era
preciso jogar duro e sujo. Tirar o time light, socialdemocrata
ou de centro-esquerda, que estava no
comando visível da candidatura Collor e colocar em
seu lugar a turma da pesada, dark, direitista e completamente
desprovida de escrúpulos. Aliás, o estado-
maior imperial da campanha Collor não precisou
ir muito longe: bastou dar uma olhada na própria
família do candidato para notar que o irmão Leopoldo
estava talhado para chefiar a operação de desmonte
da candidatura Lula.
A linha principal de combate da candidatura Collor
retomava com força o elemento mentira, a mentira
repetida à exaustão, para ser aceita como verdade
pelo amortecimento dos sentidos. A mentira associada
à exploração dos temores da população carente,
desinformada e despolitizada, numa escala jamais
experimentada na história brasileira. As mentiras e
os medos, as intrigas e os boatos, as provocações e o
cinismo, tudo profissionalmente articulado, para
associar Lula a imaturidade, calote, baderna, comunismo,
luta armada, derramamento de sangue, roubo
de propriedade, fim da religião, violência.
Jamais os meios de comunicação de massa se integraram
de forma tão íntima para difundir as mesmas
calúnias, as mesmas mentiras, os mesmos boatos, as
mesmas intrigas. Adotaram fielmente o briefing ditado
pelo próprio Collor no Programa Ferreira Neto de
11 de dezembro, na TV Record, com retransmissão
em cadeia nacional pelas emissoras que quisessem,
aprofundando seu discurso em Vitória, no dia 8, onde
já apresentara o tom de sua nova estratégia.
126
QUASE LÁ
O Departamento Nacional de Telecomunicações
(Dentel) já havia feito um levantamento da programação
jornalística da Rede Globo entre 27 de novembro
e 6 de dezembro, constatando que o candidato
Collor ocupara 64,1% do tempo da cobertura
eleitoral da emissora, contra apenas 35,9% para Lula.
Num único programa sobre eleições, Collor teve 22
minutos e Lula nada. O resto da imprensa seguiu o
exemplo, mesmo aquela que se dizia neutra. Contam-
se nos dedos as exceções. Manchetes, títulos,
subtítulos e conteúdo das matérias se repetiam no
Sudeste, no Sul, na Amazônia e no Nordeste, numa
integração impecável.
Quem quer que hoje se dê ao trabalho de pesquisas
a imprensa na época vai encontrá-la em qualquer
canto do país, dizendo que Lula era lobo em
pele de cordeiro, que uma professora foi convidada
por guerrilheiro a participar de atentado contra
Collor, que o crescimento de Lula tinha feito o dólar
e os juros subirem, que a vitória de Lula significaria
o caos, que a reforma urbana do programa da
Frente Brasil significaria a ocupação de quartos dos
que tivessem mais de um, a tomada de um carro dos
que tivessem dois e que a reforma financeira do PT
seria o fim da caderneta de poupança, pelo calote
da dívida. Isso para citar alguns exemplos menores.
Uma sórdida mentira utilizada por Collor contra
Lula no Programa Ferreira Neto foi repetida no debate
do dia 14 de dezembro: a acusação de que um
dos principais dirigentes petistas tinha pensamento
nazista e chamara os nordestinos de sub-raça. Claus
Germer, o dirigente acusado, é, no entanto, um re127
QUASE LÁ
conhecido lutador pela democracia e um firme defensor
dos trabalhadores rurais do Paraná. Ao contrário
de Collor, que não tem como esconder sua
condição de filhote da ditadura, Claus esteve entre
os combatentes que resistiram ao regime militar.
De renomada competência profissional, ocupou o
cargo de secretário de Agricultura do Paraná no governo
Richa (PMDB), tendo suscitado o ódios dos
latifundiários e políticos conservadores por sua ação
prática a favor da reforma agrária.
Aproveitando-se de uma palestra em que Claus
denunciara a política agrícola do governo Sarney e
chamava atenção para seus efeitos desastrosos – principalmente
no Nordeste, onde a fome e a miséria
intensas condenavam os lavradores a correr o perigo
de tornar-se uma sub-raça –, juntaram-se todos
aqueles que queriam vê-lo longe da Secretaria de
Agricultura, para uma campanha em que as palavras
de Claus eram deturpadas e ele acusado pelo
que nunca dissera.
Ao demonstrar toda a sua indignação com o descaso
do governo em relação aos trabalhadores nordestinos,
o ex-secretário somente repetira com suas
próprias palavras a tese de Josué de Castro, em sua
“Geografia da Fome”, na qual acusava as elites de
estarem transformando a população nordestina num
povo raquítico, de alta mortalidade, através da fome
como estado permanente de vida.
Na verdade, tudo aquilo que, antes, fazia parte
apenas do receituário de boatos difundidos pelo comando
central localizado na Candelária, ganhou dimensão
nova com o discurso de Collor em Vitória e
128
QUASE LÁ
com sua entrevista no Ferreira Neto. As mentiras e
intrigas saíram dos esgotos do Império e os jornais,
rádios e tevês passaram a retransmiti-las com o aval
de seu candidato, revestindo-as de uma credibilidade
que não tinham. E governadores, prefeitos, vereadores
e empresários, coordenando as redes de intriga
nos estados, juntaram-se à guerra suja e transformaram
os comícios colloridos em palanques que cada
vez mais lembravam os da antiga Arena.
Deixaram a sombra e arregaçaram as mangas, na
Bahia, o governador Nilo Coelho e os senadores Jutahy
Magalhães, Rui Bacelar e Luís Viana, além do já citado
Antonio Carlos Magalhães; no Rio Grande do Sul,
Nelson Marchesan; em Pernambuco, Marco Maciel;
em Santa Catarina, Jorge Bornhausen; no Pará, Jarbas
Passarinho; em São Paulo, Paulo Maluf. Todos saídos
da Arena, suporte do regime militar, para o PDS, alguns
em trânsito para o PFL e PMDB.
Brigadas de mercenários, muitos dos quais vestindo
camisetas do PT, percorriam favelas e bairros
pobres ameaçando as pessoas com os boatos então
amplamente difundidos por Collor e pela imprensa.
Pastores protestantes e padres conservadores bradavam
aos céus contra a suposta intenção de Lula
de fechar as igrejas e proibir os cultos religiosos.
Empresários ameaçaram seus empregados de demissão
caso Lula vencesse. Em contrapartida, prometeram
um 14o salário caso perdesse. No Ceará foram
distribuídos panfletos representando Lula como um
monstro, o que na mente esclerosada dos reacionários
só pode ser relacionado a comunismo e marxismo.
Em Brasília distribuíram um panfleto, citado
129
QUASE LÁ
várias vezes por Collor, com as assinaturas de uma
falsa juventude petista, pregando a luta armada.
Entre os dias 11 e 15 de dezembro a ofensiva das
hostes reunidas do Império foi total. Novos incidentes
como o de Caxias, no Rio Grande do Sul, preparados
pelos destacamentos de provocadores da campanha
Collor, foram descobertos pela coordenação
nacional da campanha Lula e precisaram ser evitados
com redobrados esforços pelas coordenações
estaduais e locais. No dia 11, o dólar explode mais
uma vez e a coordenação nacional recebe a informação
do seqüestro do empresário Abílio Diniz. No dia
12, no programa noturno do PRN, a falsa enfermeira
Miriam Cordeiro aparece no vídeo repetindo acusações
que fizera em maio contra Lula e acrescentando
outras, ainda mais absurdas, de racista e corruptor,
esta por supostamente haver oferecido dinheiro
para que ela abortasse a filha.
Ainda no dia 12, com a ajuda de policiais, o PRN
consegue montar uma armadilha para Juarez Soares,
secretário de Esportes da Prefeitura de São Paulo,
acusando-o de manter sociedade numa arapuca
de videopôquer.
No dia 14, ocorre o segundo e último debate entre
Lula e Collor. Este foi, sem dúvida, o exemplo
mais cristalizado do uso da mentira, da intriga e do
cinismo como instrumento de mistificação das massas.
Collor mentiu o tempo todo, sem corar ou titubear
diante de qualquer consideração ética. Repetiu
praticamente todos os argumentos que apresentara
no Programa Ferreira Neto, acusando Lula de
projetar o calote nas dívidas internas e externa, a
130
QUASE LÁ
expropriação da terra agricultável, a luta armada e a
revolução sangrenta, a mudança da política salarial
para prejudicar os trabalhadores, e por aí afora. Fingindo
não saber que vive cometendo barbaridades
contra a língua portuguesa, apontou os erros gramaticais
de Lula e afirmou, vejam só, que ao contrário
do candidato da Frente, não podia dar-se sequer
ao luxo de comprar um aparelho de som!
No dia 15, a Rede Globo e outras emissoras passaram
a divulgar uma pesquisa do Instituto Vox Populi
sobre quem supostamente vencera o debate e sobre
quem apresentara “as melhores propostas”. O instituto
contratado por Collor, com base em pesquisas
telefônicas restritas, bateu insistentemente na tecla
da vitória de seu cliente. Collor dava a vitória a
Collor! Era muito despudor de uma só vez.
Mas não ficou por aí. No mesmo dia 15, o Jornal
Nacional, da TV Globo, apresentou uma edição do
debate da véspera entre os presidenciáveis, na prática
mostrando apenas os piores momentos de Lula e
selecionando a dedo as melhores intervenções de
Collor. Mais tarde, no dia 18, os dirigentes dos principais
institutos de pesquisa apontaram que aquela
edição influiu mais no ânimo dos eleitores do que o
próprio debate. E o vice-presidente de operações da
TV Globo, José Bonifácio Sobrinho, o Boni, reconheceu
que a edição foi mais favorável a Collor por
um erro de avaliação do departamento de jornalismo
da emissora, segundo ele, ao apontar com uma
pitada de exagero a vantagem de Collor.
O mea-culpa de Boni levou o poderoso chefão
Roberto Marinho a fazer a observação sarcástica de
131
QUASE LÁ
que seu principal executivo era muito bom de tevê,
mas nada entendia de política. Hoje, após os desentendimentos
que levaram à destituição de Armando
Nogueira e Alice Maria da direção do jornalismo da
Rede Globo e sua substituição por Alberico de Souza
Cruz, sabemos toda a história daquela manipulação
como arma decisiva da guerra suja que o Império
lançou para derrotar Lula.
2. As reservas estratégicas
Muitas pessoas, dentro e fora do PT, consideram
que o último debate foi decisivo para a derrota de
Lula na votação do dia 17 de dezembro. Mauricio
Thomaz, um petista de Muzambinho, Minas Gerais,
escreveu para a coordenação da campanha uma carta
que é a síntese do pensamento médio da militância:
“Lula teria ganho o debate se discutisse a calúnia de
Collor a propósito da filha. Não discutindo a questão
a insinuação caluniosa de Collor transformou-se em
denúncia para muitos eleitores, certamente. Collor
deu uma arma para Lula e ele não usou. Foi um grande
erro, embora compreensível e desculpável”.
Na mesma linha de raciocínio vai o companheiro
Álvaro Cerqueira, do diretório municipal do PT de
Muriaé, Minas Gerais: “É importante que vocês levem
em conta, pela nossa avaliação, que o último debate
causou enormes estragos no ânimo da militância
petista, deu sobrevida aos colloridos e tirou-nos a vitória...
Duas horas e meia foram suficientes para fazer
desmoronar anos e anos de luta árdua... Nós ficamos
aqui nos perguntando o que teria acontecido”.
132
QUASE LÁ
O que teria acontecido? Aqui também variam as
explicações. A mais corriqueira é responsabilizar o
coordenador da agenda, Cezar Alvarez, por ter permitido
uma sobrecarga de atividades nos dias que
antecederam ao debate, deixando Lula cansado demais
e não abrindo espaço para uma melhor preparação.
O próprio Lula já se referiu mais de uma vez
ao fato e não há dúvidas de que esse foi um erro, de
responsabilidade não apenas do Cezar Alvarez, mas
de toda a coordenação e inclusive daqueles que faziam
pressão permanente para que Lula cobrisse uma
ou outra programação que consideravam politicamente
importante.
Mas isso não vem tanto ao caso. O que importa
saber é se esse foi mesmo o erro decisivo. Na verdade,
se compararmos o primeiro e o segundo debates
entre Lula e Collor poderemos chegar à conclusão
de que a diferença entre ambos existiu, mas não foi
tão grande. Até podemos reclamar de Lula não ter
cobrado o desafio sobre as prefeituras feito no debate
anterior, não ter aproveitado, com a vivacidade
que o caracteriza, o lance do aparelho de som nem
ter desmascarado outras mentiras escrachadas, para
mostrar a verdadeira face de Collor ante os telespectadores.
O cansaço físico realmente parecia estar
entorpecendo a rapidez de seu raciocínio. Mas a
rigor, Collor não sobrepujou Lula de modo decisivo.
Então, por que esse segundo debate foi tão demolidor
contra nós quanto o primeiro foi para Collor?
Por vários motivos. Primeiro, porque a coordenação
da campanha cometeu, aqui sim, um erro estratégico
ao propor somente dois debates e, pior, ao
133
QUASE LÁ
aceitar que o último fosse no dia 14 de dezembro,
coincidindo com o programa final do horário gratuito.
Num pavoroso “cochilo de classe”, nós simplesmente
esquecemos de que o horário gratuito acabava
para nós, que não tínhamos meios de comunicação
de massa, mas continuava para Collor. Ele tinha
praticamente todos, mas bastaria a Rede Globo.
Depois, nós permitimos que se criasse uma expectativa
exagerada no desempenho de Lula no debate,
na suposição de que ele iria esmagar seu oponente.
O próprio Lula alimentou essa expectativa,
em constantes entrevistas e discursos. No último
comício de Salvador, por exemplo, ele prometeu bater
no adversário até desmascará-lo inteiramente
diante de 82 milhões de eleitores brasileiros. Essa
expectativa, ela sim, foi fatal para a militância. O
debate tomou a proporção de um naufrágio, fazendo
com que essa militância perdesse o ímpeto de
mobilização que tinha imprimido à campanha nos
dias anteriores. Durante todo o dia 15, antes portanto
da manipulação da Globo pelo Jornal Nacional,
a coordenação dedicou-se quase exclusivamente
a levantar o astral dos comitês estaduais e municipais
e injetar novo ânimo nos militantes. Não é
preciso ser estrategista militar para saber a influência
que a perda de ânimo pode ter sobre uma tropa
em ofensiva.
Mas além disso é preciso reconhecer que a estratégia
adotada para o debate também foi errada. Nós
sabíamos que Collor bateria duro. Tínhamos informações
de que, se Lula conseguisse jogá-lo contra
as cordas e ele sentisse o perigo de ser nocauteado,
134
QUASE LÁ
iria para ações desesperadas de modo que os dois
naufragassem juntos. Já tínhamos lido o discurso
de Collor em Vitória e assistido à sua entrevista na
TV Redord. Mesmo assim decidimos pela chamada
linha das Alagoas, concentrando nossos ataques nas
mazelas de sua administração em Maceió e no estado.
Esquecemos que, por mais falcatruas que ele
tenha cometido por lá, para o restante dos brasileiros
isso não dizia muito e as acusações eram colocadas
em dúvida quando ele mostrava a votação que
conquistara no primeiro turno.
A manipulação do debate pela Rede Globo, porém,
evidenciara que o Império possuía reservas estratégicas
de vulto para jogar contra nós, enquanto
tínhamos praticamente jogado tudo na batalha final.
Nosso amplificador, a Rede Povo, saíra do ar;
não tínhamos nem mesmo um jornal de penetração
nacional; estávamos raspando o tacho em termos de
recursos financeiros; e os que antes pareciam neutros
diante do embate, como alguns jornais, tomaram
partido pelo lado de lá.
É estranho, por exemplo, como o Tribunal Superior
Eleitoral negou nosso direito de resposta à manipulação
da Rede Globo, embora no caso Ferreira
Neto tenha concedido, o que permitiu a Plínio de
Arruda Sampaio demolir uma a uma as acusações
mentirosas feitas por Collor. Embora a Globo tenha
incorrido em evidente crime eleitoral, nosso pedido
de resposta passou de juiz a juiz durante todo o dia
16 para, avançada a noite, ser negado. Aí já era tarde
demais.
Também não tínhamos meios para enfrentar efi135
QUASE LÁ
cazmente as brigadas mercenárias, contratadas por
um bom dinheiro, responsáveis pela montagem de
provocações e incidentes do tipo de Caxias do Sul e
pela difusão de boatos e intrigas entre a população
mais pobre e despolitizada. Nossas equipes de acompanhamento
dos programas e noticiários de rádios
e tevês ficaram assoberbadas com o volume da propaganda
política veiculada em toda parte a favor de
Collor, já depois do fim do horário gratuito, tornando
quase impossível que o grupo de apoio jurídico
conseguisse solicitar a tempo os pedidos de resposta.
E, mesmo que isso tivesse sido possível, dificilmente
teríamos conseguido, em tempo hábil, produzir
as respostas concedidas.
O caso do seqüestro do empresário Abílio Diniz
talvez tenha sido o exemplo mais característico do
tipo de arma suja que o Império dispunha como reserva
estratégica para jogar contra a candidatura
Lula. Desde o dia seguinte ao seqüestro a coordenação
passou noites sem sono, para confirmar a informação
de que o local do cativeiro já havia sido descoberto
mas seria dado a público apenas no sábado
anterior à eleição, para responsabilizar o PT e tirar
qualquer chance de Lula vencer. Todo mundo em
São Paulo sabia do seqüestro, mas havia um acordo
com os órgãos de imprensa para não divulgá-lo, a
fim de evitar que o empresário fosse assassinado.
Nas diversas reuniões que tivemos para debater o
assunto, Paulo Delgado chegou a sugerir que não
poderíamos ir de Woodstock enquanto o inimigo vinha
de Chicago, e que deveríamos botar a boca no
trombone denunciando a trama.
136
QUASE LÁ
Mas quem publicaria a denúncia que parecia tão
fantasiosa e inverossímil? Além disso, mesmo que a
imprensa tivesse conhecimento da informação sobre
o uso do seqüestro para implicar o PT, que cheirava
a paranóia, quem garante que ela daria o mesmo
volume a essa versão, contra a versão do Império?
E se, feita a denúncia, o empresário fosse assassinado
e o PT considerado culpado por ter dado vazão
às suas suspeitas, o efeito não seria da mesma
forma avassalador?
Tudo indica que o estado-maior imperial da campanha
Collor não considerou necessário utilizar todo
o poder de fogo que a manipulação do seqüestro
permitiria. É provável que tenha considerado suficiente
a manipulação do debate para modificar as tendências
de intenção de voto e garantir a vitória.
Mesmo assim, no dia 16 a Rede Gllobo – como grafou
Herbert de Souza, o Betinho, num telegrama que
passou para a coordenação da campanha Lula – quebrou
o acordo dos meios de comunicação e noticiou
o seqüestro, com acusações implícitas ao PT.
O jornal O Rio Branco, do Acre, publicou em manchete,
no mesmo dia, “PT seqüestra Abílio Diniz”,
enquanto Saulo Ramos, então ministro da Justiça,
e Luiz Antonio Fleury, secretário de Segurança de
São Paulo, candidamente afirmavam, num momento
em que ninguém perguntava sobre isso, que o PT
não estava envolvido. Mas no dia 17 os boqueiros de
urna do PRN e dos partidos que apoiaram Collor no
segundo turno afirmavam taxativamente, em especial
em São Paulo, a cumplicidade do PT no ato criminoso.
137
QUASE LÁ
De qualquer modo, foi nesse momento, mais do
que em qualquer outro da campanha, que pudemos
nos dar conta da brutal disparidade de meios entre
as duas candidaturas. O Império tinha tudo: dinheiro,
meios de comunicação, a parte principal do aparelho
de Estado, o poder de fato para desequilibrar
a disputa a seu favor, usando para isso as armas que
fossem necessárias, por menos éticas e mais indignas
que se apresentassem. Por isso, apenas quem
não vivia a roda-viva do comando da campanha Lula
pode supor que ele se deixou intoxicar pelo triunfalismo,
pelo clima do já ganhou, o que comprometeria
toda a tática até ali desenvolvida. As informações
a que tínhamos acesso por diferentes canais não nos
permitiam viver tal clima. Ao contrário, toda vez que
detectávamos o surgimento desse triunfalismo entre
setores da Frente, sempre o colocávamos entre as
diversas dificuldades que tínhamos que desmontar.
Como afirmamos em telex a todos os comitês, “nosso
adversário e as forças que o apóiam vão tentar tudo
para evitar a vitória de Lula”. Hoje sabemos que tentaram
e que tinham ainda o que jogar, caso achassem
necessário.
3. Nem todos despertaram
A rigor, desde a Independência as elites do Império
realizam eleições para fazer funcionar um sistema
representativo que lhes permita apresentar uma
fachada de democracia. É verdade que, durante um
largo período, às eleições só podiam comparecer
aqueles que tivessem posses. Depois, à medida que
138
QUASE LÁ
as elites iam sendo obrigadas a permitir o comparecimento
do povo às urnas, criavam ao mesmo tempo
mecanismos que lhes facultavam controlar facilmente
o resultado das eleições. O voto de cabresto,
o clientelismo e os currais eleitorais, misturando
coação e aliciamento através de cabos eleitorais, são
figuras tradicionais do panorama político brasileiro.
O uso dos meios de comunicação de massa veio
acrescentar um novo ingrediente àqueles mecanismos.
Conhecedoras da extensão do analfabetismo e
da despolitização da maioria esmagadora da população
brasileira, as elites investiram na desinformação
massiva para compensar o afluxo de grandes contingentes
eleitorais, inclusive analfabetos e jovens entre
16 e 18 anos. Por esses meios o Império procurou
manter como regiões de clientelismo arraigado
e como currais eleitorais o Nordeste, o Norte, o Centro-
Oeste, as pequenas cidades do interior e as áreas
rurais.
No embate de 1989, mais uma vez as eleições foram
vencidas pelo Império, por seu príncipe sem ética
e sem dignidade. Com o apoio financeiro e material
dos grandes empresários que ficaram na sombra e
com o concurso decisivo dos meios de comunicação.
Collor construiu sua falsa imagem de caçador de marajás,
inimigo dos corruptos e dos políticos, adversário
de Sarney e salvador dos oprimidos e descamisados.
Dessa maneira, conseguiu 35 milhões de votos –
43% do eleitorado ou 51% dos votos válidos.
Foi uma vitória eleitoral inconteste, quantitativamente
irretorquível. Bem vistas as coisas, porém,
foi uma vitória que apresenta problemas para o Im139
QUASE LÁ
pério. Apesar de toda a propaganda apesar do esforço
concentrado das elites, apesar dos receios intensamente
explorados, apesar das mentiras, intrigas e
boatos, houve um considerável despertar da população.
A única vitória de que podem se vangloriar é
que nem todos despertaram.
Não há dúvida de que tais setores ainda são majoritários
na população brasileira, uma maioria silenciosa
capaz de decidir uma eleição polarizada ou de
fazer pender os resultados de um confronto social
sério. O Jornal do Brasil de 11 de dezembro dava
conta de que o SNI entregara ao presidente Sarney
o cruzamento de três pesquisas de opinião mostrando
que Collor não fora desestabilizado no interior, o
que garantia sua vitória sobre Lula com diferença
de 4 a 5 milhões de votos, isto é, 5% a 6%. Apesar de
o Jornal do Brasil não acreditar que eleição fosse o
forte do SNI, é evidente que dessa vez o general Ivan
acertou na mosca. Mais: foi justamente aí que Lula
perdeu a eleição.
Desde a fase final da campanha do primeiro turno
a coordenação da campanha Lula fizera o diagnóstico
da fraca penetração da Frente Brasil Popular e de
Lula nessas camadas e conseguira traçar com bastante
precisão o seu perfil social. Sabia que era aquela
parcela da população de baixa renda e pouca instrução
– as chamadas classes C, D e E dos institutos de
pesquisa –, composta por trabalhadores na construção
civil e no comércio, por bóias-frias, desempregados
e semi-empregados, em geral moradores nas
periferias dos centros urbanos e nas pequenas cidades
do interior.
140
QUASE LÁ
Em geral vivem na pobreza e na miséria, mas têm
medo da luta e esperam sempre que alguém resolva
os problemas por elas. Muitos pobres viam em Lula
a criação de uma situação de conflito no Brasil e,
por experiência histórica, sabiam que as conseqüências
piores dos conflitos sociais sempre acabam caindo
sobre os pobres. Por isso, preferem, no máximo,
ficar como espectadores, abominando tudo que
simbolize seu envolvimento na luta: greve, baderna,
rebeldia, luta armada – que trazem complicações
com as autoridades e a polícia.
Esses setores são, ao mesmo tempo, altamente
influenciados pelos valores de seus opostos na escala
social: endeusam a propriedade que não possuem
e envergonham-se profundamente se não podem
pagar as dívidas que contraíram. Tudo isso, apesar
de viverem no limiar da marginalidade. Desse modo,
também têm impacto muito negativo na percepção
atual desses estratos populacionais os símbolos do
comunismo, que supostamente vai pintar de vermelho
a bandeira, tomar a propriedade dos particulares
e dividir de quem tem para dar a quem não tem,
assim o do calote, de quem vai deixar de pagar o que
deve.
Lula, em grande parte, contrariava esses padrões
mentais, mesmo descontando as acusações simplesmente
caluniosas. Ele oferecia luta para quem não
queria envolvimento; oferecia um companheiro para
quem, ao contrário, queria um salvador; apresentava-
se para resolver em conjunto os problemas a quem
queria solução sem arriscar-se a participar. Nessas
condições, era até natural que Collor, explorando
141
QUASE LÁ
como explorou essas características, conseguisse
ganhar aquelas parcelas, como ganhou também os
setores da classe média, dos centros urbanos e do
interior, que enxergavam em Lula o sinal de que seu
padrão de vida seria achatado.
O que não foi natural, o que desmentiu analistas
sérios e também calhordas do tipo Paulo Francis,
que supunham que pobre não votava em pobre, foi a
mudança de mentalidade em parcelas muito importantes
dessas faixas da população. Elas conseguiram
livrar-se da influência da propaganda e da ação do
Império, rompendo com a negatividade daqueles símbolos
com que eram empulhadas, perdendo o medo
de ser feliz e assumindo as conseqüências da luta
por uma nova sociedade.
Votaram em Lula 31 milhões de brasileiros ou 38%
dos eleitores, o que corresponde a 47% dos votos
válidos, uma diferença de 5% a 6% em relação aos
votos recebidos por Collor. Um voto que resistiu a
todas as ameaças, a todas as provocações, a todas as
mentiras, chantagens, boatos e intrigas. Um voto
que veio dos grandes centros urbanos, onde estão
os setores mais organizados da sociedade, mas também
dos antigos currais eleitorais, das áreas onde
predominava o sistema clientelista. E também das
prefeituras governadas pelo PT, em 14 das quais Lula
venceu.
Venceu, em particular, nos grandes centros operários
de São Bernardo, Santo André, Diadema,
Ipatinga, João Monlevade e Timóteo, todos com prefeitos
petistas, assim como em Osasco e São José
dos Campos, com prefeitos colloridos. Venceu tam142
QUASE LÁ
bém no Rio de Janeiro, no Rio Grande do Sul e no
Distrito Federal, além de ficar praticamente empatado
em Pernambuco e em Santa Catarina. A votação
no candidato da Frente Brasil Popular no Nordeste
foi uma verdadeira revolução cultural, com
resultado superior a 40% na Bahia, Ceará, Paraíba,
Rio Grande do Norte, além de Pernambuco [ver quadro
do desempenho eleitoral de Lula no 2o turno nos
estados e capitais].
Quadro do desempenho eleitoral
de Lula nos estados – 2o turno
(Variação em relação ao 1o turno)
20% a 30%
AC 29,1 (+12,7)
PA 26,5 (+8,3)
RR 22,9 (+13,2)
AL 22,3 (+14,4)
MS 26,0 (+17,5)
TO 20,5 (+11,8)
30% a 40%
AP 34,4 (+11,9)
AM 31,9 (+11,9)
RO 35,0 (+11,9)
MA 35,2 (+17,8)
PI 38,7 (+18,3)
SE 31,4 (+15,4)
GO 30,1 (+14,4)
MT 32,1 (+22,4)
ES 38,4 (+17,6)
SP 39,4 (+22,6)
PR 30,9 (+23,1)
BRASIL 37,8 (+21,7)
Acima de 40%
BA 44,7 (+22,4)
CE 40,9 (+29,5)
PB 42,2 (+20,8)
PE 47,7 (+18,1)
RN 44,2 (+22,8)
MG 41,8 (+20,5)
SC 46,8 (+36,7)
DF 59,4 (+31,2)
RJ 69,8 (+58,0)
RS 64,6 (+58,1)
143
QUASE LÁ
Metade do eleitorado brasileiro já não tem medo
de ser feliz. Já não foge da luta e de suas conseqüências
e está disposta a caminhar unida para transformar
a sociedade brasileira. O desafio maior é continuar
derrubando os mitos e fazer com que a outra
metade desperte. Mesmo porque, só assim não haverá
superioridade material que salve o Império,
Quadro do desempenho eleitoral
de Lula nas capitais – 2o turno
20% a 30%
Boa Vista 23,4 (+13,6)
30% a 40%
Rio Branco 33,6 (+15,1)
Macapá 37,8 (+12,4)
Manaus 37,3 (+16,5)
Maceió 32,6 (+20,1)
C. Grande 33,9 (+22,9)
Acima de 40%
Belém 40,3 (+15,2)
P. Velho 40,2 (+27,0)
Aracaju 46,7 (+22,1)
Goiânia 45,2 (+21,8)
Cuiabá 46,6 (+31,2)
Miracema 43,6 (+32,7)
Vitória 45,5 (+25,6)
São Paulo 40,3 (+25,1)
Curitiba 41,0 (+31,1)
Salvador 68,4 (+29,1)
Fortaleza 58,6 (+44,3)
São Luís 53,0 (+30,0)
J. Pessoa 52,7 (+25,8)
Recife 63,3 (+25,2)
Teresina 57,1 (+24,3)
Natal 59,1 (+30,1)
B.Horizonte 64,2 (+33,6)
R.Janeiro 70,2 (+58,3)
P. Alegre 71,9 (+65,5)
Florianópolis 64,2 (+52,5)
144
QUASE LÁ
quando novo confronto pelo poder se apresentar
entre as forças conservadoras e as forças de esquerda,
democráticas, populares e progressistas.
4. Mitos derrubados
É verdade que apesar de todos os esforços, das
mobilizações massivas e do engajamento pleno da
militância, que nos momentos de pico da campanha
deve ter englobado cerca de dois milhões de pessoas
em todo o país, os resultados finais foram desfavoráveis
às forças populares e progressistas. Erros
conjunturais, apontados no decorrer deste texto,
constituíram as causas imediatas da derrota.
Entretanto, a análise dura dessas causas imediatas
não deve encobrir o fato de que, dado o equilíbrio
de forças no final do segundo turno, as reservas
estratégicas do inimigo jogaram o papel decisivo no
embate final. E que, no fundamental, foi a correta
estratégia que traçamos para a campanha que permitiu
ao PT e seus aliados superar a extrema
disparidade de meios, alcançar uma posição
impensável para qualquer analista político e derrubar
mitos há muito arraigados na tradição política
brasileira.
Vamos deixar de lado o mais tosco e grosseiro
desses mitos, o de que pobre não vota em pobre,
trabalhador não vota em trabalhador. Vamos diretamente
a outro, tão antigo e explorado pelas elites
do Império quanto aquele: o de que as esquerdas
são capazes de tudo, menos de se unir, mesmo na
cadeia. Num curto espaço de tempo, superando atri145
QUASE LÁ
tos antigos, aversões e preconceitos, as esquerdas
conseguiram unificar-se em torno de Lula, criando
um novo patamar para a luta política no Brasil. Quem
não se lembra da concorrência sempre conflitante
entre o PCdoB e o PT? O PCdoB passou boa parte
dos últimos 10 anos tentando demonstrar que o PT
era o principal inimigo dos trabalhadores, uma mistura
informe de trotskistas, social-democratas, anarquistas
e outros bichos. De parte do PT, muitos militantes
enxergavam no PCdoB um inimigo irreconciliável,
não uma corrente do movimento operário
com quem se tinha divergências, mesmo que algumas
bastante profundas.
Através do projeto da candidatura Lula, com um
programa definido de mudanças, a convivência militante
de 10 meses de campanha não conseguiu superar
as principais divergências, nem eliminar completamente
os preconceitos de lado a lado, mas introduziu
uma positiva mudança de qualidade no relacionamento.
Se em relação ao PCdoB, assim como ao PCB, havia
uma certa tradição de confronto, com o PSB isso
não existia, a não ser de forma localizada. O mesmo,
porém, não se podia dizer em relação o PDT. Brizola,
em especial, sempre bateu duro no PT, tratando-o
como uma espécie de filho desnaturado que o pai
deve tratar com rigor e até deserdar para servir de
exemplo. A campanha eleitoral trouxe à tona todas
as mágoas, ressentimentos e incompreensões do PDT.
Ele, na realidade, deu chancela de verdade a muitas
das acusações que a direita fazia ao PT, como a de
receber ajuda financeira do exterior através do movi146
QUASE LÁ
mento sindical, servir de instrumento da direita para
impedir a vitória da esquerda representada por Brizola,
e assim por diante. Várias dessas acusações, em particular
as assacadas contra Bisol, constituíram instrumentos
importantes de ataque de Collor contra
Lula no último debate pela televisão.
É evidente que também no PT persistiam resistências,
mágoas e ressentimentos em relação ao PDT.
Ainda em setembro alguns setores do partido consideravam
Brizola o alvo principal de nosso ataque.
Mesmo assim, durante toda a campanha eleitoral
perseveramos na decisão de considerar a direita
como nosso inimigo principal, evitando ataques a
Brizola. Nossa disputa com ele, tirando o excesso
praticado num ou noutro lugar, manteve-se fundamentalmente
na linha de criticá-lo por não se diferenciar
claramente da direita e dos conservadores,
com os quais chegava a estabelecer compromissos e
alianças com vistas a ganhos eleitorais.
Essa linha de ação permitiu que superássemos os
obstáculos que impediam a aliança com o PDT no
segundo turno, estabelecêssemos um relacionamento
mais estreito nessa fase da campanha, desenvolvêssemos
um maior conhecimento mútuo e abríssemos
um amplo campo de entendimento, para trabalhar
a consolidação de uma frente de esquerda mais
perene no Brasil. Evidentemente, esse processo, que
inclui ainda o PCB, PV e setores progressistas do
PSDB e PMDB, não superou todos os obstáculos. O
programa mínimo sobre o qual deve se assentar a
unidade popular e progressista, embora tenha nos
13 pontos do programa de governo da Frente Brasil
147
QUASE LÁ
Popular e nos 12 pontos do programa de Brizola uma
base inicial de negociação, ainda precisa ser debatido
mais intensa e extensamente entre as diversas
forças políticas que compõem o arco à esquerda, para
superar incompreensões, às vezes até semânticas, e
consolidar um suporte programático comum a todas
elas.
Outro mito que nós derrubamos durante a campanha
foi o de que não é possível fazer política com
ética e escrúpulos. Eram tantas as mazelas dos adversários
que seria muito fácil baixar a campanha ao
nível da sarjeta. À medida que caíam nas nossas mãos
dossiês de denúncias sobre os diferentes candidatos
das elites, chegou a crescer a tentação de mostrar a
verdadeira natureza de cada um, suas imagens farsantes
de honestidade e probidade. No entanto,
embora as evidências de veracidade fossem fortes,
as provas não eram concludentes. Além disso, muitas
diziam respeito à vida pessoal e não à atividade
política. Utilizá-las dessa maneira seria a tentativa
de criar condições de vitória no estilo do gangsterismo
organizado, mas sem contribuir em nada para
elevar a consciência dos trabalhadores e consolidar
a democracia.
Lula, em especial, sempre foi muito coerente nessa
linha de conduta. Mesmo em relação a Collor ele
constantemente afirmava que a crítica ao falso caçador
de marajás deveria ser em cima de sua carreira
política e não no campo pessoal. Até quando o
PRN subornou Miriam Cordeiro e desferiu ataques
imorais contra sua conduta pessoal, Lula mantevese
firme naquela posição. Essa foi uma contribuição
148
QUASE LÁ
inestimável para o futuro da democracia brasileira,
apesar de não haver mostrado resultados positivos
de imediato.
Outro mito, longamente acalentado pelo Império
e derrubado durante a disputa presidencial, é o de
que as propostas da esquerda ficariam eternamente
confinadas num patamar equivalente a 10% do eleitorado,
já que o povo brasileiro é nitidamente conservador.
Ao contrário disso, pela primeira vez na
história brasileira as elites dominantes tiveram que
confrontar-se com um projeto político, social e econômico
dos trabalhadores. Acostumado a apresentar
no mercado político variações de um mesmo projeto
burguês, com embalagens diferentes para mistificar
os interesses dos diversos segmentos sociais,
o Império teve que engolir essa realidade: estava na
praça, sem subterfúgios, uma proposta democrática
e popular que denunciava a selvageria do capitalismo
brasileiro e propunha uma nova sociedade que,
através da concordância das maiorias, deveria marchar
para o socialismo.
Para o Império, porém, tal proposta era odiosa
não somente pelo fato de desmistificar seu tradicional
engodo da conciliação nacional, de projetos que
aparentemente beneficiavam a todas as classes e
setores sociais. Era ainda mais odiosa porque ameaçava
a hegemonia cultural e política secularmente
exercida pelas elites. E, além disso, porque tinha
chances de vencer a disputa pelo governo, mesmo
sob as regras estabelecidas pelo próprio Império.
Isso foi um verdadeiro vendaval que sacudiu convicções,
crenças e descrenças, por mais arraigadas
149
QUASE LÁ
que estivessem, de todas as forças políticas. Na batalha
decisiva de 17 de dezembro, a esquerda englobando
seus vários matizes, perdeu mas conquistou
quase metade dos votos. Uma parte considerável dos
explorados e oprimidos rompeu com o conservadorismo
que o Império sempre lhe impingiu, descobrindo
que pode ter um projeto que corresponda
aos interesses das maiorias. E, que apesar de tudo,
tem chances de conquistar o poder.
As elites do Império terão de fazer um imenso
esforço para assimilar o fato de que não podem mais
continuar espoliando os trabalhadores e o povo da
forma como vinham fazendo até então. E também
para não se iludir com a sustentação que seu candidato
preferido, para vencer, obteve de parcelas pobres
e despolitizadas. Afinal de contas, bem vistas
as coisas, elas votaram por mudanças acreditando
num salvador da pátria. Mas Sassá Mutema não deu
certo nem na televisão.
5. O choro do sonho desfeito
Perto do final do primeiro turno, demos corpo a
algo que estava previsto no organograma da coordenação
nacional, mas não se concretizara ainda: a
equipe de fiscalização. Não era apenas uma estrutura
de mobilização de militantes para fiscalizar a apuração
das urnas, os boletins e os mapas eleitorais.
Mais do que isso, estávamos tentando entrar na era
da informática. Através da montagem de um sistema
de entrada de dados nos computadores, em forma
de boletins de urna processados por um progra150
QUASE LÁ
ma de estimativas, obteríamos resultados com os
quais a equipe e a direção poderiam ter controle
sobre possíveis fraudes e fazer projeções da votação
dos diferentes candidatos.
Para que esse sistema funcionasse, além dos grupos
de estatísticas e do centro de processamento de
dados era necessário possuir uma rede de contatos
nos municípios e uma equipe central de contatos
telefônicos, todos em linha para manter constante
o fluxo das informações. Todas essas equipes e grupos
trabalharam 24 horas por dia, em revezamento.
Foi isso que nos permitiu, no dia 17 de novembro
pela madrugada, dispor de uma projeção de nossa
vitória apertada sobre Brizola, projeção que se confirmou
somente no dia 20. No dia 18 de dezembro,
também foi com o auxílio desse sistema que a coordenação
nacional teve a certeza da derrota.
Durante todo o segundo turno a equipe central
de contatos telefônicos reforçou o setor de mobilização,
melhorando sensivelmente os contatos do
comitê nacional com os estados e municípios. Foi
fundamentalmente por meio dessa equipe que conseguimos
manter a coordenação razoavelmente informada
do que estava acontecendo na prática da
campanha em cada local e tomar uma série de medidas
para orientar o trabalho.
Os contatos com os municípios permitiram também
o surgimento de uma linha de solidariedade
especialmente entre os companheiros que trabalhavam
durante o fim da noite e as madrugadas, ocorrendo
vários fatos pitorescos. Um deles aconteceu
com Valdete, companheira do PT de Curitiba, Paraná,
151
QUASE LÁ
que na madrugada do dia 17 de novembro estava no
plantão, transmitindo os números dos boletins de
urna para o comitê nacional. Neste, quem recebia e
anotava nas fichas era o Marcelo, um dos diversos
plantonistas do horário. Minucioso, Marcelo se demorava
na conferência e pedia a repetição dos dados
antes de seguir em frente. Por isso mesmo,
Valdete se espantou um pouco quando, meio de chofre,
ele interrompeu o fluxo das informações para
dizer: “espera aí, Valdete, o chefe está aqui e vai falar
com você para dar uma força”.
No lugar do timbre macio do Marcelo, Valdete ouviu
uma voz rouca. “Como vai, companheira? Quero
agradecer o esforço de vocês e pedir que continuem
firmes na fiscalização. A disputa está difícil e a gente
não pode esmorecer um minuto. Um abraço em
todos os companheiros. Boa noite”.
Valdete não conseguiu dizer nada antes de voltar
a ouvir a voz do Marcelo. Pensou que era uma das
típicas brincadeiras de um horário como aquele: uma
e trinta da madrugada. “Valdete”, disse Marcelo, “não
perca o rumo. Vamos conferir os números. Agora
dobrado, porque não é toda hora que o Lula aparece
por aqui de madrugada para falar com a gente”. Só
então reconheceu o dono da voz rouca. Foi uma alegria
adicional à vitória do primeiro turno.
Por infelicidade, essa não foi a experiência que o
Paulo Fontes, outro membro da equipe de contatos
do comitê nacional, viveu na noite do dia 18 de dezembro,
na contagem dos votos do segundo turno.
O companheiro de Lençóis Paulista, em São Paulo,
transmitia os dados das diversas urnas do município
152
QUASE LÁ
e os resultados eram angustiosamente desfavoráveis
a Lula. A cada boletim lido cresciam os comentários
de dor e frustração do companheiro: “Não é possível.
Nós fizemos tudo direito. Trabalhamos duro.
Onde é que a gente errou?”
Pouco adiantaram os esforços para animá-lo. Do
lado de lá do fio o desespero foi crescendo até, junto
com o último boletim, explodir em soluços descontrolados.
Foi um choro sentido, o choro do sonho
desfeito.
6. Um doce sabor de vitória
As elites já não podem ter certeza de deter a hegemonia
sobre a sociedade brasileira. Grande parte
da população, dos estratos sociais mais baixos e das
chamadas classes médias, já não aceita sua influência.
Coloca em dúvida seus valores, questiona sua
dominação e quer mudar as relações que predominam
no país. É impressionante o espírito de vingança
dos pobres contra os ricos, que transparece mais,
por paradoxal que seja, justamente naqueles que votaram
no candidato do Império.
Isso obriga as elites a realizar uma disputa ideológica
e política para a qual não estavam acostumadas.
Não que tenham descurado disso, que tenham
deixado de usar eficazmente os meios de comunicação
e seus instrumentos de hegemonia e dominação
ideológica. A escola, a universidade, a família, as igrejas,
a imprensa, as artes, sempre transmitiram, predominantemente,
a ideologia do conformismo, do
sempre foi assim e sempre será, do uns mandam e
153
QUASE LÁ
os outros obedecem e do governo tudo pode. Ou
que tenham esquecido de usar, no momento certo
em que se apresentou o perigo da perda da hegemonia
e do poder político, o aparelho estatal coercitivo
para esmagar a rebeldia dos de baixo. Não, nada disso
foi esquecido.
Jamais como agora o poder e a influência desses
aparatos de transmissão ideológica e do Estado foram
tão poderosos, ou modernos, como gostam alguns.
Por outro lado, jamais a burguesia brasileira
teve tantos frenesis de contentamento com as mudanças
que estão ocorrendo no leste socialista. Ou
viveu tantos paroxismos de alegria como os decorrentes
da queda do Muro de Berlim e a introdução
da economia de mercado naqueles países. Nem intensificou
tanto como atualmente a campanha
anticomunista para contrapor-se à proposta socialista
do PT.
O problema não é esse. Se fosse, o Império não
estaria correndo o perigo de perder a hegemonia,
nem seu candidato e agora presidente teria que apresentar-
se, à revelia de parte considerável das elites,
como vingador dos pobres. Nem teria que fingir roubar
algumas das bandeiras que sempre pertenceram
aos setores populares. Ou viver a contradição de
aparentar uma postura contrária às elites, até mesmo
penalizando algumas das hostes do Império, para
dar a impressão de que penaliza a toda a sociedade
e, com isso, manter a aura de vingador dos descamisados.
Nem teria que se dispor a arrancar das elites
os anéis, se for necessário, para que não percam os
dedos.
154
QUASE LÁ
O problema, na realidade, é que os pobres – os de
baixo, os explorados e oprimidos, os de baixa renda
e sem instrução, os marginalizados, englobando a
maioria da população brasileira, mais miserável do
que os miseráveis da Índia –, mesmo não sabendo
direito o que querem, já começam a descobrir o que
não querem. Já começam a não querer continuar
convivendo com antagonismos de riqueza e pobreza
tão gritante num país que se considera a oitava economia
do mundo capitalista.
Embora não tenhamos conseguido enfrentar a
campanha anticomunista de forma ofensiva, nem
defendido nossa proposta socialista democrática com
a nitidez necessária, para essa população pobre que
vive sob o tacão do capitalismo este é muito mais
negativo do que qualquer símbolo distorcido do socialismo.
O muro da miséria brasileira é de uma realidade
muito mais pungente do que qualquer Muro
de Berlim.
Por isso, mesmo os que não despertaram, os que
acreditaram nas mentiras, os que embarcaram nas
promessas colloridas de uma vida melhor, os que
pensaram ter sua poupança a salvo do calote com a
derrota do Lula, todos esses, em sua grande maioria,
querem satisfeita a sua ânsia de mudanças. É
verdade que, no governo Collor, serão feitas mudanças
para manter tudo como antes. Mas não são as
mudanças desejadas por essa massa de milhões. Eles
não querem simplesmente que novas elites suplantem
as antigas, enquanto se mantém o mesmo processo
de espoliação dos milhões e milhões de brasileiros
que vegetam no limiar da miséria.
155
QUASE LÁ
Collor aguçou demasiadamente as expectativas.
Fez promessas e promessas, empenhou sua palavra
com gestos marcantes que ninguém esquece. Com
isso venceu. Mas ele próprio sabe que não é vingador
dos pobres e descamisados. Sabe os mil laços de
interesses que o ligam, umbilicalmente, aos capitalistas
internacionais e a setores econômicos poderosos.
Sabe que seus planos terão sempre que fingir
a proteção dos desprotegidos, mas na prática atenderão
aos mesmos interesses egoístas das hostes do
Império. Por isso, também terá que exercitar, cada
vez mais, a arte da farsa e da macaquice, para manter
a atenção popular desviada dos problemas reais,
anestesiando-a com o circo presidencial, sem darlhe
pão para comer.
Por tudo isto, ao rememorar a campanha, ao
relembrar a garra da militância e o ânimo, a alegria
e a esperança dos milhões de pobres que despertaram
para a felicidade, em comparação com a apatia
e o gesto mudo e envergonhado dos que depositaram
seu voto em Collor, não precisamos chorar sobre
o leite derramado. Os que votaram em Lula perderam,
merecendo ter vencido. Mas ao perder obrigaram
o Império a enrredar-se nas contradições que
servirão para despertar a metade que ainda tem
medo de ser feliz. Com nossa ajuda, é claro.
É isso que nos dá um doce sabor de vitória. E a
certeza de que a esperança continua mais viva do
que nunca.
157
QUASE LÁ
Neste texto não estiveram presentes nem foram
citados com a ênfase merecida muitos dos que participaram
da guerra que foi a campanha eleitoral
de 1989. Nas novelas e programas de tevê, lacunas
desse tipo são supridas pela lista dos créditos que
aparece no fecho, lista sempre extremamente maior
do que a dos personagens. Infelizmente, não poderei
imitar a televisão, já que muito provavelmente
a relação de todos os que deveriam ser citados
encheria mais páginas do que as deste livro.
De qualquer modo, para não cometer injustiças
demasiadamente grandes, é fundamental relembrar
a participação, na coordenação nacional, do grupo
de apoio jurídico, dos companheiros que garantiram
a distribuição de material de propaganda para os
estados e daqueles que conseguiram assegurar na
administração, um mínimo de funcionamento ordenado
no caos que parecia o comitê nacional. Vale a
pena reiterar o esforço de todos aqueles que travaram
a guerra da mídia no setor de imprensa e dos
que, nas equipes de rádio e tevê, souberam usar ao
máximo sua criatividade para compensar a carência
de meios materiais. E citar, mais uma vez, o desprendimento
e a competência dos companheiros da
informática e da estatística, que nos fizeram ingres-