JOSIAS: APÓS 50 ANOS, SILÊNCIO DOS MILITARES É GRITANTE
Colunista da Folha e do Uol lembra que os "remorsos históricos nunca são imediatos", mas ressalta que "os responsáveis pelos excessos da ditadura militar brasileira exageram": "Passado meio século, eles ainda não atingiram o estágio da crise de consciência"
30 DE MARÇO DE 2014 ÀS 09:58
247 – Em artigo neste domingo, o jornalista Josias de Souza, em seu blog no Uol, ressalta o silêncio dos militares 50 anos depois do golpe militar de 64. "Os remorsos históricos nunca são imediatos (...), mas os responsáveis pelos excessos da ditadura militar brasileira exageram. Passado meio século, eles ainda não atingiram o estágio da crise de consciência", escreve o colunista.
Em sua avaliação, "a fase da contrição talvez chegue um dia. Mas virá quando já não adiantar mais nada". O jornalista lembra que "sempre que procuradas para esclarecer alguma coisa, as Forças Armadas reagem com o silêncio". E opina: "É como se insinuassem que calam porque as "infâmias" dirigidas à corporação não merecem resposta". Leia abaixo seu post:
Após 50 anos, o silêncio dos militares é gritante
Os remorsos históricos nunca são imediatos. As grandes expiações sempre chegam tarde. Mas os responsáveis pelos excessos da ditadura militar brasileira exageram. Passado meio século, eles ainda não atingiram o estágio da crise de consciência. A fase da contrição talvez chegue um dia. Mas virá quando já não adiantar mais nada.
Há três dias, numa audiência pública no Senado, perguntaram ao ministro Celso Amorim (Defesa) se o governo não iria dizer alguma coisa sobre o caso do ex-deputado Rubens Paiva, moído na pancada e assassinado no Doi-Codi, no Rio. Ele deu uma resposta subdividida em três partes:
1. "O Estado brasileiro, ao pagar as indenizações já, de certa maneira, pediu desculpa por tudo que ocorreu."
2. "Agora cabe, sim, esclarecer a verdade. Estamos plenamente de acordo e cooperando nisso em tudo o que podemos."
3. "As Forças Armadas de hoje não têm nada a ver com aquilo".
Amorim soou injusto, inverídico e inútil. Foi injusto porque, ao reduzir tudo a uma questão financeira, converteu vítimas em cifrões e sonegou aos criminosos até mesmo a saída mais cínica de gozar duas vezes —uma com o crime e outra com a expiação.
Foi inverídico porque, sempre que procuradas para esclarecer alguma coisa, as Forças Armadas reagem com o silêncio. É como se insinuassem que calam porque as "infâmias" dirigidas à corporação não merecem resposta.
De resto, Amorim soou inútil porque sua desconversa não tem nenhuma serventia para o pedaço mais moço das Forças Armadas. Enquanto não forem desfeitas mentiras como as que converteram Rubens Paiva de cadáver estatal em prisioneiro resgatado por "terroristas", todo militar fica sujeito a ser chamado de culpado ou conivente.
Costuma-se dizer que a história pertence aos vitoriosos. Nem sempre. Embora tenha esmigalhado seu o inimigo doméstico, as Forças Armadas não podem fazer barulho em torno do que chamam de triunfo.
Certos militares da velha-guarda afirmam que a demolição do Muro de Berlim provou o despautério da ideologia que levou a esquerda brasileira às armas. Nessa versão, a ditadura salvou o Brasil da insanidade dos seus radicais.
O diabo é que o silêncio das Forças Armadas grita há 50 anos que os militares brasileiros prevaleceram numa guerra de porão —com muito sangue e pouco método. Empregaram práticas das quais não podem se vangloriar no alto do caixote, em praça pública.
Como qualquer repartição pública, as Forças Armadas são custeadas com o dinheiro dos impostos. Aceitar com naturalidade o silêncio perpétuo sobre a tortura e o sumiço de compatriotas equivaleria a tratar todo cidadão em dia com o fisco como cúmplice da barbárie.
O silêncio dos militares é o ruído rouco de um passado que não passa. É o barulho de uma história que tem início e meio, mas não tem fim.
O silêncio impede que os desaparecidos desapareçam. Eles sobrevivem no inconformismo de viúvas, mães e parentes privados do direito de enterrar punhados de ossos sobre os quais possam derramar lágrimas e depositar flores no Dia de Finados.
Caprichoso, o destino providenciou para que o cinquentenário da ditadura caísse no governo da ex-torturada Dilma Rousseff. Em qualquer administração, o silêncio dos responsáveis pelos excessos da ditadura militar brasileira soaria mal. Sob Dilma, o mesmo velho silêncio torna-se gritante.
http://www.brasil247.com/pt/247/brasil/134954/Josias-ap%C3%B3s-50-anos-sil%C3%AAncio-dos-militares-%C3%A9-gritante.htm
DCM: ESPECIAIS SOBRE GOLPE DE 64 SÃO “UMA TRAGÉDIA”
Jornalista Paulo Nogueira, do Diário do Centro do Mundo, condena reportagens da imprensa sobre os 50 anos do golpe militar, que não citam "uma linha" sobre o papel exercido pelos jornais naquele período; "1964 não teria existido sem a imprensa, este é um fato doído para nós, jornalistas", lamenta
30 DE MARÇO DE 2014 ÀS 12:30
247 – Os 50 anos do golpe militar resultaram na divulgação de especiais sobre o assunto em todos os principais jornais do País. O tratamento da imprensa ao tema é condenado pelo jornalista Paulo Nogueira, do Diário do Centro do Mundo, que critica o fato de as matérias não darem "uma linha" sobre "o que jornais como o Globo, a Folha, o Estadão e tantos outros fizeram".
"É uma tragédia e ao mesmo tempo uma comédia", define o jornalista, ao falar dos especiais. Ele afirma que "1964 não teria existido sem a imprensa", uma vez que "os jornais construíram um Brasil fantasioso – de mentira, sejamos diretos – que chancelaria a ação dos militares". Nogueira ressalta ainda: "o apoio da mídia à ditadura se manteria enquanto os militares foram fortes para beneficiar seus donos".
Leia a íntegra de seu artigo aqui.
http://www.brasil247.com/pt/247/midiatech/134970/DCM-especiais-sobre-golpe-de-64-s%C3%A3o-%E2%80%9Cuma-trag%C3%A9dia%E2%80%9D.htm
FOLHA JUSTIFICA APOIO AO GOLPE MILITAR DE 64
"Aos olhos de hoje, apoiar a ditadura militar foi um erro, mas as opções de então se deram em condições bem mais adversas que as atuais", diz editorial de página inteira publicado neste domingo, 30 de março, quando se completam 50 anos do golpe que culminou em uma ditadura militar; "Este jornal deveria ter rechaçado toda violência, de ambos os lados, mantendo-se um defensor intransigente da democracia e das liberdades individuais", afirma ainda o jornal de Otavio Frias Filho; texto defende que repúdio ao regime é merecido, mas que nem todas as críticas têm fundamento
30 DE MARÇO DE 2014 ÀS 08:52
247 – Em um editorial de página inteira, a Folha de S. Paulo justifica neste domingo 30, quando se completam 30 anos do golpe militar no Brasil, o apoio que deu o regime. "Aos olhos de hoje, apoiar a ditadura militar foi um erro", diz o texto. "Este jornal deveria ter rechaçado toda violência, de ambos os lados, mantendo-se um defensor intransigente da democracia e das liberdades individuais", prossegue o texto.
O jornal de Otavio Frias Filho ressalta que "é fácil, até pusilânime, porém, condenar agora os responsáveis pelas opções daqueles tempos, exercidas em condições tão mais adversas e angustiosas que as atuais". De acordo com a publicação, os defensores do regime militar, à época, "agiram como lhes pareceu melhor ou inevitável naquelas circunstâncias". Texto defende também que repúdio ao regime é merecido, mas que nem todas as críticas têm fundamento.
A Folha é acusada de ter colaborado com a ditadura militar emprestando carros da empresa para que policiais do DOI-Codi, órgão de repressão da ditadura, fizessem campana e prendessem militantes de esquerda. Dois deles afirmam, em depoimento, ter visto caminhonetes do jornal no prédio do DOI-Codi na rua Tutoia, no bairro da Vila Mariana, zona sul de São Paulo, onde ficaram presos.
Leia abaixo a íntegra do editorial:
1964
O regime militar (1964-1985) tem sido alvo de merecido e generalizado repúdio. A consolidação da democracia, nas últimas três décadas, torna ainda mais notória a violência que a ditadura representou.
Violência contra a população, privada do direito elementar ao autogoverno. E violência contra os opositores, perseguidos por mero delito de opinião, quando não presos ilegalmente e torturados, sobretudo no período de combate à guerrilha, entre 1969 e 1974.
Aquela foi uma era de feroz confronto entre dois modelos de sociedade --o socialismo revolucionário e a economia de mercado. Polarizadas, as forças engajadas em cada lado sabotavam as fórmulas intermediárias e a própria confiança na solução pacífica das divergências, essencial à democracia representativa.
A direita e parte dos liberais violaram a ordem constitucional em 1964 e impuseram um governo ilegítimo. Alegavam fazer uma contrarrevolução, destinada a impedir seus adversários de implantar ditadura ainda pior, mas com isso detiveram todo um impulso de mudança e participação social.
Parte da esquerda forçou os limites da legalidade na urgência de realizar, no começo dos anos 60, reformas que tinham muito de demagógico. Logo após 1964, quando a ditadura ainda se continha em certas balizas, grupos militarizados desencadearam uma luta armada dedicada a instalar, precisamente como eram acusados pelos adversários, uma ditadura comunista no país.
As responsabilidades pela espiral de violência se distribuem, assim, pelos dois extremos, mas não igualmente: a maior parcela de culpa cabe ao lado que impôs a lei do mais forte, e o pior crime foi cometido por aqueles que fizeram da tortura uma política clandestina de Estado.
Isso não significa que todas as críticas à ditadura tenham fundamento. Realizações de cunho econômico e estrutural desmentem a noção de um período de estagnação ou retrocesso.
Em 20 anos, a economia cresceu três vezes e meia. O produto nacional per capita mais que dobrou. A infraestrutura de transportes e comunicações se ampliou e se modernizou. A inflação, na maior parte do tempo, manteve-se baixa.
Todas as camadas sociais progrediram, embora de forma desigual, o que acentuou a iniquidade. Mesmo assim, um dado social revelador como a taxa de mortalidade infantil a cada mil nascimentos, que era 116 em 1965, caiu a 63 em 1985 (e melhorou cada vez mais até chegar a 15,3 em 2011).
No atendimento às demandas de saúde e educação, contudo, a ditadura ficou aquém de seu desempenho econômico.
Sob um aspecto importante, 1964 não marca uma ruptura, mas o prosseguimento de um rumo anterior. Os governos militares consolidaram a política de substituição de importações, via proteção tarifária, que vinha sendo a principal alavanca da industrialização induzida pelo Estado e que permitiu, nos anos 70, instalar a indústria pesada no país.
A economia se diversificou e a sociedade não apenas se urbanizou (metade dos brasileiros vivia em cidades em 1964; duas décadas depois, eram mais de 70%) mas também se tornou mais dinâmica e complexa. Metrópoles cresceram de modo desordenado, ensejando problemas agudos de circulação e segurança.
O regime passou por fases diferentes, desde o surto repressivo do primeiro ano e o interregno moderado que precedeu a ditadura desabrida, brutal, da passagem da década, até uma demorada abertura política, iniciada dez anos antes de sua extinção formal, em 1985.
As crises do petróleo e da dívida externa desencadearam desarranjos na economia, logo traduzidos em perda de apoio, inclusive eleitoral. O regime se tornara estreito para uma sociedade que não cabia mais em seus limites. Dissolveu-se numa transição negociada da qual a anistia recíproca foi o alicerce.
Às vezes se cobra, desta Folha, ter apoiado a ditadura durante a primeira metade de sua vigência, tornando-se um dos veículos mais críticos na metade seguinte. Não há dúvida de que, aos olhos de hoje, aquele apoio foi um erro.
Este jornal deveria ter rechaçado toda violência, de ambos os lados, mantendo-se um defensor intransigente da democracia e das liberdades individuais.
É fácil, até pusilânime, porém, condenar agora os responsáveis pelas opções daqueles tempos, exercidas em condições tão mais adversas e angustiosas que as atuais. Agiram como lhes pareceu melhor ou inevitável naquelas circunstâncias.
Visto em perspectiva, o período foi um longo e doloroso aprendizado para todos os que atuam no espaço público, até atingirem a atual maturidade no respeito comum às regras e na renúncia à violência como forma de lutar por ideias. Que continue sendo assim.
http://www.brasil247.com/pt/247/midiatech/134949/Folha-justifica-apoio-ao-golpe-militar-de-64.htm