artigo, Paulo Di Blasi
A redução de um ponto percentual na taxa básica de juros pelo Copom não chegou a surpreender os especialistas. Com isto, a Selic ficará no patamar de 10,25% ao ano. Espera-se que, ainda este ano, a taxa caia mais, chegando a um dígito.
Só a título de comparação, no início do Plano Real, período da âncora cambial, que foi de julho de 1994 a janeiro de 1999 (seis meses de governo Itamar Franco e os quatro primeiros anos de governo de Fernando Henrique Cardoso), a taxa média Selic foi de 36,5% ao ano.
Apesar de ser o menor valor histórico, em comparação com outros países ainda temos uma das maiores taxas do planeta. Mas essa redução vai permitir ao governo uma economia de cerca de R$ 11 bilhões em juros por ano. Ou seja, sobra mais dinheiro para investimento na nossa economia. Esse efeito positivo demora cerca de quatro a seis meses para ser inteiramente absorvido pelos agentes econômicos e ter impacto positivo para a população com a melhora no nível de emprego e renda.
As aplicações em renda fixa devem cair para cerca de 8% a 8,5% líquidos ao ano, ou seja, uma taxa real entre 3% e 4% ao ano. Taxas de juros reais mais baixas estimulam aplicações em renda variável (ações) e imóveis (pela valorização do mesmo e recebimento de aluguel), que historicamente ganham entre 5% a 7% acima da inflação ao ano no longo prazo.
Com juros mais baixos a pressão de venda na cotação do dólar frente ao real diminui, o que deve beneficiar as exportações do Brasil ao longo do tempo, ajudando na geração de emprego e renda que tanto precisamos, especialmente em momentos de crise. [...]
[...] Para que o Banco Central consiga manter a trajetória descendente da taxa básica de juros, é inexorável que o risco país volte a cair para baixo dos 200 pontos básicos (2% de spread entre as taxas pagas por títulos do governo americano e títulos brasileiros no exterior), caso contrário, qualquer aumento que o Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) faça na taxa básica de juros americana, o Copom terá que agir da mesma forma, para que a taxa de câmbio não sofra fortes oscilações, de forma a manter o equilíbrio entre as taxas de juros das moedas.
Neste sentido, constata-se que o nível de nossa taxa Selic depende de fatores internos e externos. Deve-se manter um equilíbrio fiscal e a inflação controlada, além de uma credibilidade externa que aceite um baixo spread para comprar títulos brasileiros no mercado internacional.
Este é um artigo que mostra de forma bem didática o mecanismo da política monetária. Sem a ironia do post anterior é preciso entender que o Banco Central tem como foco principal, proteger o Real e manter a inflação dentro da meta definida pelo Conselho Monetário Nacional, formado pelo presidente do BC e pelos mnistros da Fazenda e Planejamento. Em seu livro "Formigas e cigarras", o ex-minitro Antônio Palocci mostra claramente o quanto o presidente Lula influencia nessa meta.
Dinâmica da taxa Selic no governo Lula, Agência Estado |
Reparem que esse gráfico mais se parece com um tobogã. Começa lá no alto, vai descendo, depois sobe um pouco e volta a cair. São curvas mais ou menos simétricas, mas sempre em um nível mais abaixo. Nele, temos três ciclos de alta. O primeiro logo no começo do governo Lula, em 2003, na sequência da crise cambial do fim do governo FHC. O governo se viu obrigado a radicalizar o choque monetário para baixar o dólar e a inflação.
O segundo ciclo começa no fim de 2004, ano de grande crescimento do PIB. Naquele período, o ciclo de investimentos ainda não era capaz de sustentar o ritmo de consumo e o choque de demanda fez a inflação aumentar. Os índices de atacado voltaram aos dois dígitos. O terceiro ciclo começou no segundo trimestre de 2008, pelo mesmo choque de demanda somado ao forte aumento dos preços das commodities no mercado internacional. A economia começou a ficar superaquecida e o Banco Central começou a apertar a política monetária para frear o consumo ao mesmo tempo em que forçava a cotação do dólar para baixo.
Nos dois ciclos iniciais, assim que a inflação voltava para o centro da meta, o Copom tornava a baixar os juros básicos e um novo clico começava. Este último foi abruptamente interrompido pela crise do subprime, que reverteu de forma radical as expectativas, derrubou o crédito e os preços das commodities. Os estoques muito altos inibiram investimentos e o PIB tombou de 6,8% no terceiro trimestre para 1,3% no quarto.
A pergunta que não quer se calar é: estamos presos a esses ciclos de altas e baixas da Selic? Acredito que sim, mas seguindo a trajetória do tobogã, sempre em um nível mais baixo e em ciclos mais curtos, até ela se estabilize num patamar, vamos dizer, mais estável.
É como uma armadilha criada por uma série de distoirções, que vão desde a fragilidade das contas públicas até o nível historicamente baixo de nossos investimentos produtivos. As curvas mais amenas nos últimos anos, significam que estas distorções estão sendo sanadas ou pelo menos minimizadas. Talvez não da forma e velocidade que gostaríamos, mas talvez da forma como é possível e sustentável.
O fato é que sempre que o consumo interno atinge um certo patamar mais aquecido que a oferta, chegamos a um ponto que muitos economistas chamam de "PIB potencial", ou seja, um ponto de crescimento que se superado causa maiores distorções fiscais, gerando como consequência inflação e déficits externos. No entanto, inversamente proporcional à curva da Selic, o PIB potencial brasileiro tem aumentado. Podemos alcançar taxas de crescimento maiores, sem maiores problemas.
Não fosse a crise internacional, é possível que a taxa Selic estivesse agora na casa dos 15%, na tentativa de desaquecer uma economia que teria crescido mais de 6% em 2008, acima do PIB potencial daquele período, que possivelmente estava em tornos 5%. Há 5 anos, esses mesmos 5% causariam distorções imensas.
Mas não se iludam, pois assim que a economia voltar a se aquecer um novo ciclo de alta virá, provavelmente menor e mais curto, até estarmos prontos para uma nova queda.
Precipitar esse movimento baixando juros além das chamadas taxas de equilíbrio é uma tentação e tanto, mas dificilmente irá interromper o mecanismo de ciclos, ao contrário, os tornaria mais radicais e instáveis.
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