Este formato de jornalismo radiofônico e televisivo foi inaugurado no Brasil pelo lendário programa Repórter Esso, que foi ao ar pela primeira vez em 28 de agosto de 1941. Mesmo quem não viveu a época continua influenciado por ele. Basta lembrar a permanência de um prêmio jornalístico que leva o nome da empresa de petróleo norteamericana e o uso ainda frequente de expressões como “deu no repórter”, em alusão a notícias vistas ou ouvidas.
Porém, a principal influência do Repórter Esso continua forte através da manutenção do formato do noticiário, usado por todos os telejornais e programas radiofônicos de noticias. E especialmente através do mesmo registro ideológico. Normalmente lembrado apenas pela excelência técnica, o famoso programa é objeto agora de uma nova abordagem, através do livro O Repórter Esso — A Síntese Radiofônica Mundial que Fez História, do professor de Comunicação Luciano Klöcner, da PUC Rio Grande do Sul.
“Na análise do discurso do noticiário, e através de documentos que comprovam sua origem, procurei comprovar que o Repórter Esso era um produto a favor dos interesses estadunidenses na América Latina, do governo e da multinacional Esso”, conta Klöcner, que teve acesso a todas as gravações que foram ao ar nos anos 1940 e 50 e que ainda estão preservadas nos arquivos da Rádio Nacional.
O programa foi elaborado por uma agência de publicidade, a McCan, que redigia o noticiário a partir dos Estados Unidos, desde o início até 31 de dezembro de 1968, quando foi ao ar a última edição no rádio. Uma das metas do programa era impedir que o Brasil criasse sua própria empresa petrolífera.
“Em todos os programas que pude ouvir, a Petrobras não é citada uma única vez, mesmo quando era um dos assuntos mais importantes da agenda brasileira”, atesta o professor. O tema petróleo era sempre abordado de forma subliminar, através de notícias sobre a deposição ou morte de lideranças árabes que buscavam nacionalizar a exploração das reservas, ou de conflitos sociais supostamente causados por tentativas semelhantes.
Passada a Segunda Guerra Mundial, o noticiário ostensivo a favor dos Aliados cede lugar ao discurso anticomunista, tão ou mais ostensivo que o anterior. Frases como “sanguinários comunistas” ou de sentenças como “cada nação livre na luta de vida ou morte contra o comunismo terá de contribuir com aquilo de que disponham, armas, materiais ou tropas”.
Outra característica do programa, pelo menos até a entrada do Brasil na Segunda Guerra, era a total ausência de notícias locais. A Esso, que patrocinava integralmente o programa, levava ao público apenas notícias que lhe interessavam comercialmente.
Em 1957, a Câmara dos Deputados instalou uma CPI para investigar as ações da Esso e da Shell no Brasil, trazendo à tona diversas informações sobre as atividades das empresas e das embaixadas norte-americanas. Evidentemente sem repercussão adequada na imprensa, a CPI tornou-se apenas objeto de pesquisadores.
O Repórter Esso também chegou à TV, mas morreu quase na mesma época que no rádio. “Foi embora sem transmitir a chegada do homem à Lua”, destaca Klöcner, que, garoto, presenciou a comoção gerada pelo fim das transmissões.
Esse fim teve ao menos duas causas. A primeira delas, segundo o livro, uma eficaz estratégia de marketing da concorrente Shell, que passou a patrocinar atrações musicais e a adotar como garotos-propagandas estrelas como Roberto Carlos e Wilson Simonal. Com menos custos que a Esso e com um apelo muito popular, a Shell avançou sobre os consumidores, levando a Esso a repensar sua estratégia.
Ao mesmo tempo, houve a entrada da Globo — outrora apenas um jornal do Rio — na TV, turbinada por um acordo milionário com o grupo norte-americano Time-Life, que também queria um canal de divulgação das ideias e ideais dos Estados Unidos. “O Repórter Esso ficou espremido, já havia cumprido seu papel”, diz o autor da pesquisa.
Como já se disse, deixou herdeiros. Para Klöcner, exemplos claros da influência são as notinhas publicadas pela Folha de S.Paulo, escondendo fatos importantes, e em programas como Repórter CBN, além, é claro, do Jornal Nacional. Para o professor, é extremamente necessário mudar o cenário das telecomunicações no Brasil, fortalecendo mídias alternativas e derrubando o atual regime de concessões, que ele chama de resquício da ditadura.
Fonte: Jornal da CUT