Foi preciso o diário econômico alemão Handelsblatt chamar a atenção: atrás da mesa de trabalho do chanceler Celso Amorim, no Itamaraty, há uma intrigante tapeçaria, um mapa-múndi de 1503, onde o hemisfério Sul, e portanto o Brasil, fica na parte de cima.
Enquanto os visitantes de Amorim ''olham, perplexos, o mapa, ele mesmo já transmitiu sua mensagem. O Brasil deixou de ser periferia'', escreveu o jornal.
A cúpula do G8+G5, realizada em L'Aquila, Itália, voltou a emitir sinais de que o mapa do ministro é mais que uma excentricidade. O Brasil está mudando seu lugar no mundo.
Esta é uma análise onde qualquer chauvinismo emproado só pode atrapalhar. O fenômeno faz parte de uma redefinição de conjunto do tabuleiro global, num planeta em transição. Os Estados Unidos perdem posições, empurrados pela crise e pelos fracassos de sua política unilateral. O G8 agoniza, mesmo que diplomatas ligados à direita, no Brasil, recusem-se a reconhecer este fato. Outros atores mundiais se adiantam, a começar pela China, com suas três décadas de crescimento de dois dígitos, desacelerado em 2009 para 8%.
Mas é notável a desenvoltura com que o Brasil se movimenta nesse cenário, e ganha terreno. A mídia estrangeira registra que nunca ele teve um peso tão elevado na cena internacional.
Em L'Aquila discutiu-se a mudança climática. O Brasil defendeu que os países têm que se comprometer a reduzir a emissão de gases, mas com responsabilidades diferenciadas, entre os ricos, que se industrializaram há 100 ou 200 anos, e os pobres, que mal começam a se industrializar - uma tese já tradicional da diplomacia brasileira, e que agora começa a ser acatada até pelos mais ricos.
L'Aquila não foi um raio em céu azul. Este mesmo protagonismo se reflete nas negociações sobre o livre comércio e crise global, reforma da ONU, os direitos humanos, o recente golpe em Honduras e o espinhoso conflito do Oriente Médio.
A mídia local torce o nariz, menospreza, mofa. Mas a despeito dela, o lugar do Brasil já não é o de antes, em um canto do mundo, no Extremo Ocidente, à sombra dos EUA. A cena mundial em transição propiciou a base para esse deslocamento. Mas há aqui também engenho e arte.
O Itamaraty, dentro de uma tradição que vem desde o barão do Rio Branco, diplomata e capoeirista, há muito se preparava para tal papel. Tanto que a política externa brasileira em geral situou-se alguns passos à frente de outras esferas da política de Estado.
Porém com Lula a disposição avançada da diplomacia encontrou um presidente que a endossa, impulsiona e encarna. Primeiro, por atacar calcanhar de Aquiles do país e de sua imagem, que são as iniquidades sociais. Segundo, por redefinir prioridades, pondo à frente a relaçãocom os vizinhos sul-americanos, seguida pelas parcerias Sul-Sul, com a África, a China, a Índia, o mundo árabe.
Há ainda um terceiro elemento, mais impalpável e subjetivo: Lula, formado na exigente escola negociadora sindical, revela-se um excepcional diplomata, que não só assimilou as manhas do ofício mas dá a ele seu aporte pessoal. Ao tourear George W. Bush, ou constatar que Ahmadinejad venceu a eleição iraniana, ou presentear camisas da seleção canarinha a chefes de Estado, ''o cara'' tem conferido à diplomacia brasileira um rosto que a ajuda a avançar.
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