Princípio da “Auto-Determinação dos Povos”: imperativo para a estabilidade
Lula quer que o respeito à vontade popular e às estruturas constitucionais dos países das Américas seja uma realidade intocável, sem perigo de golpes contra a soberania dos países. E esta preocupação, para quem não acredita em duendes, tem fundamento não só do ponto de vista geoestratégico no contexto atual, mas possui bases sólidas também na história recente do Brasil e da América Latina. Há uma relação direta entre o maior ou menor fluxo de capitais das transnacionais sediadas em países da América Latina (defendidas pelos EUA) e a estabilidade ou não das instituições democráticas e soberanas dos países da região. Sempre que surgiram projetos consistentes de desenvolvimento autônomo, baseados em forças políticas nacionais e populares, golpes e campanhas desestabilizadoras foram utilizadas pelos EUA, sempre com a colaboração de seus asseclas locais. O problema é sempre o mesmo: a necessidade de se restringir ou controlar as transnacionais e suas remessas descontroladas de lucros, como condição essencial para o desenvolvimento real das nações. Poder-se-ía citar dezenas de casos de governos nacionalistas e populares derrubados apenas porque cometeram o grave “pecado” de cumprir suas obrigações como governantes no sentido de desenvolverem seus países. Foi o que ocorreu com Vargas (no Brasil), Perón (na Argentina), Arbénz (na Guatemala), Cárdenas (México), Allende (Chile) e, mais recentemente, Hugo Chaves (Venezuela). Todos, derrubados, forçados a abandonar o poder ou mortos, não por serem “populistas” (como os eternos lacerdistas das nossas universidades costumam chamar), mas porque tentaram criar condições efetivas de desenvolvimento para seus povos. Ou seja, por que cumpriam suas obrigações. Desenvolvimento que implicava (e implica), necessariamente, a nacionalização soberana das forças produtivas de que dispunham e, claro, o controle ou exclusão dos ditos “investimentos diretos estrangeiros” e seus mecanismos espertalhões de “remessas de lucro”.
Goulart e a “Lei da Remessa de Lucro”
Apenas para ficarmos num exemplo mais recente, no Brasil, nunca é demais lembrar o caso do fraco presidente João Goulart. Ao contrário do que se pensa, não caiu tanto pelo que desejava fazer com relação às chamadas “reformas de base”, como a agrária, a universitária e a financeira. Jango caiu porque foi obrigado a mexer num vespeiro: o controle sobre as remessas de lucros das transnacionais. Na verdade, não tinha tanta vontade de se livrar delas. Ao contrário da popularidade de Lula hoje, não tinha apoio muito sólido nem entre os operários e estudantes. Seu governo foi cheio de concessões a seus credores norte-americanos. A mais grave, foi a imposição, pelos EUA, da compra da falida multinacional AMFORP - American and Foreign Power -, um conjunto de 12 empresas de eletricidade, espalhadas pelo Brasil, subsidiária da Bond & Share. Os norte-americanos cobraram 188 milhões de dólares, mas, na realidade, seu valor real era um terço do montante exigido. Tal subserviência canina resultou em um abalo na estrutura de governo do presidente. Já era evidente o fracasso do “Plano Trienal”, pois nem a inflação fora contida nem o crescimento pretendido fora alcançado. O governo, pressionado por sucessivas greves em diferentes setores, acabou concedendo aumentos salariais acima do previsto pelo Plano. Atendendo aos reclamos dos empresários, abrandou a contenção de crédito. Essas medidas, sem mexer nas remessas, aumentaram as taxas de inflação, que já vinham corroendo a economia desde JK. Diante do agravamento da crise econômico-financeira, o FMI, percebendo a fragilidade do governo, não liberou a renegociação da nossa dívida externa. Só de “sacanagem”, pode-se dizer, o governo do democrata J. F. Kennedy suspendeu créditos ao governo de Goulart. E ao mesmo tempo, numa atitude agressiva, concedeu empréstimos e facilidades comerciais diretamente aos governadores e prefeitos brasileiros, opositores de Jango. A idéia era desestabilizar o governo. Só depois disso o indeciso Goulart, então já desesperado, resolveu agir com maior firmeza e radicalizar suas medidas. Assim, determinou ao novo ministro da Fazenda, Carvalho Pinto (Celso Furtado tinha sido afastado), a reativação imediata da Lei de Remessa de Lucros. Era apenas uma retaliação, não uma convicção do presidente de que aquela era uma medida correta para o Brasil. A lei já havia sido aprovada pelo Congresso em setembro de 1962, porém, ainda não tinha sido regulamentada pelo Executivo. Se colocada em prática, evitaria a saída do enorme volume de dinheiro obtido pelas transnacionais no Brasil (a verdadeira e estrutural causa da inflação desde o governo enganoso de JK). Por isso, os poderosos grupos internacionais que atuavam no país ficaram alarmados e, através do embaixador norte-americano no Brasil, Lincoln Gordon, procuraram por todos os meios evitar a regulamentação. As pressões foram em vão. Em janeiro de 1964 a Lei foi finalmente regulamentada. Porém, como diz o poeta, “Inês é morta”. A partir do momento que a assinou, Goulart selou destino. Não passou 60 dias a mais no governo. O resto da história... já sabemos no que deu.
A situação atual: diferente de Goulart, Jânio e Collor, Lula “não dá asas à cobra”...
Durante muito tempo tive ódio de mim mesmo por ter votado em Lula para o primeiro mandato. Assim como milhões de brasileiros, não admitia a lentidão das mudanças e, principalmente, a manutenção da política econômica do “governo” anterior. Achava que o presidente teria que ter arrancado à fórceps aquela herança maldita. Teria que ter culhão. Quando Berzoinni e Palocci propuseram as reformas previdenciária e tributária, detonando com a já arrochada classe média e aposentados e pensionistas, fiquei ainda mais revoltado. Depois da preservação da autonomia real e deletéria do Banco Central, nas mãos do funcionário do Banco de Boston, então, fiquei furioso e sem esperanças. Mas, refletindo sobre o que acontecia na Venezuela e analisando a atuação da grande e poderosa mídia brasileira, quis acreditar que Lula poderia ter razão em não acelerar as mudanças. A reação poderia ser fatal. O perigo de golpes diretos ou indiretos, como se viu, sempre é uma ameaça muito grande. Afinal, uma coisa é analisar a situação olhando de fora. Outra, bem diferente, é estar no poder, tomando decisões. Hoje, acredito (ou espero) que Lula tenha a perfeita compreensão de seu poder e de suas limitações. No plano interno, depois de dois mandatos, apesar do lacerdismo desavergonhado da mídia e das insatisfações localizadas de setores médios urbanos, conseguiu avançar bastante. Diferente de Goulart, tem perto de 80% de apoio popular, não só entre os trabalhadores organizados (sindicalizados), mas também em nas classes “C” e “D”, aqueles mesmos “descamisados” que apoiavam o Collor e que não votavam jamais no PT. As políticas de proteção social adotadas, como o “Bolsa Escola”, foram decisivas para esta expansão. Lula tem ainda uma forte base parlamentar. Bem articulada e variada, principalmente com o apoio, no segundo mandato, do PMDB, um grande esforço do ex-presidente Sarney. Providência fundamental que Goulart, assim como Jânio Quadros no passado e Collor recentemente, não conseguiu adotar. E Lula, a despeito de sua própria vontade, não tem ainda contra si a ira da poderosa oligarquia financeira internacional e dos “gerentões” das transnacionais, pois está obrigado a manter a estrutura básica da política econômica monetarista, baseada no câmbio livre e na manutenção do famigerado “superávit fiscal”. Quer dizer, além de contar com a fraqueza e a inoperância de uma “oposição” anêmica, inexpressiva e de rabo preso, Lula tem o apoio tanto dos setores mais poderosos da economia dependente brasileira quanto das pessoas mais pobres. Apenas setores específicos da classe média, arrochados por impostos e contribuições exorbitantes - e prejudicados por coisas como a reforma previdenciária dos patetas Palocci e Berzoini -, têm reclamações consistentes contra o governo. E o presidente sabe que tais reclamações não poderão ficar sem respostas por muito tempo. Com as descobertas do “Pré-Sal” e a necessidade de investimentos em nossa infra-estrutura, barreiras ao desenvolvimento, herdadas do lamentável período FHC, terão necessariamente que ser removidas, como o câmbio flutuante, a DRU, as metas fiscais, etc.. As ações golpistas e as manipulações da imprensa, hoje sem grandes ressonâncias, podem se tornar cada vez mais perigosas, na medida em que o projeto de resgate da soberania efetiva do Brasil avance e se aprofunde. Lula sabe, também, que politicamente não pode contar com um terceiro mandato. Daí a necessidade imperiosa de que Dilma vença e evite um retrocesso. Ela é hoje a única que tem capacidade técnica e política de dar continuidade a este doloroso processo.
Evitando futuros problemas...
Mas uma coisa poderia ameaçar um futuro governo Dilma comprometido com a independência efetiva do Brasil. A institucionalização, no Hemisfério Ocidental, da perigosa e devastadora aliança entre os golpistas internos de sempre e o já manjado “Big Stick” norte-americano. Há a necessidade de não se admitir, dentro do Direito Público Internacional, novas intervenções de força, como a que ocorreu tanto no Brasil em 64, como a que aconteceu na Venezuela recentemente. Em tempos de “Pré-Sal e reestruturação da 4ª Frota dos EUA no Atlântico Sul, de “Plano Colômbia” e constantes ameaças à Amazônia brasileira (principalmente com relação ao nosso nióbio na Raposa Serra do Sol), com todas as tolices sobre clima em Copenhague e tudo mais, não se pode considerar exagerado o esforço da diplomacia brasileira em amarrar regras claras de repúdio internacional contra qualquer futura intervenção norte-americana na América Latina. Apenas e tão somente por isso, Lula tem razão em defender o presidente eleito de Honduras, Manuel Zelaya. Não está defendendo Zelaya, está defendendo o combate ao precedente, que poderá afetar o Brasil amanhã.
Mexendo novamente no “vespeiro”: a evasão de divisas e as perdas internacionais do Brasil
Apesar da grande mídia não mostrar, ao mesmo tempo em que se previne contra futuros golpes, Lula e Dilma sabem que terão que combater o mesmo problema que Goulart teve que enfrentar. Logicamente, dentro de um contexto muito mais favorável, como demonstrei. Recentemente, houve a 6ª edição da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (Enccla), realizada em Salvador (BA), entre 25 e 28 de novembro de 2008. É uma importante iniciativa do Ministério da Justiça, que comanda as ações da Polícia Federal. Polícia Federal que vem sendo decisiva para combater a corrupção em todos os níveis, tanto aquela corrupção no varejo, como a do Arruda no GDF, quanto aquela corrupção no “atacadão” das transnacionais. Na oportunidade, foram definidos eixos estratégicos em que se estabeleceram ações para o enfrentamento à improbidade administrativa, à lavagem de dinheiro por meio do comércio, como a identificação de matriz de risco (tipologias) e a regulamentação das técnicas especiais de investigação. Quer dizer, Lula, agora com muito mais força, tanto no plano interno como no internacional (que vem construindo), do que tinha João Goulart nos Anos 60, com razão está preocupado com o controle das remessas ilegais de lucro. E sabe que encontrará grande resistência. O governo, apesar da mídia não mostrar, está adotando medidas duras para controlar não somente as remessas ilegais, mas também as que, apesar de legalmente realizadas (como as famigeradas “Contas CC5”), não têm base ética de existirem. Recentemente, o governo recuperou US$ 1 milhão do escândalo bilionário de envio de remessas ilegais do Banestado. Descoberto em 1998, o escândalo no sistema financeiro que envolvia remessas ilegais de dinheiro para o exterior deu origem a uma investigação federal e a uma Comissão Parlamentar de Inquérito em 2003. O dinheiro, que estava bloqueado nos Estados Unidos, será depositado na conta do Tesouro e representa muito pouco dos US$ 20 bi desviados, mas já se abriu um precedente. Essa não é a primeira repatriação de recursos do caso do Banestado. Em novembro de 2007, US$ 1,6 milhão foram devolvidos aos cofres públicos. Pela legislação norte-americana, o país tem direito a um terço dos recursos que foram enviados ilegalmente. A recuperação dos recursos estava sendo negociada pelo Ministério da Justiça e pelo Department of Homeland Security (DHS), responsável pela segurança interna e que também atua para coibir a remessa de dinheiro ilegal para os Estados Unidos. De acordo com o procurador da República Vladimir Aras, que atuou em 2004 na força-tarefa montada pelo Ministério Público Federal (MPF) e Polícia Federal (PF) do Paraná para investigar o esquema, os criminosos usavam dois mecanismos para a remessa: as contas CC5, aquelas em que o titular não é residente, e, por isso, pode converter os saldos em dólares, e o dólar cabo, que é a transferência virtual de recursos. "Durante a operação Zero Absoluto, pedimos o congelamento dos ativos e é parte desses valores que estamos recuperando", afirma Aras, explicando que, na época, o MPF pediu a repatriação de cerca de US$ 27 milhões. Lula quer que o combate à lavagem de dinheiro seja intensificado, daí suas preocupações com as resistências ao seu governo, pois mexerá com gente poderosa. Por isso, além da diplomacia do Itamaraty junto à comunidade internacional, determinou que serão prioridades em 2010:
- Ações contra a formação de milícias nos estados
- Investigação do uso de paraísos fiscais como destino de dinheiro ilícito
- Apuração de formação de quadrilhas nos sistemas prisionais
- Evitar a corrupção associada a serviços terceirizados
- Fiscalização para evitar irregularidades nas licitações referentes à Copa do Mundo de 2014 e aos Jogos Olímpicos de 2016
O problema, como há 40 anos, é a extrema facilidade na movimentação financeira pelos elementos envolvidos em casos como o das organizações terroristas internacionais quanto dos cleptocratas e corruptos de todos os matizes, que se beneficiam justamente da desregulamentação das movimentações financeiras em escala mundial, o que permite que suas operações ilegais sejam encobertas e não possam ser rastreadas. Isto vem ocorrendo principalmente depois da onda neoliberal intensificada a partir das décadas de 80 e 90. Em especial, no governo apátrida de FHC.
Como está, o Brasil exporta capitais
Segundo informações oficiais do próprio Banco Central, obtidas pelo “censo de capitais de brasileiros no exterior”, referente ao ano de 2004, oficialmente (OFICIALMENTE!!!), os brasileiros têm US$ 94,731 bilhões, equivalentes a 15,7% do Produto Interno Bruto (PIB), “investidos no exterior” (hoje é muito mais), dinheiro nem de longe citado pelos amestrados da “Veja”. Os dados ainda são preliminares, mas já se sabe que, em 2003, eram US$ 82,692 bilhões. No espaço de um ano, os ativos de brasileiros no exterior cresceram, portanto, 14,6%.
O dinheiro, com as mesmas origens obscuras do que foi levantado no escândalo que deu origem à falecida “CPI do Banestado”(e que a “Veja” fez de tudo para esquecer) está aplicado em locais livres de tributação, como Ilhas Cayman, Ilhas Virgens Britânicas e Bahamas. Do total de ativos oficiais de brasileiros no exterior, US$ 70,691 bilhões são de investimentos diretos, ou seja, estão aplicados em empresas. Há outros US$ 8,201 bilhões aplicados em papéis dos mais variados tipos, como títulos de longo prazo (como os títulos públicos) e bônus. Esses dados são informações oficiais captadas pelo “censo do Bacen”. Porém, apesar de reveladores, não demonstra o verdadeiro universo daquele dinheiro movimentado às escondidas, ou seja, não constam as remessas de lucros das transnacionais, os pagamentos de royalties, os recursos oriundos de operações criminosas, as manipulações contábeis dos grandes oligopólios exportadores (majoritariamente transnacionais), nem os recursos escoados para o exterior para o pagamento das dívidas interna e externa. Se calculados, estes demonstrariam uma dimensão ainda mais assustadora da verdadeira sangria que a economia nacional é submetida diariamente.
De como o nosso próprio dinheiro financia nossa dívida pública
Mas, deixemos estes últimos para uma análise posterior. Fiquemos, por enquanto, apenas nos mecanismos, no caminho tortuoso que o nosso dinheiro percorre antes de se transformar no tão almejado investimento direto “estrangeiro” ou nos “títulos” remunerados a juro extorsivos pelo povo brasileiro. Ou seja, veremos como o dinheiro de brasileiros, sonegado ao Estado brasileiro, financia nossa dívida pública (brasileira) simplesmente porque se mantém um descontrole cambial e uma política econômica que permitem que isso ocorra. O dinheiro roubado das mais diversas e “criativas” formas do Brasil é remetido aos paraísos fiscais offshore através de uma complexa rede de laranjas. O sistema de regulamentação permissivo relativo a estas “cabeças de ponte offshore da evasão fiscal” evoluiu para um ponto que permite a investidores americanos, brasileiros ou europeus - “democraticamente”, sem distinção de nacionalidade - livrarem-se de impostos e/ou lavarem dinheiro. Para isso, contratam um advogado para montar um escritório num lugar conveniente num paraíso fiscal e descobrir uma firma de contabilidade apta a efetuar os seus registros sem exigências — o que é suficientemente bom para a aceitação das autoridades fiscais nestes dias de operações desregulamentadas. São contratados escritórios de advogados e contabilistas nesses paraísos, especializados em camuflar a origem do dinheiro. O sistema institucional de “sigilo bancário” e a facilidade de movimentação financeira garantem a não-identificação das operações. Esta grana roubada de empresas nacionais e estatais (ou “apenas” sonegada), como agora se vê todos os dias na televisão, financia uma porção substancial tanto do déficit da balança de pagamentos do Brasil quanto dos EUA, quando os dinheiros localizados nos paraísos fiscais passam a comprar os bônus e os títulos dos tesouros desses países. Os recursos desviados pelos "reformadores" neoliberais e cleptocratas tupiniquins “transformam-se nos famosos capitais voláteis, que permitem beneficiar ladrões, traficantes e terroristas do mundo todo e, de lambuja, beneficiam as corporações transnacionais, que evadem impostos por toda a parte, incluindo os próprios Estados Unidos”. As transnacionais e as grandes empresas exportadoras também viram nos paraísos fiscais uma forma de ampliar as suas operações de remessas ilegais de lucro. Um exportador argentino, brasileiro ou russo (vinculados às transnacionais) vende a preço faturado ficticiamente baixo, pedindo ao comprador que deposite a diferença numa conta bancária offshore. É desnecessário dizer que o exportador argentino, o brasileiro ou o russo não declararão este haver, assim ele não aparece nas contas oficiais. Mas existe na realidade. É por isso que as dívidas relatadas do mundo excedem as poupanças locais por uma margem do que se vê nas contabilidades como "erros e omissões". As maiores firmas de contabilidade e de advocacia da América do Norte e da Europa obtêm uma proporção crescente dos seus rendimentos ministrando conselhos a companhias que procuram utilizar estas táticas. Os utilizadores primários são gestores de dinheiro e corporações importantes especializados em esconder os seus lucros (ou perdas, no caso da Enron e da Parmalat) da vigilância das autoridades nos seus próprios países. Nos anos 1990, a Enron, a Parmalat - e outros gigantes corporativos criminosos - foram capazes de organizar as maiores fraudes financeiras da história, utilizando finanças estruturadas envolvendo paraísos hot-money. É notável que os neoliberais de plantão, como os tucanos da globalização cleptocrática internacional, louvem este fenômeno ao invés de denunciá-lo. O resultado tem sido criar uma situação em que, se alguém tem de possuir terra, outros ativos tangíveis, ou títulos financeiros, o melhor caminho para evitar os impostos é registrá-los em nome de procuradores offshore. O passo seguinte destas entidades é emprestar este dinheiro de volta para si mesmos, cobrando suficientes juros para absorver o anterior rendimento. Operadores suficientemente grandes para montarem a sua própria companhia de seguros podem tratar como perdas o remanescente do seu rendimento como pagamentos de seguros fiscalmente dedutíveis à sua entidade offshore, criada apenas para este fim, juntamente com os habituais encargos. Operadores financeiramente refinados enviam o seu dinheiro offshore e, então, tomam-no emprestado de volta, pagando suficientes juros, seguros e taxas administrativas para si próprios, a fim de absorverem os seus rendimentos e torná-los assim livres de impostos. Estes pagamentos gastos consigo próprios aparecem no rendimento nacional e nas estatísticas fiscais como um custo de fazer negócios, ao passo que as estatísticas de balança de pagamentos mostram-nos como um fluxo internacional por "serviços" sob a rubrica de "invisíveis". Assim também as estatísticas tornam-se cada vez mais ficcionais. Figuras como aqueles que estavam sendo investigados na CPI do Banestado, ou as operações de Marcos Valério, de Azeredo ou de Arruda, juntamente com os traficantes, os cleptocratas de todos os matizes, os terroristas, os ladrões, os traficantes de armas, etc., são, ao mesmo tempo e contraditoriamente, os homens que roubam as riquezas do Brasil, lavam seus botins nos paraísos fiscais e nos emprestam para que paguemos depois as nossas dívidas interna e externa. Ou seja, a atração dos tais investimentos estrangeiros, que Lula vem sendo obrigado a manter pela política econômica de Meirelhes, e em nome do qual tanta privação nos é imposta, não passa de nosso próprio dinheiro. É brincadeira!!!
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A globalização como utopia dos criminosos e sonegadores em escala mundial: evitando bens tangíveis
Grande parte da dívida externa líquida dos EUA, assim como aquelas de países como a Argentina e Brasil, é possuída pelos centros de capital volátil. Isto já se tornou o significado de "globalização" na sua dimensão financeira. O mais importante fenômeno econômico do mundo que determina as taxas de câmbio hoje foi relegado para a economia "negra" não observável — não apenas o crime, mas o que está se tornando a massa dominante de riqueza corporativa e pessoal. É mais invisível hoje do que nunca, a fim de evitar as autoridades fiscais.
O mais impressionante disso é que a maior parte dos detentores de liquidez na sociedade de hoje são criminosos e sonegadores fiscais. Eles têm uma boa razão para evitar o imobiliário ou outras propriedades tangíveis. É demasiado visível para acusadores e autoridades fiscais. É por isso que as estatísticas de balança de pagamentos classificam os movimentos de capital como "invisíveis". Importante firmas de contabilidade e parceiros legais ocupam-se em inventar truques para evitar impostos e criar um "véu de intermediários" ("veil of tiers") para proporcionar um manto de invisibilidade para a riqueza acumulada por desfalcadores, evasores fiscais, traficantes de droga, traficantes de armas e agências de inteligência do governo norte-americano para utilização nas suas operações encobertas.
Portanto, a grande ironia, hoje, quando se fala, por exemplo, de terroristas como Osama Bin Laden e atentados como os que ocorreram em Londres, ou o tráfico nas favelas do Rio, é que eles existem e desempenham suas ações com extrema eficiência e ousadia justamente porque se beneficiam de um sistema financeiro mundial que lhes permitem ficar na sombra. Os EUA financeiramente vivem de um sistema pernicioso que, hoje, alimenta os terroristas que aflingem a sua própria sociedade. Ou seja, criaram o monstro.
Investimentos “estrangeiros”, em países como o Brasil e a Argentina, não são tão estrangeiros assim
No fim da década de 1980, administradores de dinheiro americanos estavam incorporando fundos mútuos offshore para penetrar ainda mais nos mercados globais de capitais. Os maiores investidores foram políticos bem informados do Terceiro Mundo que compraram o fundo sabendo que os seus bancos centrais pagariam as suas dívidas em dólar, apesar dos altos riscos. Enquanto estes oligarcas locais apareciam nas estatísticas dos seus países como "credores de dólares", ingênuos internos culpavam apenas os ianques, o FMI, o Banco Mundial e banqueiros britânicos por aplicarem austeridade financeira aos seus países para a garantia dos lucros dos especuladores. Ainda que a dívida em dólar da Argentina no princípio da década de 1990 fosse possuída principalmente por argentinos, a operarem do estrangeiro, a partir de centros bancários offshore. Os maiores beneficiários do serviço da dívida externa não foram nem europeus nem norte-americanos, mas os próprios capitalistas voláteis argentinos, não possuidores de títulos na América do Norte e nem na Europa. E o mesmo vem acontecendo com o Brasil.
Para a Argentina ou para o Brasil, um "estrangeiro" era provavelmente um corrupto local a operar de uma conta offshore invisível para o seu governo (o qual era constituído em grande parte por suas próprias famílias). Pode-se encontrar o mesmo fenômeno na Rússia de hoje, onde um "investidor estrangeiro" tende a ser um russo com uma conta offshore a operar a partir de Chipre, da Suíça ou do Lichtenstein, talvez em parceria com um americano ou outro estrangeiro para camuflagem política.
O crime é um dos setores chave para os quais não são feitas estimativas. Ainda que seja talvez o mais líquido, pois ditadores e cleptocratas, ladrões e traficantes de droga, receiam amarrarem-se aos seus ativos de forma visível. As mais novas adições à classe mundial dos rentistas, eles tornaram-se uma fonte de liquidez para as economias de hoje. E é atrás desse dinheiro que os últimos “governos” apátridas no Brasil vêm impondo apertos financeiros inomináveis aos que verdadeiramente produzem e pagam impostos no Brasil.
Conclusão óbvia: a política econômica atual é produto e produtora de corrupção
Mantidas as atuais políticas de submissão dos países "dependentes", manter-se-á esta relação simbiótica onde países como o Brasil tornam-se, ao contrário do que se imagina, verdadeiros exportadores de capital, subsidiando as irresponsabilidades macroeconômicas dos EUA. No mundo real, para que o dinheiro tenha valor efetivo, teoricamente, precisa-se de riquezas energéticas aliadas a trabalho e tecnologia. Apenas em decorrência da fantasia do valor-dólar, os nossos compromissos e nossas políticas econômicas, desconsiderando as nossas vantagens comparativas óbvias em termos energéticos, são direcionadas para se garantir fluxo de capital para o cassino internacional.
Os EUA estão atuando como o "consumidor de última instância", ou seja, estão obtendo um empréstimo maciço e sem juro do resto do mundo sem o compromisso de honrar estes empréstimos. Há uma total inversão da realidade. É pura ideologia. Na verdade, o que acontece é que os países periféricos - que possuem (mas não controlam totalmente) garantias energéticas reais para o padrão-dólar, inclusive e principalmente o petróleo -, estão "importando" as dificuldades da economia americana, estão assumindo problemas não da periferia, mas dos centros financeiros, pois não possuem soberania sobre as decisões macroeconômicas. Por isso, os americanos suportam um situação insólita em que a sua dívida externa assume cifra gigantesca: US$ 3 trilhões.
Essa vulnerabilidade provém dos déficits na conta corrente com o exterior, da ordem de US$ 500 bilhões por ano. Trata-se, como ensina Adriano Benayon, "de dependência análoga à do Brasil e à da Argentina em passado recente, pois quanto mais o balanço de pagamentos se equilibra por meio de investimentos diretos estrangeiros, mais crescem os fatores do desequilíbrio". Porém, não são eles que são obrigados a pagar a conta. Em decorrência das ridículas medidas de submissão de países como o nosso na Era Tucanóide, com uma elite covarde e apátrida, com discursos sobre Banco Central independente, superávit fiscal, Lei de “Responsabilidade” Fiscal e coisas do gênero, somos nós, detentores de riquezas efetivas, que pagamos o descontrole financeiro ianque.
O ingresso de capitais estrangeiros nos EUA subiu de US$ 142 bilhões em 1990 para US$ 466 bilhões em 1996. Em 2000 atingiu 1,24 trilhão, em grande parte decorrentes da festa exploratória das transnacionais sediadas nos países periféricos e das remessas encobertas de lucros. Mas os norte-americanos, diferentes de outros países como o Brasil, não são obrigados a manter suas contas controladas pelo FMI e, a continuar o atual não-sistema financeiro mundial, jamais serão obrigados a resgatar estas dividas. E, de lambuja, ainda alimentam todas as formas desenvolvidas de criminalidade e terrorismo.
Lula, já no primeiro mandato, foi eleito com aproximadamente 80% de aprovação, não podemos nos esquecer disso, pois devemos contar não apenas os cinqüenta e poucos por cento dados a ele, mas todos os votos que não foram para o tucanóide enxacoco Serra. Foram 80% de repúdio ao modelo atual. Por isso, Lula não deveria ter o direito de errar, não poderia desperdiçar a oportunidade ímpar de remover o modelo dependente pela raiz. Ele foi eleito para isso, não para aprofundar o que o povo quis varrido do País. Embora a mídia adestrada e comprada tenha tentado mostrar a saída de FHC como honrosa e até vitoriosa, não há como negar que o tucano foi rechaçado pelos brasileiros, abominado, menosprezado, derrotado. O seu desgoverno apátrida e canalha foi tão ruim, tão repudiado pelo povo, que fez até o milagre de antipetistas históricos votarem no Lula. Com as dificuldades em se desconstruir a herança maldita de FHC, Lula fez o que foi factível fazer. Caberá agora a Dilma a limpeza total. É isso.
Said Barbosa Dib é analista político e professor de História em BsB, escreve semanalmente para o blog da Dilma
E.mail: saidib@ig.com.br