AS LIÇÕES DE UMA COPA DO MUNDO
Uma delas: toda a arrogância (como a de Casillas) será punida. Outra: toda gratidão (como a de Luis Suárez) será premiada
Decorridos os primeiros dez dias de Copa do Mundo, ela já é uma das melhores de todos os tempos. A média de gols é a maior desde 1958, quando o Brasil conquistou seu primeiro título na Suécia, e o altíssimo nível técnico, somado ao bom ambiente dentro e fora dos estádios, encantam o mundo.
As cenas da Copa, no entanto, não se limitam ao jogo inventado pelos ingleses e trazido ao Brasil por Charles Miller. Os jogos de um Mundial são um ensaio da vida real, com preciosos ensinamentos para a vida cotidiana.
A começar pela lição de que toda arrogância será punida. Dois dias antes da Copa, o goleiro Iker Casillas dizia que a Espanha era "favorita absoluta" e que a conquista do título dependia apenas deles. De salto alto, os espanhois saíram humilhados, com duas derrotas históricas para a Holanda e para o Chile – e ambas com direito a falhas de Casillas. Aliás, nunca, numa Copa do Mundo, um campeão de um Mundial anterior fez uma campanha tão bisonha. Uma lição para certos espanhois, que ainda cultivam uma mentalidade colonialista.
No reverso da moeda, toda gratidão será premiada. Das cenas da Copa, uma das mais tocantes foi a do artilheiro uruguaio Luis Suárez, depois de marcar seu primeiro gol contra a Inglaterra, ao abraçar, beijar e apontar para o fisioterapeuta de sua equipe que o livrou de uma seríssima contusão. Com o gesto, Suárez pediu à gigantesca torcida uruguaia que ampliasse seu agradecimento.
A Copa contra o racismo tem também premiado a tolerância. Balotelli, que era alvo de insultos na Itália, foi o herói na vitória contra os ingleses. A laranja mecânica holandesa é também uma seleção multirracial, assim como a França do astro Karim Benzema. E os pragmáticos alemães, instalados na Bahia, têm sido até agora os mais simpáticos e sociáveis com os torcedores.
O Mundial de 2014 é também a Copa da integração latino-americana. Pela primeira vez em sua história, o Brasil recebe, ao mesmo tempo, dezenas de milhares de colombianos, argentinos, mexicanos, chilenos, uruguaios e equatorianos. E todos se sentem em casa. Com ótimo desempenho dentro de campo, estas seleções são empurradas por um grito de guerra de nações antes tidas como "vira-latas": "Sí, se puede! Sí, se puede! Sí, se puede!". Sim, é possível vencer, assim como tem sido para o Brasil na organização da Copa.
FOLHA: COPA É BOA, MAS AINDA FALTA O APITO FINAL
Em editorial, a Folha de S. Paulo, de Otávio Frias Filho, exalta o alto nível da competição e a boa organização do Mundial, mas adverte sobre surpresas negativas que ainda podem acontecer; "Se o país pode se orgulhar da Copa que exibe ao mundo até agora, convém, como o próprio futebol ensina, esperar o apito final para cantar vitória –sobretudo em um torneio tão imprevisível quanto este", diz o texto
21 DE JUNHO DE 2014 ÀS 07:00
247 - A Folha de S. Paulo, do empresário Otávio Frias Filho, publica, neste sábado um editorial em que exalta o alto nível técnico da Copa e reconhece a boa organização do torneio, a despeito de falhas localizadas. No entanto, a Folha faz uma advertência. "Se o país pode se orgulhar da Copa que exibe ao mundo até agora, convém, como o próprio futebol ensina, esperar o apito final para cantar vitória –sobretudo em um torneio tão imprevisível quanto este", diz o texto. Leia abaixo:
Torneio de surpresas
Copa tem sido melhor que o previsto dentro e fora dos campos, com média elevada de gols e incidência localizada de problemas na organização
Já não faltavam motivos para a Copa do Mundo no Brasil ser celebrada como uma das mais empolgantes de todos os tempos, e o próprio presidente da Fifa, Joseph Blatter, afirmou nesta sexta-feira (20) que a qualidade do futebol apresentado na fase de grupos é a melhor da história.
Mas o comentário ainda se viu reforçado pela extraordinária vitória da Costa Rica sobre a Itália. O azarão caribenho havia superado o Uruguai na estreia e foi o primeiro time a classificar-se no chamado grupo da morte, que se completa com a Inglaterra, eliminada. Ninguém apostava nesse cenário.
Num Mundial em que se tornou comum uma seleção começar perdendo e terminar ganhando, a campanha costa-riquenha é apenas a mais inesperada, mas não a única a fugir do script. A Espanha, por exemplo, campeã na África do Sul, em 2010, não avançará nem à segunda fase --seu lugar presumido ficou com o Chile.
Nem só de resultados surpreendentes, contudo, se alimenta o futebol; o entusiasmo que uma partida desperta mantém relação direta com o apetite ofensivo das equipes e sua capacidade de transformá-lo em gols. A Copa, nesses aspectos, tem sido um prato cheio.
A média de gols na primeira rodada (3,06 por partida) é a maior desde 1958. Desde 1994, quando começa a série histórica do Datafolha, este Mundial teve o maior percentual de passes certos (86%) e os menores números de desarmes (216,6), faltas (26,6) e cartões amarelos (2,75) por jogo. Menos ênfase na destruição, mais na construção.
Também fora de campo o saldo é positivo. Claro que a organização deixa a desejar se comparada à da Alemanha (2006), mas seria injusto usar esse parâmetro. No caso do Brasil, tornou-se referência o bordão "imagina na Copa", alusão à possibilidade, que não era desprezível, de a infraestrutura do país não dar conta do evento.
Ao menos por enquanto, nada do caos que se chegou a prever. Exceção feita à invasão de chilenos no Maracanã --estádio onde a segurança já falhara em seu jogo inaugural--, nenhum episódio grave aconteceu nos primeiros dias.
Problemas localizados, é claro, ocorreram. Em Brasília e Fortaleza, formaram-se filas excessivamente grandes; em algumas arenas, torcedores notaram deficiências no sinal de telefonia e 3G; no jogo entre França e Honduras, uma falha no sistema de som impediu a execução dos hinos nacionais.
Longe dos estádios, protestos relacionados à Copa felizmente provocaram poucos transtornos. As manifestações, como seria de esperar, têm atraído cada vez menos pessoas, embora ainda se verifiquem alguns confrontos violentos.
Se o país pode se orgulhar da Copa que exibe ao mundo até agora, convém, como o próprio futebol ensina, esperar o apito final para cantar vitória –sobretudo em um torneio tão imprevisível quanto este.