A MARÉ SE VOLTA CONTRA O EMBUSTE DA PRIVATIZAÇÃO
Seumas Milne, no The Guardian
inglês (9 de julho de 20140).
O renascimento
internacional da propriedade pública é anátema ao mundo da elite. Mas, é vital
para a recuperação genuína da Economia.
A privatização não está
funcionando. Prometeram-nos democracia acionária, competição, custos reduzidos
e serviços melhores. Após uma geração, a experiência da maior parte das pessoas
tem mostrado o oposto. De energia à água, de ferrovias à serviços públicos, a
realidade tem sido monopólios privados, subsídios perversos, preços
exorbitantes, sub-investimentos lastimáveis, exploração e aprisionamento
corporativo.
Os cartéis privados ditam
as regras aos reguladores. Consumidores e políticos são ludibriados pelo sigilo
comercial e complexidade contratual. A massa trabalhadora tem seu salário e
condições de trabalho, reduzidos. O controle de serviços essenciais passou para
gigantes corporativos com base em outros países e frequentemente de propriedade
do Estado. Dessa forma, as empresas e serviços privatizados apenas passam para
as mãos destes outros Estados.
Relatórios e mais
relatórios tem mostrado que serviços privatizados são mais caros e ineficientes
do que a contrapartida de propriedade pública. Não é surpresa que a maior parte
das pessoas que nunca apoiaram uma única privatização, não acredite nos
privatizadores e nem queiram seus serviços administrados por eles.
Mas, independente das
evidências, a caravana continua. O governo de David Cameron (Primeiro-Ministro
do Reino Unido) está dirigindo a privatização, agora, para o coração da
Educação e Saúde, terceirizando o Serviço de Provação (instituto para
tratamento de delinquentes jovens) e vendendo uma parte do Royal Mail (o
serviço postal nacional do Reino Unido) por mais de um bilhão a menos do que o
preço de mercado, com membros do próprio governo manipulando a situação para
que seja antecipada.
Nenhuma soma de falhas
desastrosas e malfeitos fraudulentos parece impedir empresas como G4S, Atos e
Serco de firmarem contratos que já somam 80 bilhões de libras em negócios. Tal
grupo de empresas ainda exerce enorme influência sobre Westminster e Whitehall
(centro administrativo do Reino Unido).
Pode-se pensar que isso é
um prato cheio para a Oposição - e não há melhor exemplo do que o ralo de
dinheiro que é o sistema ferroviário britânico privatizado, que tem sido o
maior exemplo de disfunção da privatização. Forçar mercados privados a um
monopólio natural tem causado fragmentação, investimentos baixíssimos, custo
anual de 1.2 bilhões de libras, as tarifas de trem mais caras da Europa, e mais
do que o dobro do subsídio público necessário antes da privatização.
A linha East Coast de
propriedade pública, em contraste, tem provido serviço muito melhor e entregue
800 milhões de libras para o Tesouro público (não diferentemente da Scottish
Water, também de propriedade pública). Então, naturalmente, a aliança que
governa a venderá, enquanto o partido trabalhista, o Labour agita-se para
apoiar a demanda altamente popular de renacionalização.
O deputado trabalhista Ed
Balls, ministro na “sombra” da Fazenda, agora defensor da chama oscilante do
New Labour (o Labour vestido com uma nova marca, que vigorou de meados dos anos
90 até o início dos anos 2 000 para reganhar a confiança do público no
partido), insiste em que “propriedade pública” seria “ideológica”. Os
aproveitadores do sistema ferroviário e os barões das corporações, alarmados
pelos planos de Ed Miliband - líder da Oposição trabalhista no Parlamento - de
congelar os preços da energia privatizada, concordam. Então, o Labour está
jogando com uma casa dividida, onde franquias continuam, mas o setor público
tem o direito de concorrer, bem como os privatizadores, ao direito de
administrar empresas e serviços.
É um preço alto que se
paga por essa confusão. A nacionalização do sistema ferroviário tem a vantagem
de não apenas ser popular, mas inteiramente livre, ao passo que cada franquia
pode ser trazida de volta ao controle público a medida que expira. Resistir a
tais circunstâncias só é possível a custa dos lobbies corporativos e ideologia
de mercado.
Mas, a necessidade de
quebrar 30 anos do dogma lastreado em dinheiro contra propriedade pública vai
muito além dos trilhos. As indústrias privatizadas não apenas falharam em
servir com eficiência, valor pelo dinheiro investido, responsabilidade e
trabalhos seguros. Elas também sugaram riquezas e concentraram o estilo
rentista de monopólios incumbentes. E, ainda, a tomada de decisão sobre
Economia cada vez em menos mãos, aprofundaram a desigualdade de renda, e
falharam em realizar investimentos essenciais para o crescimento sustentável.
Numa hora em que o setor
corporativo inteiro se senta sobre uma montanha de dinheiro não investido e
sobre uma produtividade reduzida, a falta de um motor econômico de propriedade
pública para guiar a recuperação é essencial. No caso da Energia, o sistema
privatizado está falhando em prover a mais básica meta de investimento - manter
as luzes acesas.
A alternativa de
regulação mais severa, vista como a alternativa política aceitável, significa
tentar fazer por controle remoto, o que é muito melhor feito diretamente, e não
resolverá o problema por conta própria. A experiência tem mostrado que não se
pode controlar o que não se possui.
Como Andrew Cumber,
acadêmico de Glasgow, argumenta num relatório para o think-tank Class, não é
apenas através de enormes incentivos e subsídios perversos - bem como os pagos
a empresas de propriedade do Governo dinamarquês e sueco para atingir objetivos
- que o Governo é capaz de persuadir monólitos privados a fazer o que o setor
público poderia ter feito com custos muito mais baixos.
A necessidade de novas
formas de propriedade pública no setor bancário e de utilidades -
infraestrutura em energia, transporte e comunicações - é irrefutável. Um grupo
seleto de empresas de propriedade social e democraticamente controladas poderia
estabelecer o andamento dos investimentos, reconstrução e mudança para uma
“economia mais verde”.
É uma política que tem o
apoio da maioria do público, mas a elite empresarial considera inaceitável.
Seria proibitivamente cara, eles alegam, e também um retrocesso. Na realidade,
não há necessidade de haver um custo líquido para os bolsos públicos. Mesmo que
uma compensação total a custos de mercado seja paga, seria em forma de troca de
ações por títulos governamentais. Os juros sobre os títulos teriam que ser
pagos, mas poderiam ser financiados com uma fatia do lucro dessas empresas.
Mas, a classe governante
do Reino Unido também falhou em perceber o que está acontecendo no resto do
mundo. Dos Estados Unidos e América Latina ao Oeste Europeu e ao redor do
mundo, serviços públicos privatizados, utilidades e recursos tem sido trazidos
de volta à propriedade pública. Na última década, em 86 cidades, a água voltou
a ser propriedade pública. Apenas na Alemanha, mais de 100 concessionárias de
energia retornaram à posse pública, desde a crise de 2007 e 2008.
Mesmo que austeridade
econômica esteja sendo usada para dar fôlego às privatizações, a maré tem
começado a fluir em outra direção. Uma nova onda em favor das propriedades
públicas está tomando formas inovadoras e às vezes híbridas, superando a
fraqueza que outrora assolava as indústrias nacionalizadas.
Mas, no Reino Unido, o
poder da “City” e os interesses instalados nos lucros das privatizações são um
grande obstáculo a essa mudança essencial. A pressão por uma economia
genuinamente mista - algo antes considerado a tendência de bom senso - está
fadada a crescer, à medida que os custos e fracassos do Capitalismo se
acumulam. As ferrovias podem ser apenas o primeiro passo.
http://www.conversaafiada.com.br/economia/2014/07/12/a-privatizacao-e-um-embuste-na-inglaterra/