ENTRE PALMAS E VAIAS, CUBANO REVELA DOIS BRASIS
Médico cubano que enfrentou corredor polonês de xingamentos no Ceará foi aplaudido de pé em Brasília, na cerimônia de sanção da lei Mais Médicos; em torno da figura de Juan Delgado, País mostrou, em dois momentos, o que tem de pior e de melhor; da discriminação à solidariedade, sociedade ainda tem muito a avançar, mas calor humano dedicado à figura do profissional mostra que estamos no rumo certo para forjar homens e mulheres de um novo tipo; um tipo melhor
22 DE OUTUBRO DE 2013 ÀS 20:43
247 – Tristemente conhecido de todo o Brasil, o médico cubano Juan Delgado agora sabe que veio ao país fazer uma grande diferença. Ao ser enxovalhado no corredor polonês montado contra ele por médicos em Fortaleza, no Ceará, menos de dois meses atrás, Delgado revelou, involuntariamente, a pior face da sociedade nacional. Aquela que discrimina, exclui e faz da violência e da intimidação seus maiores argumentos.
O outro lado desta mesma sociedade apareceu nesta terça-feira 22, em Brasília – e mais uma ve Juan Delgado foi quem galvanizou alguns dos melhores sentimentos nacionais, como o do calor humano, da receptividade sincera, da que sabe conceder o aplauso consagrador. Na festiva cerimônia que marcou a sanção, pela presidente Dilma Roussef, da legislação em torno do programa Mais Médicos, o Dr. Delgado foi o principal homenageado, com um desagravo na forma de longos aplausos de pé.
O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, parece ter resumido a sensão generalizada em torno do médico cubano. "Aquele corredor polonês da xenofobia que te recebeu em Fortaleza não representa o espírito nem do povo brasileiro nem da maioria dos médicos brasileiros", disse Padilha, coberto de razão.
Até o desembarque de Juan Delgado no Brasil, não se conhecia de perto, por aqui, esse modelo de ser humano chamado homem de novo tipo. E muito menos se tinha notícia de alguém que fosse capaz de corporificar essa expressão. O termo só era dominado pelos um tanto familiarizados com a literatura marxista-leninista ou com seus pilares filosóficos. A combinação de livros, textos e pensamentos deixados pelo filósofo alemão Karl Marx e pelo líder da revolução bolchevique de 1917, na Rússia, Vladimir Ilitch Ulianov, o Lenin, apontaram para a formação, por meio do regime socialista, do tal homem de novo tipo.
Quer imaginar como é um homem de novo tipo? Pense em Juan Delgado e lá estará ele. Em lugar de ater-se exclusivamente aos benefícios pessoais que sua profissão pode lhe render, Delgado mostrou pela fleugma com que enfrentou o corredor polonês em silêncio e com altivez que sua visão sobre si mesmo, sobre o mundo e sobre o seu papel no mundo é bem díspare dos seres, digamos, de 'velho tipo' que o destrataram. Acreditavam Marx e Lenin que a criação de uma sociedade sem classes sociais, na qual o objetivo de todos e de cada um seria o bem estar coletivo, em lugar da busca por resultados apenas individuais, poderia gerar esse homem novo.
Deu errado, sabe-se, mas não deu de todo errado. Em Cuba, que pode ser chamada de ditadura, que tem presos políticos e problemas de diferentes ordens, passam a saber os brasileiros que, sim, há uma nova geração de seres humanos mais atenta ao servir do que ao servir-se. Juan Delgado e seus colegas são a prova viva disso. S esta altura dos acontecimentos, eles poderia estar arrependidos, inquietos ou, até mesmo, realizando movimentos para desertar. Afinal, pelo que se pinta, qualquer lugar do mundo é melhor para se viver do em Cuba. Porém, eles continuam ligados ao regime socialista da ilha cercada de capitalismo por todos os lados, não apenas no Brasil, mas em todos os países nos quais os médicos cubanos exercem o mesmo papel que estão desempenhando aqui.
O favor que o Dr. Delgado já prestou à sociedade brasileira é inestimável. Em dois momentos, na vaia e no aplauso, ele mostrou o quanto temos de melhorar para entender mais sobre humanismo, solidariedade e fraternidade. Valores que muitos dos brasileiros nem sabemos o que realmente significam, mas que outros tantos, certamente a maioria, ainda reconhecemos como fundamentais para se viver em sociedade. Seja ela socialista, como a da qual emergiu o dr. Delgado, seja ela capitalista, à qual pertencem ao médicos cearenses do corredores polonês – e também os profissionais de branco que, nesta terça 22, em Brasília, reconheceram o tamanho do erro e o consertaram com o longo aplauso. A seguir nessa marcha, sem dúvida a sociedade brasileira está no caminho certo para evoluir, objetivamente, em todos os sentidos. O bater de palmas significou um grande mea culpa e um maior ainda 'muito obrigado, dr. Delgado'.