247 – Como um camaleão ideológico, o jornal Folha de S. Paulo está mudando de coloração outra vez – e voltando às suas origens na direita da fauna política. Auto-classificada de plural, apartidária e a serviço do Brasil, a publicação da família Frias passará a ter entre seus colunistas o polemista profissional Reinaldo Azevedo. Trata-se ele de uma marca registrada do que há de mais estreito e antiquado no debate de ideias que, graças à democracia combatida no passado pela mesma Folha, hoje viceja na sociedade brasileira.
Sinaliza a contratação de Azevedo, neste sentido, uma perigosa volta ao passado, que caiu mal, como apurou 247, entre os jornalistas da redação. No quinto andar da rua Barão de Limeira, 425, a chegada do novo vizinho de páginas impactou negativamente o coletivo e lançou no ar uma pergunta: como os leitores que associam o jornal a ideias liberais e centristas irão reagir ao peso à direita representado por Azevedo nos porões daquele grande navio?
Emblemática, a abertura de espaço editorial para Azevedo remonta a Folha às raízes históricas das quais o jornal vem tentando se livrar desde o início da década de 1980. Um típico movimento e meia-volta volver.
Comprada de Nabantino Ramos numa polêmica operação comercial feita pela dupla Otávio Frias de Oliveira e Carlos Caldeira Filho, em 1962, apenas dois anos depois a Folha já apoiava abertamente o golpe militar de 1964.
FRIAS E CALDEIRA NÃO DEIXAM POR MENOS - No auge da repressão política imposta pelo regime, a publicação tisnou suas rotativas de sangue ao emprestar caminhonetes de distribuição do matutino para o transporte de presos políticos de diferentes cárceres ao centro de tortura do Doi-Codi, na rua Tutóia, na zona sul da capital paulista. A própria Folha reconhece o gesto, que considera, hoje, uma questão ultrapassada.
Em 1972, quando o governo do general Emílio Médico pregava o ame-o ou deixe-o ao Brasil, a Folha publicou editoriais negando, com veemência, a existência de presos políticos no Brasil. Um dos subprodutos da empresa, o jornal Folha da Tarde, era considerado, então, uma publicação ligada diretamente à polícia política, com amigos do torturador-mor, Sergio Paranhos Fleury, entre seus redatores e repórteres. Frias e Caldeira não deixavam por menos.
O ocaso da ditadura correspondeu a uma primeira correção de rumo pela Folha. Em 1979, o jornal destacou em sua primeira página o grande ato pela anistia política ocorrido na Praça da Sé, em São Paulo. Em seguida, quando o público foi às ruas na campanha por eleições diretas para presidente, a Folha outra vez mostrou reflexo rápido. Dirigida por Otavio Frias Filho, mas com o "seo" Frias na supervisão de tudo, o jornal abriu mais de uma dezena de páginas para a cobertura do comício que também se realizara na Sé, com todas as principais lideranças políticas do País presentes.
Diante da hesitação do concorrente O Estado de S. Paulo e do boicote à notícia praticado pelo jornal O Globo, a Folha deu grossas pinceladas de verniz democrático em sua fachada. Ato contínuo, Otavinho abriu a redação para jovens que tinham frequentado os bancos da Universidade de São Paulo e traziam ares novos para a publicação. Comunista, ali, é claro, não entrava, mas havia espaço para profissionais que, na pessoa física, combatiam, pela esquerda, as correntes mais comprometidas com a superação do regime militar. Naquela Folha, nada era moderno o suficiente, tudo precisava ser gritantemente oposicionista.
A fórmula deu certo. A circulação do jornal cresceu vertiginosamente, a ponto de fazer da publicação o veículo mais vendido diariamente nas bancas de São Paulo, batendo nacionalemente, algumas vezes, o consolidado O Globo – e deixando na poeira do conservadorismo o inimigo mortal O Estado de S. Paulo, da família Mesquita.
Essa conformação político-editorial vinha prevalecendo até o final do governo do presidente Fernando Henrique Cardoso. Antes dele, em novo sopro da sorte, o então presidente Fernando Collor estava no poder quando a Polícia Federal invadiu a sede do jornal em busca de documentos que supostamente seriam usados contra ele. O tiro, é claro, saiu pela culatra – e, como mártir, mais uma vez a Folha teve campo para crescer.
CONFLITOS AMPLIADOS COM LULA NO PODER - Os conflitos ideológicos aumentaram para o jornal com o início do governo Lula. A Folha nunca compreendeu, corretamente, o movimento sindical do final dos 70, início dos 80, liderado por Lula a partir do ABC paulista. As greves operárias relembravam o jornal da paralisação de jornalistas, logo após a compra pelos Frias e Caldeira, que quase fechou as portas da publicação. Em consequência, as relações que com Lula nunca foram amistosas, deterioram-se gradativamente.
Na Era Dilma Rousseff, nota-se que a Folha, em seu noticiário, renova praticamente todos os dias sua aposta no fracasso econômico. Na política, sinalizou na semana passada que vê com simpatias o governador de Pernambuco, Eduardo Campos. Afinal, para Recife, em caravana para entrevistá-lo, seguiram do patrão Otavinho a editores-assistentes, incluindo nesse arco o diretor de redação Sergio D'Ávila.
Mas agora, de modo inequívoco, firma-se uma radicalização, graças à chegada do pesado Reinaldo Azevedo. Ligado ao ex-governador José Serra, a contratação demostra, inicialmente, que o jornal vê com reticências a candidatura do presidenciável tucano Aécio Neves. Ele e Serra são adversários na mesma trincheira – e inserir Azevedo em seu ninho significa um recado da Folha sobre com quem o jornal vai estar nos momentos decisivos.
Azevedo, como se sabe, é um polemista que vocaliza forças obscuras. Ele já chegou a escrever um artigo em que defendia a proibição de o ex-presidente Lula viajar pelo País livremente. Irritadiço, ele clamou por um julgamento sumário dos réus da Ação Penal 470, o chamado mensalão. Primeiro, incensando o decano do STF, Celso de Mello, quando este discursava contra os réus, mas defenestrando-o sumariamente no momento em que deu seu voto histórico de garantismo, ao aceitar os embargos infringentes que alegraram as comunidades jurídica e democrática.
A contratação de Azevedo mostra ao público que, para a Folha, a campanha eleitoral de 2104 acaba de começar – e já não restam dúvidas, apesar de tão cedo, sobre qual lado o jornal vai ficar.
Nunca à esquerda e esforçando para manter-se até aqui no centro, a barca do Otavinho avisa que vai mesmo é guinar para a direita. Segure-se quem puder.