SINGER: LULA EMBARALHOU IDEOLOGIA E VOTO
Jornalista e cientista político André Singer explica suposto paradoxo da pesquisa Datafolha que apontou que o brasileiro vota na esquerda, enquanto se diz diz de direita; "como o lulismo embaralhou as cartas, propondo um programa de mudança dentro da ordem, passou a ter votos também da direita, sobretudo a popular, o que ocorria menos antes de 2006", diz ele
19 DE OUTUBRO DE 2013 ÀS 07:01
247 - Editorial publicado ontem no jornal O Globo defendia a tese de que, se houvesse coerência no Brasil, a esquerda estaria fora do poder (leia aqui). O motivo era uma pesquisa Datafolha que apontava que os votos à esquerda não batiam com inclinação à direita do eleitorado brasileiro. Neste sábado, André Singer explica a aparente contradição:
Ideologia e voto
Na segunda-feira passada, o Datafolha divulgou pesquisa que mede a orientação ideológica dos brasileiros. Os resultados, apontando para a prevalência da direita sobre a esquerda, confirmam, em linhas gerais, a série que o instituto vem realizando desde 1989. Porém, a metodologia utilizada desta feita pode levar a visões equívocas sobre a relação entre ideologia e voto.
Diferentemente do que sempre fez, o Datafolha decidiu, neste ano, atribuir a localização entre direita e esquerda a partir das respostas a um conjunto de questões adaptado de formulário norte-americano. Embora traga resultados parciais de interesse, o questionário mistura indagações de alta relevância política, como, por exemplo, se os sindicatos são importantes para defender os interesses dos trabalhadores, com outras de baixo impacto no debate nacional, como a que pergunta se "acreditar em Deus torna as pessoas melhores".
Nos trabalhos que realizei a partir de 1990, pude constatar que os assuntos que mais dividem a esquerda da direita no Brasil são os que dizem respeito à ordem. Enquanto a esquerda apoia posições que implicam contestação do ordenamento estabelecido, a direita tende a reforçá-lo. Por isso, o item referente aos sindicatos é importante. Por meio dele pode-se medir como o indivíduo se coloca perante a organização de base para a defesa de interesses que, na ordenação capitalista, são subordinados.
Não é casual que, entre os dez temas elencados pelo Datafolha, este seja o que mais divide o público, com metade considerando negativa a instituição sindical. Já o problema religioso é o que menos polariza. Quase todos (85%) acham que "acreditar em Deus torna as pessoas melhores", indicando que tal opinião vale tanto para os de esquerda quanto os de direita.
Entre 1989 e 2010, o Datafolha pedia ao eleitor que se autoposicionasse na escala esquerda-direita, apresentando-lhe cartela de sete pontos. Os resultados chamam a atenção pela enorme estabilidade das preferências em mais de duas décadas. Com poucas exceções, as variações estão dentro da margem de erro, isto é, são estatisticamente irrelevantes, e apontam para um campo de esquerda com cerca de 20%, um de centro idem e um de direita com o dobro das escolhas (40%). Pouco mais de 20% não sabem se posicionar.
Como o lulismo embaralhou as cartas, propondo um programa de mudança dentro da ordem, passou a ter votos também da direita, sobretudo a popular, o que ocorria menos antes de 2006. Em decorrência, não é que a ideologia interfira pouco no voto, mas, sim, que houve uma importante alteração no plano dos atores políticos, à qual o eleitorado respondeu de maneira coerente com as suas próprias inclinações ideológicas.
http://www.brasil247.com/pt/247/brasil/118262/Singer-Lula-embaralhou-ideologia-e-voto.htm
MARINHO: SE HOUVESSE COERÊNCIA, ESQUERDA ESTARIA FORA DO PODER
Em editorial, jornal de João Robero Marinho aponta um suposto paradoxo brasileiro: maioria se declara de direita, mas vota em governos de esquerda, como o da presidente Dilma Rousseff; "se houvesse correlação de fato entre tendência política autodeclarada e escolha nas eleições, não haveria espaço para a esquerda no Brasil", lamenta
18 DE OUTUBRO DE 2013 ÀS 07:42
247 - Por que o brasileiro se declara de direita e vota em governos de esquerda. É o tema do editorial desta sexta, do jornal O Globo. Leia abaixo:
Se houvesse correlação de fato entre tendência política autodeclarada e escolha nas eleições, não haveria espaço para a esquerda no Brasil
A classificação de ideologias pelos termos “direita” e “esquerda”, inspirados na localização física dos blocos conservador e revolucionário na Assembleia Nacional durante a Revolução Francesa, no final do século XVIII, nem sempre consegue ser fiel à realidade. E cada vez menos.
O fim do “socialismo real”, com a implosão da União Soviética, provocada por suas próprias contradições — como explicaria um marxista — embaralhou ainda mais as coisas. O populismo chavista é de direita ou de esquerda? Vargas, saudado pela esquerda, namorou o Terceiro Reich nazista e o fascismo de Mussolini. A lista de aparentes paradoxos é extensa. A situação fica também confusa quando se pergunta, hoje, ao eleitor brasileiro em que ponto cardial ele se situa no mapa da ideologia, e se cruza a informação com a intenção de voto de cada um. É o que o Datafolha fez na última pesquisa eleitoral, segundo a “Folha de S.Paulo”.
Há um enorme desencontro entre a autodeclarada posição ideológica e a opção de voto. Um exemplo é a presidente Dilma Rousseff, do PT, símbolo da esquerda, receber 39% dos votos dos que se dizem de direita, mais que o tucano Aécio Neves (24%), considerado candidato direitista pela militância do PT.
Se houvesse uma correlação lógica entre ideologia autodeclarada e eleição, os partidos e candidatos ditos de esquerda não teriam vez. Afinal, 49% do eleitorado brasileiro se consideram de “centro-direita” e “direita”, contra apenas 30% de “esquerda” e “centro-esquerda”.
Há várias possibilidades de análise, como a que questiona a capacidade de a grande massa da população se qualificar entre direita e esquerda. Mais ainda nestes tempos de geleia geral ideológica. Pode ser, ainda, que, dada a baixa qualidade da educação política em geral, o voto seja, na sua essência, destinado a quem, em troca, concede ao eleitorado melhorias de qualidade de vida — emprego, aumentos salariais, inflação baixa. Independentemente do posicionamento ideológico do governante.
Por trás de tudo, há, ainda, uma estrutura partidária distorcida, sem legitimidade e, portanto, de baixa qualidade de representação. Dos 32 partidos, dos quais 24 com bancadas no Congresso, poucos têm uma postura ideológica com alguma definição clara.
A grande maioria é de legendas nanicas, usadas no balcão de negociatas político-eleitorais. Como a legislação é leniente, há uma excessiva pulverização de partidos, especializados em negociar, literalmente, a cessão de tempo na propaganda gratuita em TV e rádio, a moeda de troca do baixo clero.
Os partidos políticos brasileiros não contribuem, então, para o aprimoramento político-ideológico do eleitorado, nem de espaço de formulação de efetivas propostas de governo e poder. São apenas meio de vida, às vezes escuso. Um dos reflexos deste quadro de mediocridade está nesta pesquisa da Datafolha.
A classificação de ideologias pelos termos “direita” e “esquerda”, inspirados na localização física dos blocos conservador e revolucionário na Assembleia Nacional durante a Revolução Francesa, no final do século XVIII, nem sempre consegue ser fiel à realidade. E cada vez menos.
O fim do “socialismo real”, com a implosão da União Soviética, provocada por suas próprias contradições — como explicaria um marxista — embaralhou ainda mais as coisas. O populismo chavista é de direita ou de esquerda? Vargas, saudado pela esquerda, namorou o Terceiro Reich nazista e o fascismo de Mussolini. A lista de aparentes paradoxos é extensa. A situação fica também confusa quando se pergunta, hoje, ao eleitor brasileiro em que ponto cardial ele se situa no mapa da ideologia, e se cruza a informação com a intenção de voto de cada um. É o que o Datafolha fez na última pesquisa eleitoral, segundo a “Folha de S.Paulo”.
Há um enorme desencontro entre a autodeclarada posição ideológica e a opção de voto. Um exemplo é a presidente Dilma Rousseff, do PT, símbolo da esquerda, receber 39% dos votos dos que se dizem de direita, mais que o tucano Aécio Neves (24%), considerado candidato direitista pela militância do PT.
Se houvesse uma correlação lógica entre ideologia autodeclarada e eleição, os partidos e candidatos ditos de esquerda não teriam vez. Afinal, 49% do eleitorado brasileiro se consideram de “centro-direita” e “direita”, contra apenas 30% de “esquerda” e “centro-esquerda”.
Há várias possibilidades de análise, como a que questiona a capacidade de a grande massa da população se qualificar entre direita e esquerda. Mais ainda nestes tempos de geleia geral ideológica. Pode ser, ainda, que, dada a baixa qualidade da educação política em geral, o voto seja, na sua essência, destinado a quem, em troca, concede ao eleitorado melhorias de qualidade de vida — emprego, aumentos salariais, inflação baixa. Independentemente do posicionamento ideológico do governante.
Por trás de tudo, há, ainda, uma estrutura partidária distorcida, sem legitimidade e, portanto, de baixa qualidade de representação. Dos 32 partidos, dos quais 24 com bancadas no Congresso, poucos têm uma postura ideológica com alguma definição clara.
A grande maioria é de legendas nanicas, usadas no balcão de negociatas político-eleitorais. Como a legislação é leniente, há uma excessiva pulverização de partidos, especializados em negociar, literalmente, a cessão de tempo na propaganda gratuita em TV e rádio, a moeda de troca do baixo clero.
Os partidos políticos brasileiros não contribuem, então, para o aprimoramento político-ideológico do eleitorado, nem de espaço de formulação de efetivas propostas de governo e poder. São apenas meio de vida, às vezes escuso. Um dos reflexos deste quadro de mediocridade está nesta pesquisa da Datafolha.