COMISSÃO DA VERDADE LAMENTA QUE FORÇAS ARMADAS NÃO RECONHEÇAM TORTURA
Em nota, CNV afirma que "deplora e lamenta" a conclusão das Forças Armadas quanto ao uso de instalações do Exército, da Marinha e da Aeronáutica para prática de tortura em suas instalações, durante a ditadura militar. Em relatórios enviados à comissão e divulgados pela comissão no dia 18 de junho, as Forças Armadas concluíram que não houve desvio de finalidade do uso de suas instalações
2 DE JULHO DE 2014 ÀS 18:26
Helena Martins - Repórter da Agência Brasil
A Comissão Nacional da Verdade (CNV) divulgou hoje (2) nota em que afirma que "deplora e lamenta" a conclusão das Forças Armadas quanto ao uso de instalações do Exército, da Marinha e da Aeronáutica para prática de tortura em suas instalações, durante a ditadura militar. Em relatórios enviados à CNV e divulgados pela comissão no dia 18 de junho, as Forças Armadas concluíram que não houve desvio de finalidade do uso de suas instalações.
O coordenador da CNV, Pedro Dallari, disse que a posição dos militares representa uma posição política contrária à colaboração e à busca da verdade. "Se uma estrutura do Estado age dessa maneira surpreendente e completamente dissociada da realidade, que tipo de compromisso tem com a história?", disse Dallari à Agência Brasil.
A conclusão das Forças Armadas foi apresentada após sindicâncias, em resposta à CNV, que questionou as corporações sobre desvios de finalidade de sete instalações, alocação de pessoal para o desenvolvimento de atividades nesses locais, emprego de recursos financeiros públicos para custeio e manutenção deles, e de que forma foi feita a prestação de contas relativa a esses recursos, entre outras questões. Exército, Marinha e Aeronáutica negaram desvios e alegaram que seguiram a lei.
"Os dados disponíveis não permitem corroborar a tese apresentada por aquela comissão, de que tenha ocorrido desvio formal de finalidade do fim público estabelecido para as instalações objeto da investigação", afirmou, em documento, o Exército Brasileiro, que não reconheceu que os destacamentos de operações de informações foram usados para tortura.
Na nota divulgada hoje, a CNV avalia que as conclusões das sindicâncias estão equivocadas e que desconsideram inclusive que o Estado brasileiro já "reconheceu sua responsabilidade por aquelas condutas criminosas de militares e policiais praticadas durante a ditadura, incorrendo inclusive no pagamento de indenizações por conta justamente de fatos agora surpreendentemente negados".
Para Dallari, a prática de tortura em instalações do Estado brasileiro não é sequer discutível. "É público e notório", destacou, acrescentando que o pedido de informações da CNV enviado em fevereiro, menciona casos de tortura e morte vivenciados nas instalações e que geraram o pagamento de indenização por parte do Estado. Uma seleção feita, justamente, para que não houvesse dúvidas sobre o que ocorreu naqueles locais.
O coordenador da CNV considera um paradoxo o fato de, no mesmo mês em que a comissão recebeu a negativa das Forças Armadas, ter recebido também documentos do Departamento de Estado dos Estados Unidos, produzidos no período de janeiro de 1967 a dezembro de 1977, que foram tornados públicos hoje, por meio do site da CNV.
Segundo Dallari, os arquivos mostram o profundo conhecimento que se tinha sobre a prática de tortura no Brasil, inclusive nos locais investigados pelas Forças Armadas a pedido da comissão. Um deles, de 1973, registrado como A-90, detalha o procedimento dos interrogatórios, citando inclusive os métodos de tortura física ou psíquica e que foram usados para obter informações.
Na nota, comissão diz que enviará pedido de esclarecimento ao Ministério da Defesa sobre as informações e conclusões produzidas pelas sindicâncias. "Nós vamos continuar perguntando", disse o coordenador, para quem a situação não só prejudica o trabalho da CNV, que tem até o mês de dezembro deste ano para concluir os seus trabalhos, como gera o desgaste das forças diante da população.
RIOCENTRO: JUSTIÇA TRANCA AÇÃO CONTRA 6 MILITARES
Decisão foi tomada nesta quarta-feira 2, por maioria, pela 1ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região; defesa dos acusados, na ação impetrada pelo MPF, pedia a concessão de habeas corpus e o trancamento da ação, sob alegação de que o julgamento era competência da Justiça Militar, e não da Justiça Federal, e de prescrição do crime; atentado à bomba frustrado ao Riocentro, em maio de 1981, deixou um militar morto e outro ferido
2 DE JULHO DE 2014 ÀS 18:23
Vladimir Platonow – Repórter da Agência Brasil
A Justiça Federal determinou o trancamento da ação de julgamento dos militares envolvidos no caso Riocentro, atentado à bomba frustrado, ocorrido em maio de 1981. A decisão foi tomada hoje (2), por maioria, pela 1ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2).
A defesa dos acusados, na ação impetrada pelo Ministério Público Federal (MPF), pedia a concessão de habeas corpus e o trancamento da ação, sob alegação de que o julgamento era competência da Justiça Militar, e não da Justiça Federal, e de prescrição do crime.
Votaram a favor da concessão do habeas corpus os desembargadores Abel Gomes e Ivan Athié. Paulo Espírito Santo votou contra.
O representante do MPF, procurador Rogério Nascimento, disse que vai recorrer ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao próprio Supremo Tribunal Federal (STF). "Certamente [vamos recorrer]. O Ministério Público está convencido de que os crimes não prescreveram. A ordem [habeas corpus] foi concedida com base no argumento de que os crimes não são contra a humanidade. A maior evidência de que esses crimes contaram com a conivência do Estado é que foram necessários mais de 30 anos para esclarecê-los." De acordo com Nascimento, os crimes contaram com a conivência do Estado, são crimes contra a humanidade, e o Ministério Público continua convencido de eles não estão prescritos.
Foram denunciados pelo MPF os militares reformados Wilson Luiz Chaves Machado, Claudio Antonio Guerra, Nilton Cerqueira, Newton Cruz, Edson Sá Rocha e Divany Carvalho Barros.
O advogado Rodrigo Roca, que representou os réus, comemorou o resultado do julgamento. "A decisão do tribunal, apesar de ter sido tomada por maioria, foi um resgate do Estado de Direito e um lembrete ao Ministério Público de que o país tem três poderes. Foi muito importante, como precedente, para as ações que ainda virão e para os habeas corpus que, consequentemente, vão repudiá-las. A ação foi bloqueada. Tem que ser arquivada, até que uma decisão de um órgão de jurisdição superior diga o contrário."
Roca, que também defende os militares denunciados pelo MPF no caso Rubens Paiva (ex-deputado torturado e morto durante o regime militar, mas, dado, durante muito tempo, como desaparecido) disse acreditar que a decisão de hoje do TRF2 seja um precedente. "É uma página virada da história, e o interesse [por ele] agora é meramente histórico. Não há nada mais, do ponto de vista judicial, que se possa fazer."
O atentado frustrado ao Riocentro, onde se realizava um show comemorativo ao 1º de Maio, deixou um militar morto e outro ferido, quando uma bomba que eles carregavam, dentro de um automóvel Puma, explodiu. O objetivo era causar uma explosão que atingisse o público do show e atribuir a culpa a setores de esquerda. Os acusados pelo atentado pertenciam a um grupo dissidente dentro do regime militar, contrário à abertura política em curso no país. O governo militar já havia decidido redemocratizar o país e devolver o poder aos civis, o que desagradava a facções mais radicais.