MÍDIA SE JOGA NAS COVAS QUE ELA PRÓPRIA CAVOU
A golpes de pás, martelos e picaretas, colunistas da mídia tradicional abriram nos últimos meses as sepulturas em que seriam lançados, sem direito a apelação, os réus da Ação Penal 470; mas voto garantista do ministro Celso de Mello, para quem "o Supremo não pode expor-se a pressões externas", jogou os personagens que se travestiram de juízes dentro das próprias covas que eles cavucaram; decano do Supremo Tribunal Federal deu a maior lição de preservação de direitos individuais que os jornalões brasileiros e seus medalhões já receberam; uma verdadeira aula magna que eles fizeram por merecer; agora, aqui jazem
18 DE SETEMBRO DE 2013 ÀS 19:57
247 – Nos últimos meses, a golpes de centenas de artigos, milhares de notícias e milhões de palavras, um naipe completo de colunistas da mídia tradicional tratou de cavucar com pás, martelos e picaretas as sepulturas em que seriam jogados, nesta quarta-feira 18, os réus da Ação Penal 470.
Porém, com o voto histórico do decano Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, os articulistas da condenação anunciada descobriram que haviam aberto, na verdade, suas próprias covas rasas. Cobertos com togas, apesar da falta de especialização jurídica, ar professoral diante de quem não precisava de lições e a empáfia condizente com os arrogantes, a verdade é que esse pessoal se arrebentou. Eles morreram em credibilidade abatidos por seus próprios golpes.
Senão, vejamos:
Pode mesmo o acadêmico eleito com um livro só (compilação de artigos em O Globo) Merval Pereira dar aulas de Direito a um ministro do porte de Ricardo Lewandowski? Tem condições o blogueiro Reinaldo Azevedo, de Veja, ensinar letras jurídicas a uma referência como Teori Zavascki? Dá para instalar no mesmo patamar de conhecimento de matéria constitucional o galhofeiro Augusto Nunes com o magistrado Luís Roberto Barroso? A decana brasiliense Eliane Cantanhêde porta mesmo ensinamentos jurisdicionais que podem servir ao advogado tornado ministro Dias Toffoli? Acreditava mesmo a revista Veja que iria, com uma capa à la Capone, levar o decano Celso de Mello a tisnar sua biografia de garantista?
E mais: adiantou de algo, nesta mesma quarta-feira 18, portais como o UOL (do grupo Folhas) e o G1 (das Organizações Globo dos três Marinho) esconderem de seus leitores a notícia da aprovação dos embargos quando já estava claro o voto do decano, além de custar a própria perda de crédito?
Mais que ingenuidade, tratou-se a operação conjunta da mídia tradicional, para a qual seus mais cintilantes quadros foram requisitados, de uma jogada com duplo sentido. Acreditando que todo o julgamento da AP 470 seria guiado pela estrela da política, os colunistas atuaram travestidos de juristas para criarem, entre os leitores, a fantasia de que possuíam argumentos técnicos ainda mais fortes que a ira sentida frente aos personagens no banco dos réus. Cobriram-se, sem cerimônia, com togas cintilantes, que ao final serviram apenas para obnubilar a visão do público sobre o complexo julgamento. No jargão das redações, tiraram seus leitores do rumo certo.
A compreensão de que o Supremo é um órgão formado por juízes experimentados, cuja maioria compreende que o tribunal, como frisou o decano, "não pode expor-se a pressões externas", não foi transmitida aos leitores. Ao contrário. Um por todos e todos por um, o que eles escreveram em papel, lançaram na internet e propagaram pelo rádio e a televisão foi a mensagem de que o Supremo seria, sim, uma espécie de Maracanã em que as torcidas determinariam o resultado da partida. Venceria quem gritasse mais alto, amedrontando os responsáveis constitucionais pela apreciação do caso.
Foi preciso, em sua ampla e histórica lição de preservação das garantias dos cidadãos frente à "irracionalidade" do Estado, Celso de Mello repor a verdade em seu devido lugar. Ele ensinou que a não aceitação dos embargos infringentes iria contrariar uma tradição estabelecida pelo próprio Supremo desde o início do século passado. Seria contraditória com todas as Constituições brasileiras desde a de 1946.
O presidente Joaquim Barbosa adiou, na semana passada, o voto de Mello. O próprio decano queria ter votado, mas o antigo promotor fez questão de tirar-lhe a vez para que a matilha da mídia pudesse ladrar contra a independência do Supremo. Nessa jogada de mão, a participação da revista Veja foi decisiva para preencher, com sua capa desta semana, o espaço aberto por Barbosa. E outra vez não deu certo.
Ao fracassarem, as insistentes ações da mídia tradicional contra o Supremo, durante a Ação Popular 470, findaram, na mão contrária desse mau exemplo, por fortalecer a democracia. O voto do decano, acompanhando os juízes Luiz Roberto Barroso, Teori Zavascki, Rosa Weber, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski significou, tecnicamente, apenas que o próprio Supremo irá revisar as sentenças que receberam quatro votos pela absolvição dos réus. Moralmente, foi a maior aula já dada por um juiz a uma turma que pensava ser dona da verdade.
Que a terra lhe seja leve.
http://www.brasil247.com/pt/247/midiatech/115365/M%C3%ADdia-se-joga-nas-covas-que-ela-pr%C3%B3pria-cavou.htm
FUX SERÁ RELATOR DE NOVOS RECURSOS DA AP 470
Escolha do nome foi feita de forma eletrônica; primeiro recurso a ser relatado pelo ministro Fux será o do réu Delúbio Soares, ex-tesoureiro do PT, e primeiro a apresentar os embargos infringentes; recursos dos demais 11 réus também serão relatados por ele, quando chegarem à Corte; de acordo com o Regimento Interno do STF, outro ministro deve ser escolhido para relatar a nova fase do julgamento. Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski, relator e revisor da ação penal, respectivamente, não podem relatar os recursos.
18 DE SETEMBRO DE 2013 ÀS 20:06
André Richter
Repórter da Agência Brasil
Repórter da Agência Brasil
Brasília – O ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), será o relator dos recursos que reabriram o julgamento de 12 réus condenados na Ação Penal 470, o processo do mensalão. Eles tiveram pelo menos quatro votos pela absolvição nas condenações. A distribuição do processo foi feita eletronicamente.
Na sessão de hoje (18), por 6 votos a 5, o Supremo decidiu que 12 réus condenados na ação penal terão direito à reabertura do julgamento.
O primeiro recurso a ser relatado pelo ministro Fux será o do réu Delúbio Soares, ex-tesoureiro do PT, e primeiro a apresentar os embargos infringentes. Os recursos dos demais 11 réus também serão relatados por ele, quando chegarem à Corte.
No julgamento, 12 dos 25 condenados tiveram pelo menos quatro votos pela absolvição: João Paulo Cunha, João Cláudio Genu e Breno Fischberg (no crime de lavagem de dinheiro); José Dirceu, José Genoino, Delúbio Soares, Marcos Valério, Kátia Rabello, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz e José Salgado (no de formação de quadrilha); e Simone Vasconcelos (na revisão das penas de lavagem de dinheiro e evasão de divisas). No caso de Simone, a defesa pede que os embargos sejam válidos também para revisar o cálculo das penas, não só as condenações.
De acordo com o Regimento Interno do STF, outro ministro deve ser escolhido para relatar a nova fase do julgamento. Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski, relator e revisor da ação penal, respectivamente, não podem relatar os recursos.
Os outros réus só poderão entrar com novo recurso, após a publicação do acórdão, o texto final do julgamento. A previsão é que o documento seja publicado em 60 dias. Com isso, o documento deverá sair no mês de novembro.
Na sessão de hoje, os ministros decidiram ainda dobrar de 15 para 30 dias o prazo para os réus entrarem com os embargos, após a publicação do acórdão. Neste caso, o plenário terá até a segunda quinzena de dezembro para analisar a questão. Após esse período, começa o recesso de fim de ano do STF, e as atividades serão retomadas em fevereiro de 2014.
O ministro Joaquim Barbosa pediu aos ministros a liberação dos votos para que o acórdão seja publicado com rapidez. “Peço aos colegas que liberem seus votos. Talvez nesta semana, terei prontas as ementas [resumos] dos embargos declaratórios”, disse.
Durante o julgamento sobre validade dos embargos infringentes, Luiz Fux votou contra a aceitação dos embargos infringentes, assim como Joaquim Barbosa, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Marco Aurélio. Votaram a favor os ministros Luís Roberto Barroso, Teori Zavascki, Rosa Weber, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello, que desampatou o placar.
Edição: Carolina Pimentel
PICARETAGEM DO DATAFOLHA?
EDUARDO GUIMARÃES
Seja como for, a publicação dessa pesquisa pode ter sido a gota d’água a impedir que o ministro Celso de Mello ceda às pressões da “imprensa”
No âmbito da pressão sobre Celso de Mello para ignorar a lei e negar os embargos infringentes aos réus do julgamento do mensalão, o Datafolha divulgou, no dia D da decisão do ministro, pesquisa confusa e obscura que afirma que 55% dos paulistanos querem o fim do julgamento, 37% querem que prossiga e 79% querem encarceramento imediato dos réus.
A contradição soa inexplicável. Não se entende como 42% dos entrevistados pelo Datafolha (diferença entre os 37% que quererem “novo julgamento” e os 79% que querem encarceramento imediato dos réus) podem querer que o julgamento prossiga e, ao mesmo tempo, que os réus sejam encarcerados antes de a sentença final ser proferida.
A Folha sugeriu, indiretamente, que essa contradição se deve a “confusão jurídica” que estaria desnorteando a opinião pública. Abaixo, a “explicação” do jornal:
“Como pode a grande maioria dos paulistanos defender a prisão imediata aos condenados do mensalão se ao mesmo tempo boa parte deles prefere voto favorável do ministro Celso de Mello pela reabertura dos julgamentos? O aparente paradoxo reflete, na verdade, o emaranhado jurídico que, se nem entre os ministros do STF encontra fácil solução, gera muitas dúvidas também na população”.
Como paulistano, este blogueiro sente-se ofendido. Não somos tão estúpidos, os habitantes da capital paulista…
Mas essa não é a maior “peculiaridade” da pesquisa feita com o óbvio objetivo de pressionar o ministro do STF cuja decisão ainda não era conhecida quando este texto foi escrito. Independentemente dessa decisão, o que se pretende, aqui, é desnudar o que parece uma tremenda trapaça visando manipular um juiz da mais alta Corte de Justiça do país.
A pergunta que não quer calar é por que a pesquisa em questão foi feita apenas na cidade conhecida por ser a mais permeável do país ao setor da imprensa nacional que mais se opõe ao Partido dos Trabalhadores, até por sediar o primeiro e o terceiro maiores jornais brasileiros (Folha de São Paulo e O Estado de São Paulo), justamente os mais antipetistas.
A pesquisa estaria sugerindo que a opinião dos paulistanos é mais importante do que a dos habitantes das outras mais de cinco mil cidades brasileiras ou será que, feita uma pesquisa em âmbito nacional, só em São Paulo foi possível obter o resultado desejado?
Seja como for, a publicação dessa pesquisa pode ter sido a gota d’água a impedir que o ministro Celso de Mello ceda às pressões da “imprensa”. Mesmo que o resto do Brasil acompanhasse a opinião dos paulistanos – se é que é essa mesma, pois surge uma dúvida razoável nas razões supracitadas –, se ele votar contra os embargos passará recibo de que cedeu à gritaria da multidão.
Ainda que essa “grande imprensa” tenha adotado a teoria de que um magistrado deve dispensar “tecnicalidades” – ou seja, a Lei – e atender ao desejo da massa leiga, ainda que Celso de Mello possa “sair bem na foto”, para a sua biografia jurídica será um desastre. Qualquer militante do bom Direito sabe que ceder à gritaria desmoraliza um juiz.
*
PS: caso Celso de Mello ceda à gritaria midiática e paulistana, talvez seja melhor fechar o STF e delegar ao Datafolha ou ao Ibope as decisões finais da “justiça” brasileira.
TURMA SEM NOÇÃO
HÉLIO DOYLE
Cresce o número de juízes que não falam só nos autos, nem mantêm o recato que se espera do Judiciário. Agem como se fossem deputados, senadores ou dirigentes partidários
O roteiro previsto pelos ministros Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes e Marco Aurélio está sendo executado à risca: órgãos de imprensa, colunistas, articulistas, políticos, juristas e seções de “povo fala” tentando pressionar o ministro Celso de Mello a rejeitar os embargos infringentes. Pressões de todos os tipos, das mais ameaçadoras e chantagens emocionais.
Os contrários aos embargos recorreram até a entrevista pingue-pongue de ministro do STF, repleta de expressões dramáticas e populistas. Um massacre.
Cresce o número de juízes que não falam só nos autos, nem mantêm o recato que se espera do Judiciário. Agem como se fossem deputados, senadores ou dirigentes partidários. Pensam que foram eleitos para algum cargo e que representam a sociedade.
E se esquecem dos criminosos, corruptos, corruptores, estupradores e outros bandidos que já mandaram soltar, ou com os quais já confraternizaram.
POR QUE JOAQUIM BARBOSA É O GRANDE PERDEDOR DA SEGUNDA FASE DO MENSALÃO
PAULO NOGUEIRA
Joaquim Barbosa teria discutido com amigos a possibilidade de renunciar ao cargo caso os embargos passem. Não fará falta
O grande perdedor desta segunda fase do julgamento do Mensalão é quem pareceu ter sido o grande vencedor da primeira: Joaquim Barbosa.
Qualquer que seja o voto do decano Celso de Mello nesta quarta-feira, e se ele não ceder à abjeta pressão da mídia e de seus colegas conservadores deverá acolher os embargos infringentes, isso não muda.
A imagem de JB sofreu um devastador – e merecido – processo de desvalorização.
Primeiro, e acima de tudo, os fatos demonstraram que ele tem conhecimentos rudimentares de ética profissional – se é que tem algum.
Isso se expressou, e coube ao DCM noticiar, na sem cerimônia com que ele pagou a viagem de uma jornalista da Globo para a Costa Rica, onde ele daria uma palestra tão irrelevante que quase ninguém lembra sobre que versava.
Juízes devem manter intransponível distância da mídia, e vice-versa, por motivos óbvios. Ambos os lados – magistrados e mídia – têm que se fiscalizar, em nome do interesse público. Há, em ligações entre juízes e jornalistas, um enorme conflito de interesses.
Depois, JB deu um passo adiante e aproveitou a camaradagem indevida com a Globo para obter um emprego para o filho.
Outro momento épico no mergulho no valetudo de JB foi a compra de um apartamento em Miami mediante uma falácia: a de que o negócio fora feito não por ele, mas por uma empresa. O objetivo, aí, era sonegar.
Que mensagem ele passa aos brasileiros com isso? Façam qualquer coisa — inventem que têm uma empresa — para fugir dos impostos.
É o que se espera de um magistrado?
Não, naturalmente. É desalentador que coisas assim tenham passado em branco pela mídia tradicional, e a explicação reside exatamente nas relações de mútua e descabida amizade.
Alguém imagina que a Globo vá dar notícias desfavoráveis de JB? E a Veja? Pesquise e tente encontrar alguma coisa, caso queira checar.
A atitude de JB nesta segunda etapa do julgamento tem sido simplesmente lastimável. Nas duas últimas sessões do STF ele fez uma patética cera — chicana, caso prefira — para empurrar a decisão para a frente.
O objetivo, em ambas as ocasiões, parecia ser ganhar tempo para influenciar decisões, depois da surpresa, para ele, do voto firme pelos embargos infringentes com o qual Barroso mudou a dinâmica das decisões.
Fala muito sobre o despreparo de JB, como magistrado, ignorar a existência dos embargos infringentes em casos de julgamento direto pelo STF. A Constituição consagra o direito de todo brasileiro a um duplo grau de avaliação, e este é exatamente o espírito dos embargos.
Não se trata de inocentar pessoas, mas de reexaminar casos sob condições específicas previstas em lei.
A pobreza do principal argumento de JB dispensa comentários: o tempo gasto no julgamento. Em outras palavras, a morosidade da justiça.
Ora, o que está em julgamento não é a velocidade da justiça — mas o acerto em decisões que, a muitos, parecem absurdas e iníquas, tomadas para agradar a turma de sempre do 1%.
Joaquim Barbosa teria discutido com amigos a possibilidade de renunciar ao cargo caso os embargos passem.
Não fará falta.
Qualquer reforma séria no STF — e eis algo urgente para o país — não será feita sob a égide de figuras como Joaquim Barbosa.
CELSO DE MELLO, UM CAMPEÃO DE PRAGMATISMO
TÃO GOMES PINTO
Nesse embate em que leigos e especialistas falaram à vontade, não tenho a menor dúvida. Falando como leigo, é claro: Celso de Mello admitirá os embargos
Nesta quarta-feira o ministro Celso de Mello, o decano da Suprema corte, dará seu voto e decidirá, finalmente, a questão dos embargos infrigentes no STF . Seu voto pode reabrir o julgamento do mensalão para doze réus condenados pelos crimes de formação de quadrilha e lavagem de dinheiro.
Nesse embate em que leigos e especialistas falaram à vontade, não tenho a menor dúvida. Falando como leigo, é claro: Celso de Mello admitirá os embargos.
Senão, vejamos, e começando pelo que poderiamos chamar de “estilo” Celso de Mello. Não o conheço pessoalmente. Mas creio que posso, com pouco risco de erro, definir a linha de raciocínio que adotará.
Se pudessemos definir o juiz pelos seus votos, eu diria que o ministro em em questão é, em primeiro lugar, de um homem pragmatico. Num segundo momento, um cidadão do seu tempo. Um homem da idade moderna.
Desde 1989 no STF, Celso de Mello tem participado de julgamentos de grande importância e repercussão, como aquele que definiu a constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa e sua aplicação às eleições municipais de 2012. Ou o que reconheceu a união homoafetiva, por exemplo.
São dois votos – especialmente o segundo - claramente determinados pela visão pragmática do ministro.
Parte da mídia – e da população – pode ter se surpreendido com o fato de Celso de Mello ter votado contra a validade da Ficha Limpa no pleito de 2012, em que foi voto vencido.
A maioria dos seus colegas entendeu que a lei era perfeita e deveria ser aplicada já em 2012.
A argumentação de Celso de Mello foi a de que, até encerrados os todos os prazos de recursos, e seja proferida a sentença, ninguém pode ser considerado culpado. Muito justo, não é mesmo?
A votação da Ficha Limpa seria seguida por outra questão polêmica, a do aborto de anencéfalos, ainda em 2012.
O ministro votou a favor da interrupção da gravidez de fetos anencéfalos, dessa vez acompanhando a como a maioria do STF.
Mello defendeu a separação entre Estado e igreja e afirmou que o direito da mulher precede o do "feto sem vida”.
O caráter pragmático dessas afirmações não admite questionamentos maiores. Assim como o voto sobre a Ficha Limpa que apenas repete um dos postulados do Direito Processual.
Em junho de 2011, Celso de Mello já havia sido o relator da ação que decidiu, por unanimidade, liberar protestos a favor das drogas.
Para Mello, é garantido a todos o "direito de livremente externar suas posições, ainda que em franca oposição à vontade de grupos majoritários", uma decisão também lógica e pragmática diante do avanço mundial do consumo da erva.
De seu voto restou ainda a frase favorável às chamadas “marchas da maconha”, que tiveram sua época no Brasil e em várias partes do mundo. “Trata-se da expressão concreta do exercício legítimo da liberdade de reunião”, definiu Celso de Mello.
Ainda no mesmo ano, o ministro votaria de forma favorável aos casais gays, e o Supremo reconheceu, em decisão unânime, a equiparação da união homossexual à heterossexual.
Dois anos depois, em maio de 2013, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) aprovaria a resolução obrigando os cartórios a celebrarem casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, outra realidade que, a cada dia, vem sendo incorporada aos hábitos e à legislação de vários países.
Em maio de 2008, Celso de Mello já votara forma favorável ao uso de células-tronco embrionárias em pesquisas e acompanhou a maioria dos ministros, que entenderam que a prática não viola o direito à vida.
Na ocasião, Mello foi enfático ao afirmar que o Estado não pode ser influenciado pela religião. E defendeu a continuidade das pesquisas com as células-troco embrionárias, que permitiriam ao brasileiros o exercício concreto de um direito básico, que é o direito à busca da felicidade e também o direito de viver com dignidade.
Lá atrás, em 1994, Celso de Mello, assim como a maioria dos ministros do Supremo, havia votado pela absolvição do ex-presidente Fernando Collor de Mello acusado de crime por corrupção passiva.
Os magistrados argumentaram falta de provas para condenar Collor por ter se beneficiado diretamente de esquemas articulados por Paulo César Farias (PC Farias).
A coerência dos votos anteriores do ministro, como sempre pragmático nas suas decisões, é tão acentuada que foi utilizada inclusive por seus adversários.
Nos últimos dias, circulou nas redes sociais, a lembrança de um episódio envolvendo Celso de Mello com o falecido Ministro da Justiça do governo Sarney, o célebre advogado Saulo Ramos, já falecido.
No seu notável livro “Código da Vida”, onde relata com um brilho invulgar vários momentos da sua carreira, Saulo descreve, na página 170 da primeira edição, um diálogo telefônico muito esclarecedor entre o ex-ministro e Celso de Mello, que havia sido indicado para o Supremo pelo próprio Saulo Ramos.
Saulo e Celso tinham razoável intimidade. Afinal haviam trabalhado juntos na Consultoria-Geral da República, onde Celso, durante certo tempo, foi secretário de Saulo Ramos.
Estava em questão, no Supremo, a validade da documentação que permitiria a Sarney, já como ex-presidente, candidatar-se ao Senado pelo Amapá.
Preocupado porque a relatoria do processo poderia cair, como acabou caindo, nas mãos do Ministro Marco Aurélio Mello, muito ligado ao ex-presidente Collor, adversário tradicional de Sarney, Celso de Mello ligou para o seu ex-patrono Saulo Ramos que o tranquilizou.
Disse que o advogado de Sarney, dr. José Guilherme Vilela, era muito competente e que o caso era simplérrimo. Lembrou ao preocupado ministro Celso de Mello que desde a faculdade se aprende que existem dois municípios, um civil, outro eleitoral. Aliás esse acabaria sendo o entendimento do Supremo ao julgar o mérito da questão, apesar de Celso de Mello ter votado contra.
E Saulo Ramos escreve no seu “Código da Vida”:
“Apressou-se ele próprio (Celso de Mello) a me telefonar, explicando:
- Doutor Saulo, o senhor deve ter estranhado o meu voto no caso do presidente.
- Claro...O que deu em você?
- É que a Folha de S. Paulo, na véspera da votação, noticiou que o presidente Sarney tinha o voto certo do ministros que enumerou e citou meu nome como um deles. Quando chegou a minha vez de votar o Presidente já estava vitorioso...Não precisava mais do meu voto. Votei contra para desmentir a Folha de S. Paulo. Mas fique tranqüilo. Se meu voto fosse decisivo eu teria votado a favor do Presidente.
Não acreditei no que estava ouvindo. Recusei-me a engolir e perguntei:
- Espera um pouco, deixa eu ver se compreendi bem. Você votou contra o Sarney porque a Folha de S.Paulo noticiou que você votaria a favor?
Diante da resposta positiva, Saulo Ramos não se conteve: Quer dizer que se o Presidente estivesse perdendo, você votaria nele?
Celso de Mello ainda insistiu: - Entendeu?
- Entendi. Entendi que você é um juiz de merda!
Saulo Ramos escreve: " Bati o telefone e nunca mais falei com ele".
O ex-ministro não precisava ser tão grosseiro . E comentar, por exemplo, "poxa, Celso, como você é pragmático, cara".